O Senado e a Câmara Federal, controlados pelo latifúndio e demais classes dominantes, derrubaram em 14 de dezembro o veto do atual governo de Luiz Inácio ao chamado marco temporal.
Segundo a tese criminosa dos latifundiários e agronegócio, as nações originárias/milenares brasileiras só têm direito à demarcação das terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data em que a atual Constituição foi promulgada. Este seria o marco de tempo, ou marco temporal, falsamente apontado existir na Carta Magna, pelos capitalistas do agro.
Para o Legislativo reacionário de nada valeu, além do veto do Executivo, também o fato de o Judiciário (Supremo Tribunal Federal/ STF) ter rejeitado o marco em setembro, apesar das inaceitáveis indenizações a fazendeiros ora esperadas.
A rejeição do STF ao marco, de qualquer maneira, refletiu uma luta intensa e constante dos povos indígenas, amplamente vitoriosos no caso. Muitas destas etnias, reunidas na APIB (Articulação dos Povos Indigenas do Brasil) decidiram voltar agora ao combate e conquistar em definitivo os direitos sobre seus territórios. Independente de qualquer marco de tempo.
As “traições”
Não somente os considerados “direitistas da oposição” derrubaram o veto de Luiz Inácio. No Senado, 6 dos 8 parlamentares tidos como aliados do Planalto votaram contra o governo. E na Câmara, 8 dos 18 vice-líderes governistas, idem.
Porém o caso mais escandaloso foi o voto anti-governo de um ministro da própria equipe de Luiz Inácio. Tratou-se de Carlos Fávaro, da Agricultura. Senador licenciado do PSD-MT, é um latifundiário defensor do agronegócio e contrário aos povos indígenas e camponeses pobres.
Até o momento nenhum dos parlamentares foi punido pelo Planalto.
Um dossiê como um soco
Por essas e outras é que duras críticas foram apresentadas dias atrás, 19 de dezembro, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Quase um dossiê o documento, agindo como um soco, se denomina “Política indigenista do governo Lula em 2023: de onde vem e para onde vai -Uma análise da conjuntura indigenista em 2023”. É assinado por Ivan C. Cima e Roberto Liebgott, do Cimi Regional Sul.
“(As idosas guaranis mortas em 2023) Damiana e Laurinda representam a resistência de uma vida inteira nas margens, sempre brutalizadas pelos invasores e seus capangas. Estes nunca deixaram de ser agraciados pelos governantes, através de bilionários Planos Safra liberados todos os anos – seja pelos social-democratas, pelos ‘sem medo de ser feliz’, pelos populistas extremistas e agora, de novo, pelos ditos progressistas” – diz o texto, a seguir resumido, em sua introdução.
No início, alívio e esperança
“Dito isso, passamos a analisar a conjuntura a partir da eleição do presidente Lula, em que os povos indígenas sentiram-se aliviados, pois se consolidaria o rompimento com a perspectiva genocida de Bolsonaro” – prossegue o documento.
“Antes da posse (1º de janeiro) os movimentos indígena, indigenista e outros setores da sociedade se alimentaram do sentimento de esperança. Isso ocorreu em função de discursos e anúncios de propostas, os quais indicavam que se entraria num período onde os direitos fundamentais à terra e a políticas públicas diferenciadas seriam incorporados e assumidos como prioritários no novo governo”.
Surge a expectativa
“O presidente Lula prometeu e criou o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), nomeando Sonia Guajajara como ministra. Para o órgão indigenista, que passou a se chamar Fund. Nacional dos Povos Indígenas (Funai), escolheu a ex-deputada Joênia Wapichana. E, para a Sec.de Saúde Indígena (Sesai) também escolheu um indígena, Ricardo Weibe, do povo Tapeba, do Ceará”.
“A partir desse ambiente, os povos, país afora, deixaram a esperança de lado e passaram a criar expectativas quanto à necessidade de um plano de ação a partir do qual se demarcasse as terras e se executasse políticas públicas voltadas para a segurança das vidas nas aldeias, ou fora delas, com assistência em saúde e educação e o combate à fome, à violência e às invasões territoriais.”
Problemas não retrocederam
“Passadas as expectativas e a falta de implementação de um plano de ação, os povos indígenas perceberam, no dia a dia, que seus problemas não retrocederam”.
“A demora nas escolhas dos coordenadores da Funai contribuiu para atrasos em demandas mínimas das comunidades. Além disso, tanto o MPI como a Funai sofrem com a falta de orçamento para políticas assistenciais, bem como para demarcações e proteção dos territórios”.
“(Nestes) as violências e as invasões não recuaram. Isso se evidenciou em Roraima, com a invasão de garimpeiros entre os Yanomami e no Pará, no território Munduruku. Apesar de todo o empenho inicial, a situação do povo Yanomami permanece sem grandes modificações: garimpeiros voltaram a adentrar a terra com seus maquinários, devido à falta de vigilância do território. O governo federal não deu conta das demandas, pois foi inserido num ambiente de contradições, já que as próprias Forças Armadas, através da Aeronáutica e do Exército, manifestaram contrariedade e não adotaram, como deveriam, as ações de proteção, assistência e combate às invasões no território Yanomami.”