Indonésia: Massas se rebelam contra alta dos preços e tentativa de golpe

Indonésia: Massas se rebelam contra alta dos preços e tentativa de golpe

Milhares protestam em frente ao Parlamento em Jacarta, na capital do país. Foto: CNN

Massas em fúria tomaram as ruas de diversas cidades da Indonésia no dia 11 de abril contra a piora das condições de vida do povo e possível tentativa de golpe por parte do presidente Joko Widodo (também conhecido como Jokowi). As manifestações ocorreram na capital do país, Jacarta, e nas províncias de Celebes do Sul e Java Ocidental.

Os protestos combativos tem como pano de fundo, além das medidas reacionárias impostas pelo governo de turno e a alta do custo de vida, a tentativa do presidente Jokowi de adiar as próximas eleições indonésias, marcadas para o ano de 2024. Segundo o órgão de pesquisa Saiful Munjani Research and Consulting, mais de 70% da população não é a favor da prorrogação do mandato do atual presidente. Desde o dia 10/04, o presidente, em uma falha tentativa de refrear a combatividade das massas, têm desestimulado seus aliados a comentarem sobre o assunto e negado suas intenções golpistas.

As ações têm sido lideradas principalmente por estudantes universitários que denunciam a ação das classes dominantes por trás dessa prorrogação: “o que está claro é como as elites estão se forçando a adiar as eleições”, afirmou o estudante Muhammad Lutfi ao jornal Reuters. Os estudantes denunciam também que, com tal iniciativa, Jokowi estaria não só prorrogando seu período como presidente, mas também exercendo tal função por mais de dois mandatos (de cinco anos cada) seguidos, o que é proibido pela constituição do país. Isso evidencia como, quando é do interesse das classes dominantes, as leis supostamente inquebrantáveis do velho Estado podem ser facilmente esquecidas, ao lado de uma piora da qualidade de vida das amplas massas populares.

A miséria imposta ao povo indonésio

As massas indonésias têm sofrido cada vez mais com a alta geral do custo de vida. Em fevereiro de 2022, a inflação da Indonésia atingiu sua taxa mais alta nos últimos 20 meses, chegando próxima de 4%. 

Os setores de óleo e combustível foram gravemente afetados pela alta dos preços. O primeiro sofreu um aumento de 40%, principalmente como fruto do aumento da procura por biocombustível, que levou à uma escassez da disponibilidade do óleo de palma. O governo de turno têm procurado conter a alta com o estabelecimento de limites para os preços e destinação de 20% do óleo produzido no país para o mercado interno. Apesar da produção local, a Indonésia não consegue abastecer todo o consumo de combustível do país somente com produção nacional: enquanto produz em torno de 700.000 barris por dia, consome em torno de 1.4 – 1.5 milhões de barris diariamente. O país terminou o ano de 2021 com um déficit comercial de 13.3 bilhões de dólares no setor de óleo e gás.

A fome também é um grave problema imposto ao povo indonésio, apesar da existência de alguns programas governamentais de distribuição de comida. Tal condição é imposta principalmente aos camponeses, que totalizam mais de 60% do povo pobre do país. Segundo o portal Borgen Project, 19.4 milhões de indonésios não conseguem cumprir suas necessidades dietárias. Já de acordo com dados do Asian Development Bank e do Food Research Institute, 22 milhões de pessoas sofreram de fome crônica na Indonésia durante os anos de 2016 e 2018. Isto mostra que, apesar da expansão do setor de agricultura do país, os camponeses continuam em situação de extrema miséria, submetidos a relações de produção semifeudais e reféns de altos preços dos produtos agrícolas (na Indonésia, o arroz é em média 50% a 70% mais caro que nos países vizinhos).

O oportunismo descreditado de Joko Widodo

Não é a primeira vez que o governo de Jokowi enfrenta a furiosa revolta das massas. No ano de 2019, protestos massivos foram organizados por estudantes contra o novo código penal, que além de ferir gravemente o direito das mulheres do povo, como a criminalização do aborto mesmo em casos de estupro, criava punições contra quem ofendesse o presidente e aumentava as penas para “crimes de blasfêmia”. Já em 2020, milhões de massas estudantis e trabalhadoras tomaram o país contra uma lei que aniquilava os direitos trabalhistas do povo indonésio.

Joko Widodo assumiu como presidente do velho Estado indonésio em 2014, atualmente exercendo seu segundo mandato. Jokowi é o primeiro presidente da Indonésia que não possui uma origem dentre as elites ou dentre os militares e, por isso, foi eleito como um “homem do povo”, gerando grandes e falsas esperanças nas massas populares. 

Como ocorre com todos os oportunistas que usam do desespero e anseio das massas como trampolim eleitoral, não demorou muito para que a máscara de Jokowi caísse. Com a aprovação de diversas reformas antipovo ficou evidente a incapacidade do velho Estado indonésio de resolver os problemas das massas – fato que se repete com os oportunistas em todos os outros países, sejam imperialistas ou de capitalismo burocrático. Não à toa, o governo tem enfrentado amplas rebeliões populares e não conta com apoio para prorrogação do mandato. 

