Inventos brasileiros: uma fama usurpada pelo capital (parte 1)

Em junho de 2024, 96 anos de descaso a Landell de Moura.

Inventos brasileiros: uma fama usurpada pelo capital (parte 1)

Em junho de 2024, 96 anos de descaso a Landell de Moura.

Equiparado a Thomas Edison, Graham Bell, Nikola Tesla, Marconi e outros gênios, ele foi o criador precursor da fibra óptica e da televisão, e o primeiro (ou um dos primeiros) a conseguir a transmissão sem fio de som e sinais. Esta foi realizada por ele via ondas eletromagnéticas, o que daria origem ao telefone e ao rádio.

Fibra óptica, TV, telefone e rádio, convenhamos, não é pouca coisa. Porém, mês passado, junho, completaram-se 96 anos de descaso internacional ao grande cérebro brasileiro Roberto Landell de Moura.

‘Um estilingue metido a besta’

Quem inventou o avião? Frente a tal pergunta, a grande maioria das pessoas no mundo, especialmente nos USA, dirá que foram os irmãos estadunidenses Wright (Wilbur e Orville) e apenas os brasileiros dirão que foi Santos Dumont.

E ainda usarão uma frase marota frente aos renomados ianques: “Estilingue não é vôo.”

Um bem-humorado professor de engenharia, conforme velhos curitibanos recordados por meu pai Rosnel Bond, costumava comentar nas aulas na maior universidade local que mesmo com todo o estardalhaço da propaganda dos norte-americanos, o invento dos Wright “foi uma peça lançada por um estilingue metido a besta.” Uma setra, no jargão da capital dos paranaenses.  

Os ilustres desiguais 

Em outras palavras, a resposta à pergunta mostra um aspecto do problema da relação imperialista entre os países dominantes e os dominados. E a desigualdade, enredada em patentes e altos lucros, com que são tratados os nomes famosos dos primeiros e o anonimato dos segundos.

Relembrando o episódio do avião: os Wright conduziram um sobrevoo de 260 m, em aeronave motorizada, em 1903.

Porém, como a decolagem foi impulsionada por uma catapulta (no caso uma “setra/estilingue” gigante), o episódio ocorrido num lugarejo da Carolina do Norte, sem muitas testemunhas (pois temiam ter a ideia roubada por outras pessoas) é questionado em alguns locais fora dos USA.

Santos Dumont, por sua vez, pilotou em 1906, um aparelho similar a um avião, chamado 14-Bis, que foi o primeiro mais pesado que o ar, motorizado, a decolar por impulso próprio. Frente a centenas de pessoas, voou 220 m em Paris, tendo recebido um prêmio da Comissão Oficial do Aeroclube da França.

Landell nega fortuna:tudo pertence à minha pátria

Roberto Landell de Moura, nascido (1861) e falecido em Porto Alegre/RS (junho de 1928, esquecido e doente de pneumonia) foi padre e cientista. Teve sólida base cultural e científica, e formou-se sacerdote em Roma. No entanto pouco se sabe do aspecto eclesiástico de sua vida, que parece ter sido nada expressivo.

Conforme biógrafos, teve muitas dificuldades técnicas e financeiras para desenvolver suas pesquisas, trabalhou a maior parte do tempo sozinho e enfrentou incredulidade por parte de autoridades e preconceito da população católica.

Em março de 1901 Landell conseguiu obter a primeira patente brasileira para um “aparelho destinado à transmissão fonética à distância, com fio ou sem fio, através do espaço, da terra e do elemento aquoso”. Diante disso, a Igreja autorizou que iniciasse em 14 de junho uma excursão científica, que passou pela Itália, França e USA.

Ele pretendia registrar os inventos nos USA, mas o Departamento de Patentes exigiu protótipos funcionais.Como ele levou só os projetos, precisou fazer 3 aparelhos, o que alargou sua estadia.

Após o jornal New York Herald ter publicado em 1902 uma reportagem sobre as experiências na transmissão de sons sem uso de aparelhos com fio, destacando o padre Landell, ricos empresários norte-americanos ofereceram altas somas ao padre para que autorizasse sua produção industrial. Porém, ele recusou, dizendo que “os inventos já não mais me pertencem. Por mercê de Deus, sou apenas o depositário deles. Vou levá-los para minha pátria, o Brasil, a quem compete entregá-los à humanidade.”

