“Minhas casas, sítios, lavouras, estão todas quebradas. Tudo por conta da decisão de um juiz corrupto, ladrão, que botou a gente pra fora sem direito a nada”, denunciou uma camponesa ao jornal A Nova Democracia no dia 22 de outubro. Ela se refere à destruição dos sítios de várias das mais de 720 famílias que vivem na Área Revolucionária Renato Nathan, organizada pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) há quase 20 anos no município de Messias, Alagoas.
O juiz mencionado é José Afrânio dos Santos Oliveira, da Vara Agrária de Alagoas. Ele deu permissão para a operação da PM que, com viaturas, homens armados e tratores, derrubou as casas dos camponeses e proibiu os produtores de recolherem seus bens e animais.
A descrição que a camponesa deu de Afrânio foi reiterada pela LCP. “Afrânio possui uma imensa lista de acusações de venda de sentenças e reconhecidamente é tido como um dos mais corruptos do judiciário alagoano”, diz uma parte de um comunicado sobre o ocorrido.
O jornal A Nova Democracia apurou as denúncias e confirmou as irregularidades do juiz.
Benefícios a empresas
Afrânio dos Santos atua como juiz no Alagoas desde a década passada. E desde então é investigado. Um dos casos foi investigado pelo Conselho Nacional de Justiça, que tinha José Afrânio como suspeito de favorecer uma grande empresa de Maceió em uma ação fora de sua competência.
A empresa teve bens entregues a instituições bancárias e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como forma de uma garantia hipotecária. Insatisfeitos com quais bens foram escolhidos, os magnatas tentaram substituir por outros. Foi aí que Afrânio entrou na jogada e, num plantão judicial, aprovou o pedido.
A irregularidade se deu porque o caso não era de competência da justiça estadual, e sim da federal. Ao mesmo tempo, nenhum dos bens requeridos ficava em Maceió, cidade onde Oliveira atuava.
Apesar desses problemas, Oliveira quase saiu impune. O Tribunal de Justiça do Alagoas (TJ-AL) examinou o caso em processo administrativo e decidiu arquivar o caso. Contudo, como o processo envolvia instituições como o BNDES, houve apelação e o CNJ decidiu reabrir o caso. Um ano depois, José Afrânio foi punido, por 9 votos a 3, com remoção compulsória da 7a Vara Cível de Maceió.
Reintegração de posse
Com uma canetada, um juiz sentado em um escritório da 29a Vara Cível da Capital (Conflitos Agrários), decidiu que camponeses organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seriam obrigados abandonar um latifúndio no município de Junqueiro, supostamente pertencente à Fazenda Santa Terezinha. Em 15 dias, a contar do dia 15 de agosto de 2017, os camponeses teriam que desmontar os barracos, colher os produtos plantados e ir embora.
Esse foi um dia padrão no escritório para José Afrânio dos Santos. Despejar famílias era uma constante desde que havia sido expulso da 7a Vara Cível e jogado para a vara de conflitos agrários.
No mesmo ano, Afrânio também ordenou o despejo de camponeses na zona rural de Traipu, em Alagoas. O latifúndio, ocupado desde 2004, supostamente pertencia à Agropecuária Monteiro Ltda. E também de famílias que ocuparam a fazenda Carão, em Maragogi. As famílias viviam na terra há quatro anos, durante os quais denunciaram o abandono total do Incra. O MST alegava que a terra estava propícia, abandonada e em condições de ser desapropriada.
Censura
“Estamos entregues às baratas”, denunciou ao jornal monopolista CNN a trabalhadora Marlene da Conceição, moradora de um dos cinco bairros da capital de Alagoas afetados pela mineração predatória da Braskem.
Os bairros se tornaram inabitáveis pelas atividades de uma mina de sal-gema mantida pela mineradora que passou a ter riscos iminentes de colapsar. 40 mil pessoas foram desalojadas e precisaram reconstruir suas vidas a partir do nada. Hospitais e prédios inteiros também pararam de funcionar.
Os moradores, que já protestavam contra a Braskem muito antes da situação vir à tona, em 2023, intensificaram as mobilizações. Os bairros foram pichados com frases contra a Braskem e, frequentemente, manifestações eram organizadas em frente à sede da mineradora.
Até que uma decisão judicial proibiu qualquer tipo de protesto em frente à sede da mineradora. O pedido veio dos magnatas da mineração e foi aceito pelo juiz José Afrânio dos Santos Oliveira. Quem descumprisse a ordem seria punido com uma multa diária no valor de R$ 5 mil e acusação de desobediência.
Novamente, a decisão questionável de Afrânio nunca foi levada a frente ou punida.
Novas vítimas prometem reação
A Área Revolucionária Renato Nathan é o novo alvo do juiz; os camponeses que vivem há mais de 15 anos nas terras, as vítimas.
Em comunicado, a LCP afirmou que não vai aceitar a destruição das casas e produções dos camponeses. A declaração também dá a entender que a mobilização contra a decisão de Afrânio, apoiada pelo governo do Estado, prefeitura e executada pela PM, já começou.
“Apesar de tudo, não conseguiram destruir toda a área, apenas causaram mais ódio no coração dos camponeses, que certamente saberão responder mais cedo do que tarde a esse ataque covarde”, diz a Liga.
“Pagarão caro pela crueldade, pela injustiça e pela inadimplência. Cada inimigo do povo citado acima terá, a seu tempo e a sua medida, a cobrança devida. ‘Voltaremos mais fortes e mais preparados’.”, conclui.