Um clima de guerra impera na cidade de Douradina, interior do Mato Grosso do Sul. De um lado, latifundiários em camionetes brancas, pretas e cinzas, que na última semana estiveram envolvidos em ataques contra indígenas no estado, tentam calcular a movimentação das famílias Guarani-Kaiowá que vivem, desde a semana passada, em uma nova parcela de um território retomado. Ao todo, foram três novas retomadas erguidas no município para responder aos ataques dos latifundiários e seus bandos pistoleiros. No outro lado, guerreiros Guarani-Kaiowá com os rostos cobertos por toucas para sua própria proteção vigiam a movimentação inimiga e asseguram a posse de seu território. É uma medida necessária para impedir o reconhecimento de ativistas e lideranças pelos latifundiários, que usam drones para sobrevoar a área e tentar identificar os indígenas envolvidos na luta.
As camionetes que cercam as retomadas vigiam qualquer um que chega e sai do território ocupado, inclusive a correspondência local do jornal A Nova Democracia, que foi até as retomadas para conversar com os indígenas. Por cima das retomadas, helicópteros rasgam o céu para tentar intimidar os ativistas, mas fracassam.
Barricadas e labirintos
Após passar pelas tentativas de intimidação à distância dos latifundiários, uma nova barreira: dessa vez, erguida pelos indígenas para proteger o território. Eles montaram duas barricadas que impedem que qualquer um entre no território sem se identificar nos dois postos de observação montados. Essas medidas extras de segurança foram tomadas depois que latifundiários chegaram na área em dezenas de camionetes, incendiaram as plantações dos indígenas e roubaram os pertences.
O terreno também foi sistematicamente preparado para a proteção das famílias Guarani-Kaiowá. Por dentro do território, as diferentes estradas servem como um labirinto para aqueles que desconhecem a geografia local, mas facilitam o acesso e a movimentação dos que conhecem as rotas internas. Os indígenas deslocam-se rapidamente pelo território, atentos às ações dos latifundiários em uma distância que pode chegar a somente 40 passos.
O clima de guerra é mantido durante a noite. Em uma delas, os latifundiários acenderam um refletor para tentar impedir os indígenas de dormir. Ao mesmo tempo, outros grandes fazendeiros organizaram um grande churrasco embaixo de uma tenda próximo à retomada.
Força Nacional cerca Guarani-Kaiowá
A tensão é observada de perto pela Força Nacional, que também cerca a área em camburões pretos marcados com as letras amarelas da corporação. As tropas federais tiveram a presença prolongada no Mato Grosso do Sul após os novos episódios do conflito agrário na semana passada, quando três indígenas ficaram feridos em diferentes ações de despejo ilegais feitas pelos bandos latifundiários.
O governo diz que a Força Nacional foi enviada para assegurar a proteção dos Guarani-Kaiowá, mas os ativistas discordam: para eles, a Força Nacional é uma aliada comprovada dos latifundiários, e ajudam na repressão contra a luta indígena pela terra. Eles afirmam também que todos os gritos, rezas e atividades culturais dos Guarani-Kaiowá foram proibidas pela Força Nacional.
Durante a estadia na retomada, o correspondente local de AND conversou com um dos indígenas feridos nos ataques que serviram de motivo para a ida da Força Nacional ao MS. Sentado em uma cadeira, ele usa uma touca para cobrir o rosto. Escondida sob a bermuda está a prova dos ataques que seus companheiros sofreram: uma bala disparada pelos latifundiários, ainda alojada na parte interna da coxa do guerreiro Guarani-Kaiowá. “Isso aqui foi no confronto”, diz ele. “Foi o tiro de um pistoleiro”.
Luta segue viva: ‘Vamos lutar até conquistar essa terra’
Nada disso parece minar a determinação dos indígenas na luta pela terra. O correspondente local de AND acompanhou de perto uma manifestação organizada pela Juventude Guarani Kaiowá pela posse dos territórios e contra as medidas anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional. O centro da manifestação estava em uma grande faixa vermelha ao fundo do protesto, com a frase Marco Temporal Não! marcada em letras brancas. À frente dela, jovens indígenas erguiam placas com o nome da retomada e cantavam alto as palavras de ordem da sua luta e cânticos tradicionais de seu povo.
Esse espírito é ecoado nas outras retomadas de Douradina. No Tekoha Pikyxiy, a liderança Guarani-Kaiowá e a Nhandesy garantem que não saem da terra nem mesmo mortos, já que pretendem ser ali enterrados. Já no Tekoha Kurupa’yty, os Guarani-Kaiowá também garantem que não saem. “Estamos lutando pela terra que é nossa. Estamos lutando por um direito nosso. Por isso que estão os jovens, idosos, todos aqui. E vamos lutar até o fim, até a gente conquistar essa terra”, disse uma indígena, em entrevista ao AND.
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