Governo de Jokowi amplia contato com militares reacionários 

Joki Widodo junto a militares em desfile de comemoração aos 72 anos das Forças Armadas. Foto: Reuters.

Além da crise econômica e política que a Indonésia se encontra e das reformas antipovo movidas por Joki Widodo, ressalta-se também a crescente participação de generais das forças armadas reacionárias em postos chaves do velho Estado e a relação do presidente oportunista  com os militares reacionários do país. Em novembro de 2021, Joko Widodo anunciou o novo chefe das Forças Armadas do país: o general Andika Perkasa, de 56 anos.

Além de diversas funções, o novo chefe anunciado será responsável por garantir a segurança militar do processo eleitoral de 2024, se esse vier a acontecer. Perkasa é genro do general Abdullah Hendopryiono, militar aposentado, ex-chefe da agência de espionagem estatal e homem de confiança de Jokowi desde 2012, quando esse último ainda era governador da capital do país.

Somando-se à nomeação do novo chefe das Forças Armadas do país, estão as de diversos militares para setores “civis” do velho Estado indonésio, como gabinetes e ministérios. É o caso do militar aposentado Luhut Panjaitan, nomeado para Ministro dos Negócios Marítimos e Investimentos, do tenente-general Prabowo Subianto, Ministro da Defesa e do general Terawan Putranto, Ministro da Saúde. Somados à Prabowo, diversos militares foram nomeados por Jokowi para gabinetes do Ministério da Defesa. Em comum entre eles está o fato de que compunham uma força militar especializada no sequestro de ativistas, durante os anos de 1997 e 1998.

O governo oportunista de Jokowi têm fortalecido também o funcionamento do sistema de comando territorial do exército. Tal sistema emprega militares em cargos de estruturas civis, principalmente no campo: dados divulgados pelo Centre for Strategic and International Studies mostram que, entre 2014 e 2017, 113 acordos foram feitos entre militares e ministros e outros setores do governo, não só para treinamento militar, mas também para a contratação de soldados como professores e desenvolvedores de projetos rurais. Na prática, o sistema é usado como monitoramento militar do povo e como forma de operação de inteligência contra possíveis insurreições.

Por fim, a militarização de setores governamentais civis aumentou durante a pandemia, quando diversos militares assumiram funções dos comitês e gabinetes dedicados à recuperação econômica, saúde pública e controle da propagação do vírus.

A ampla presença dos militares em diversos cargos do governo tem aumentado, por consequência, a difusão das opiniões e ações reacionárias das Forças Armadas. Os militares têm falado repetidamente de uma “latente ameaça comunista” na Indonésia e censurado os debates minimamente progressistas, como o debate público sobre o massacre de comunistas indonésios durante os anos de 1965-66. 

A censura, por sua vez, não está restrita aos debates: em 2018, uma ação conjunta de militares e policiais apoiada por Abdullah Hendopryiono, confiscou mais de cem livros, de duas livrarias, que tratavam sobre comunismo e o Partido Comunista da Indonésia. Um tenente-coronel que esteve envolvido no confisco afirmou que a ação ocorreu para evitar “vulnerabilidades” na sociedade e porque os livros causavam “agitação pública”. O velho Estado reacionário indonésio conta com uma brutal legislação anti-comunista, que permite o aprisionamento por até 12 anos de indivíduos que apoiem o comunismo publicamente.

Quando tomadas em conjunto as medidas antipovo, as brutais repressões às massas e a crescente presença de militares em cargos governamentais, fica evidente o processo de reacionarização do velho Estado indonésio, o que está diretamente vinculado ao contexto global da atual época, de ofensiva contrarrevolucionária de caráter geral. Em todo o mundo está em curso, como necessidade do sistema imperialista mundial para seguir existindo, um processo de reacionarização crescente dos velhos Estados e Estados imperialistas. Isso se reflete na militarização ainda maior imposta às massas populares e na tendência a rupturas e/ou deformações na ordem burocrático-legal. Essa última tendência, por sua vez, se divide em duas vias distintas, mas não opostas, que é tendência ao fascismo ou ao presidencialismo absolutista ultrarreacionário.

Em síntese, Joki Widodo atua como um verdadeiro oportunista e representante das classes dominantes que, no atual contexto de crise geral do capitalismo, amplia a exploração do povo e implanta a reacionarização do velho Estado como medida de conter a justa rebelião popular. Somado a ele, as Forças Armadas reacionárias assumem um papel cada vez mais ativo no velho Estado indonésio e desencadeiam cada vez mais ações reacionárias de caráter anti-subversivo, deixando claro seus interesses a favor da velha ordem sob a forma de um regime militar aberto. As massas, por sua vez, empregam toda sua combatividade no combate às medidas antipovo e à clara tentativa de golpe militar.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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