Agentes da Polícia Civil realizam prisões e busca e apreensão em operação baseada em mentiras. Foto: Reprodução
A Liga dos Camponeses Pobres (LCP) de Rondônia e Amazônia Ocidental lançou uma declaração denunciando a criminalização da luta pela terra e exigindo a liberdade para os camponeses presos em Rondônia, acusados de integrar uma “organização criminosa”. Em 17 e 23 de novembro dezenas de camponeses e apoiadores foram presos pelas Polícias Militar e Civil do estado. A LCP aponta que as ações são parte do plano de “preparar uma guerra de grande dimensões contra os camponeses em luta pela democratização da posse da terra, principalmente na Amazônia” e indicam que a luta pela terra prosseguirá.
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Prisões, apreensões e buscas
Afirmando combater uma “organização criminosa”, a Polícia Civil prendeu dezenas de pessoas, invadiu e revirou a casa de outras tantas no dia 23/11. A LCP aponta que se tratou de “mais um capítulo de repressão à luta camponesa pela terra”, ação que busca tachar como criminosos os camponeses que se organizam para buscar um pedaço de terra para viver e trabalhar.
A LCP de Rondônia e Amazônia Ocidental aponta que os latifundiários e o velho Estado fazem de tudo para criar uma opinião pública favorável à repressão e criminalização do movimento, abrindo caminho para assassinatos de dirigentes e apoiadores da luta pela terra, além de preparar novas prisões. A chamada “Operação Canaã” – apresentada, segundo a nota, “com muito estardalhaço e sem mostrar nenhuma prova concreta de crime” – prendeu sobretudo camponeses em luta pela terra, além de apoiadores e realizou busca e apreensão uma advogada popular.
A LCP aponta que dois presos “muito conhecidos dos camponeses na luta pela terra” foram acusados de pertencer à organização como se fosse “o maior dos crimes”. A qualificação de militantes de “posição superior” são acusações mentirosas vindas de quem são “acostumados a ser paus mandados, estrategistas de massacres de gente pobre desarmada”, afirma a nota.
Sobre um destes camponeses, o companheiro Rubens, a nota afirma que se trata de um “trabalhador honrado” que conquistou um lote em Corumbiara, na Área Renato Nathan, na fazenda Santa Elina. Por ser um lutador camponês pelo direito à terra, justiça e Nova Democracia conquistou simpatia de muitos camponeses, e agora é novamente vítima de perseguição política. A nota afirma que atualmente Rubens trabalha como motorista da Associação de Advogados do Povo (Abrapo) e que já havia sido preso injustamente.
‘O crime cometido foi ousar lutar por terra pra quem nela trabalha’
A LCP afirma que para o velho Estado brasileiro de grandes burgueses e latifundiários é inadmissível que um brasileiro apoie e participe da luta dos camponeses por um pedaço de terra para viver e trabalhar. A nota aponta que essa luta camponesa “choca frontalmente contra o secular latifúndio e todo o atual sistema de exploração”.
Também afirma que embora no discurso o velho Estado diga “combater bandidos e criminosos”, a reação em verdade elegeu como “inimigo número um” a LCP, juntamente com os camponeses que lutam combativamente pelo direito à terra e todos seus apoiadores. A LCP aponta que foi apresentado como prova da existência da “organização criminosa” o fato de pessoas ou grupos “possuírem regras e disciplina e dividirem entre si tarefas”. E denunciam que: “Podemos deduzir então que a polícia a partir de agora vai fechar todos sindicatos, associações de bairro, grêmios estudantis ou esportivos”.
Advogada sofre abuso policial durante operação
Lenir Correia foi um dos alvos do que os camponeses caracterizam como “devassa policial”. A nota dá detalhes de como ocorreu sua busca e apreensão, e como se deu o grave ataque não somente à liberdade de atuação jurídica, mas também ataque ao direito de defesa dos camponeses em luta: “De forma truculenta e abusiva, policiais levaram todos os materiais de trabalho, como celulares e notebook, materiais de suas pesquisa de mestrado, agendas, inclusive com informações sigilosas de todos seus clientes”, aponta inicialmente a nota.
Apesar de os policiais exibiram como suposta prova do crime de “comércio ilegal de terra” uma quantia de dinheiro, a nota afirma que os policiais “não falaram que na casa da advogada [eles] encontraram também contratos de honorários que justificam seus ganhos como declarou a advogada”. E denuncia que se isso for usado como prova de crime, na verdade quem deveria ser preso seriam os próprios policiais, além de “politiqueiros de várias ordens”.
