João Cândido, um grande brasileiro

João Cândido, um grande brasileiro

Plekhanov dizia que:

O grande homem é grande não porque suas particularidades individuais imprimiam uma fisionomia individual aos grandes acontecimentos históricos, mas porque é dotado de particularidades que o tornam o indivíduo mais capaz de servir às grandes necessidades sociais de sua época, surgidas sob a influência de causas gerais e particulares. 

João Cândido, sem sombra de dúvidas, foi um grande homem. 

QUEM FOI JOÃO CÂNDIDO? 

João Cândido Felisberto nasceu em 1880 no interior do Rio Grande do Sul. Com dez anos se mudou para Porto Alegre onde foi viver sob os cuidados do almirante Alexandrino de Alencar, que era próximo da família do patrão de seu pai. Entre treze e quatorze anos ingressou na Marinha do Brasil como “grumete” [1]. Foi evoluindo dentro da Marinha de Guerra e aos vinte anos já era um instrutor de aprendizes-marinheiros. 

João Cândido era um homem negro na Marinha de Guerra em uma sociedade que havia recém abolido formalmente a escravidão. Portanto não era pouco o preconceito que sofria e as humilhações que passava. 

Para compreender João Cândido é necessário compreender as condições históricas em que este vivia, em especial as condições da Marinha no Brasil à época. 

QUEM ERAM OS MARINHEIROS E AO QUE ERAM SUBMETIDOS? 

A Marinha do Brasil nos tempos de João Cândido funcionava quase como um “espantalho à que recorriam os pais de família para reformar o comportamento de crianças travessas” (EDGAR MOREL, 1963), quase como uma casa de detenção ou “correção” para jovens que cometiam delitos (ou que pensavam ter cometido algum delito). Não era raro que alguns chegassem recomendados pela própria polícia. 

O tratamento dado aos marinheiros, em sua grande maioria negros e periféricos era digna realmente de delinquentes. Os altos escalões puniam fisicamente os marinheiros. Apesar de formalmente a escravidão, sabemos que ela nunca acabou. Semelhante situação acontecia sobre as punições físicas na Marinha: havia-se abolido formalmente as punições físicas, mas elas não haviam cessado.

Um exemplo da crueldade praticada pelo alto comando da Marinha é o caso do “Mão Negra” contado no livro de Morel. Durante a passagem do estreito de Magalhães, rumo ao Oceano Pacífico, chega ao comandante uma carta assinada por um homem que se identificava como “Mão Negra”. Esse homem era o marinheiro Francisco Dias Martins e a carta dizia:

“Venho por meio destas linhas pedir para não maltratar a guarnição deste navio, que tanto se esforça para trazê-lo limpo. Aqui ninguém é salteador, nem ladrão. Desejamos paz e amor. Ninguém é escravo de oficiais e chega de chibata. Cuidado!” 

Após isso, os marinheiros sofreram tantas chibatadas que muitos desertaram da Marinha. Esse caso não foi o primeiro nem último de insubordinações que terminaram em violência. Os marinheiros já estavam esgotados dos maus tratos, das péssimas condições e principalmente da chibata. 

A gota d’água para os marinheiros foi quando açoitaram o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes na frente de toda a tripulação, deixando-o desacordado. Daí explodiu uma revolta.

O CONTATO COM OS MARINHEIROS INGLESES 

Durante as viagens que faziam, os marinheiros tomaram contato com marinheiros de outros países e viram sua organização política já avançada na luta pelos seus direitos, principalmente os marinheiros ingleses. Inglaterra esta que vivia grande mobilização de trabalhadores. Essa situação inspirou os marinheiros brasileiros, já cansados das injustiças impostas a dar um passo a mais na sua própria consciência. Eles viram que apenas a organização poderia mudar as suas condições.

A REVOLTA DA CHIBATA 

“João Cândido era o chefe supremo da insurreição, sendo o primeiro marinheiro do mundo a comandar uma esquadra. Foi um comandante diferente. Não usou a farda de almirante, preferindo o seu uniforme branco de praça-de-pré, meio rasgado pelo tempo” (EDGAR MOREL, 1963). Dessa forma João Cândido liderou a revolta da chibata. Na noite do dia 22 de novembro o clarim não pediu silêncio, pediu combate [2]. Os marinheiros revoltados tomaram encouraçados e apontaram seus canhões não mais para onde os superiores lhes mandavam, agora era para a Baía de Guanabara. 

Após quatro dias de extrema tensão, o governo cedeu e deu anistia aos marinheiros revoltosos. Isso não durou muito e alguns dias depois começou uma grande perseguição aos que participaram da revolta, muitos foram presos e trancados na solitária, os amotinados da Ilha das Cobras foram massacrados. João foi trancado junto com mais dezessete e quando abriram a cela, após vários dias trancafiados, encontraram apenas o Almirante Negro (como era conhecido) e o soldado naval João Avelino vivos, todos os outros haviam morrido de asfixia por conta do cal utilizado para desinfetar a cela. 

João e seus companheiros são julgados e mesmo depois de libertos foram expulsos da Marinha. Contudo, os seus esforços não foram em vão. A luta e a coragem dos que estiveram na revolta da Chibata e principalmente do Almirante Negro são lembradas até hoje.

O Almirante Negro, João Cândido liderou a Revolta da Chibata que exigiu o fim dos castigos físicos, opressões e humilhações realizadas pelo alto comando da Marinha. Foto: Reprodução


NOTAS:

1 – Um menor de idade que à bordo do navio é responsável por limpar e ajudar os marinheiros nos diferentes trabalhos.

2 – Frase do próprio João Cândido.

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