Apagamento não é por ‘azar’

Landell de Moura, que entendeu a importância de sua nação pobre e dependente obter ganhos políticos, econômicos e culturais além-fronteiras com seus trabalhos inovadores, não é caso único de inventividade brasileira que mereceria destaque mundial.

Mas o  silêncio frente aos talentos científicos e tecnológicos do país não é fortuito ou fruto de “azar”. Tem relação direta com o sistema imperialista (USA e U.Europeia), baseado na exploração de povos oprimidos na busca do lucro máximo.

Isso envolve também diferentes tipos de guerra/ataque aos países-colônias e semicolônias, como o Brasil, para sufocar competidores, mantê-los em situação de atraso e sugar mais facilmente suas riquezas. Portanto não é à toa que o fascismo do bolsonarismo americanófilo e pró-imperialismo fez crescer no Brasil uma onda contra a Ciência.     

Não se preocupava em documentar

Testemunhos afirmam que Landell vinha realizando testes bem sucedidos nas modalidades de transmissão sem fio (protos telefone e rádio) desde 1893 ou 1894, mas seu foco não era a documentação de nada.

O primeiro registro inconteste e público é de 3 de junho de 1900, testando com sucesso aparelhos que transmitiram sem fio sons e sinais telegráficos. No Brasil ele usualmente é considerado o pioneiro em nível mundial. Nos outros países sua realização permanece quase ignorada, embora um certo número de fontes estrangeiras esteja aceitando sua primazia.

Um telefone aos 17 anos

Como precursor da televisão e da fibra óptica, a documentação sobrevivente não é muito clara, e internacionalmente sua contribuição nesta área específica caiu num esquecimento quase total.

O seu legado científico é tão amplo que apenas parte foi estudado, havendo muitos relatórios autográficos ainda por explorar.

Em manuscritos seus, há uma notícia de que aos 17 anos teria inventado uma espécie de telefone. Teria sido pouco depois de Graham Bell, mas não foi achada nenhuma descrição precisa do aparelho.

Antes de Marconi, na Av. Paulista

Em 1892 teria construído o primeiro transmissor sem fio de mensagens, antes de Guglielmo Marconi fazer seus primeiros testes na Itália. Entre 1893 e 1894, segundo Ernani Fornari, seu biógrafo e contemporâneo, teria realizado a primeira transmissão pública, ocorrida entre o alto da Avenida Paulista e Alto de Santana, em SP, cobrindo uma distância de 8 km. Na ocasião testou um transmissor de ondas, um telégrafo sem fio e um telefone sem fio. Contudo, segundo o estudioso Luiz Netto, a falta de registros sólidos prejudicou seu reconhecimento internacional.

A primeira inequívoca demonstração pública de seus inventos ocorreu no dia 3 de junho de 1900, tendo como testemunhas o cônsul britânico em S.Paulo, Percy Charles Parmenter Lupton, mais autoridades brasileiras, empresários e populares, “as quais foram coroadas de brilhante êxito”, conforme noticiou o Jornal do Commercio.

Também TV com controle remoto?

Em 1904, estando ainda nos USA, desenvolveu um projeto para a transmissão de imagens à distância, cuja tecnologia o tornaria também um pioneiro da televisão, do controle remoto e do teletipo. Novamente Netto diz que a documentação é pobre sobre este trabalho, impedindo que se conheça até que ponto ele chegou realmente.

Raiva da Igreja

Voltou ao Brasil em 1905, assumindo uma paróquia, mas continuava com suas pesquisas, solicitando  um auxílio financeiro a deputados de SP para poder colocar em prática seus inventos, mas seus pedidos não sensibilizaram os parlamentares.

Após o presidente da Republica, Rodrigues Alves, também ter negado navios da Marinha para demonstrar a transmissão sem fio em longas distâncias, num acesso de desespero Landell teria destruído vários de seus aparelhos.

A raiva, porém teria tido outro motivo.Em declarações tardias, Landell de Moura disse que, na época ele teria sido obrigado pela Igreja a abandonar seus experimentos.

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