Lenir também está sendo apontada como liderança de uma “organização criminosa” (em referência à LCP). A falsa incriminação é feita, aponta a nota, pelo fato de que Lenir atua de maneira séria e dedicada em processos jurídicos, além de ser apoiadora da luta camponesa e membra da Associação Brasileira de Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo), além do fato de que tem atuado na defesa de camponeses em diferentes localidades (como na Área Tiago Campin dos Santos). A LCP lembra que “por esse trabalho, a Dra. Lenir tem sido constantemente perseguida e ameaçada, inclusive de morte, como já denunciado inúmeras vezes”. Apontando também que a atual ação claramente se trata “de uma retaliação criminosa movida por órgãos do velho Estado e o governo de Rondônia”.
Certificado de Posse distribuído pela Assembleia Popular é usado como prova criminal
A LCP menciona também que a “Operação Canaã” chegou ao cúmulo de exibir certificados distribuídos pela Assembleia Popular da Área Enilson Ribeiro, em Seringueiras, como se fossem provas dos crimes de estelionato e de fraude. Sobre isso, a nota aponta: “Pois bem, esta aí uma prova de que só a Revolução Agrária entrega terra aos pobres do campo”, e logo em seguida crava: “Se dependessem do velho Estado essas famílias do Enilson Ribeiro estariam até hoje em baixo de lona, ou jogadas na miséria nas cidades”.
O movimento também afirma que as centenas de famílias já conquistaram seu pedaço de terra e vivem com dignidade em uma terra que antes estava na mão de “um parasita, ladrão de terra da União, que por décadas havia se adonado de milhares de hectares” (em referência ao latifundiário Augusto Tulha).
A LCP explica também que há uma diferença clara entre os significados de “posse” e “propriedade”. Significados estes que aqueles “ignorantes graduados em direito, a maioria dos oficiais das forças policiais e uma corja de juízes e juízas, muitos turbinados por propinas do latifúndio” desconhecem. A LCP conclui, sobre o assunto, afirmando que “esse ‘crime’ de lutar pela conquista da terra a quem nela trabalha, confessamos, e a LCP junto com as massas camponesas estão cada dia mais organizados!”.
Assassinato de latifundiário é usado como desculpa para prender 30 camponeses
No dia 17/11, a polícia agiu de maneira covarde e arbitrária para prender ilegalmente mais de 30 camponeses, entre eles mulheres e crianças, na Área Escurão, no Lote 32 da gleba de Corumbiara, em Pimenta Bueno, RO. As dezenas de camponeses foram injustamente acusadas de maneira totalmente arbitrária e sem qualquer fundamento em fatos de terem assassinado um latifundiário juntamente com a LCP. Na ocasião, motivados por essa mentira descarada, os policiais destruíram casas e barracas, além de roubarem os pertences pessoais dos camponeses, como motosserras, e espancarem os moradores.
O fato inicial apresentado pelos policiais para adentrarem a área foi a alegação de que precisavam averiguar a morte de um morador da Área. Porém, o próprio autor do crime já havia se entregado logo após o fato a uma viatura policial que passava no local, não guardando ele qualquer relação com crime envolvendo outros moradores e nem a organização camponesa. Sem ter como prosseguir com a invasão, os agentes então alardearam que no local foram encontradas as armas de Heládio Cândido Senn, o “Nego Zen”. E em seguida acusaram a esmo dezenas de acampados de estarem envolvidos na morte do latifundiário.
“Nego Zen” morreu em 13 de outubro e é apontado pelos camponeses de Rondônia como um colecionador de inimigos. A nota da LCP aponta que seus inimigos “vão além dos camponeses contra os quais ele sequestrou, torturou, agrediu, humilhou, grilou terra, montou grupos de pistoleiros”. A nota também aponta que “Nego Zen” tinha desafetos entre outros latifundiários por conta de grilagem de terra e roubos de terra e gado.
A repercussão da morte do ladrão de terras e inimigo do povo camponês trabalhador foi tanta que por todo o estado de Rondônia correm comentários de que as testemunhas da morte de “Nego Zen” relataram que os autores eram sócios conhecidos dele de uma série de negócios criminosos (como tráfico de diamantes). A nota diz que tais comentários apontam que esses sócios do “Nego Zen” teriam “chegado na sede da fazenda e conversado normalmente antes de cometerem os atos que culminaram na sua morte”. E também “comenta–se que o motivo teria sido um desacerto na divisão dos ganhos de um garimpo”.
A LCP caracteriza a prisão dos 30 camponeses como ilegal, “por não apontar indícios do suposto envolvimento individual de cada um dos 30 trabalhadores”. E conclui que “o único e real motivo para a prisão é o fato de estarem em uma área camponesa apoiada pela LCP”.
Quatro policiais que trabalham como pistoleiros são soltos
No mesmo 17/11, dia do ataque à Área Escurão, foram soltos quatro policiais militares que reconhecidamente atuavam como pistoleiros do latifundiário Antônio Borges Afonso, o “Toninho Miséria”, que se diz dono da fazenda Nossa senhora da Aparecida. A terra é a última parte da antiga fazenda Santa Elina e foi tomada pelos camponeses em agosto de 2020, na Área Manoel Ribeiro.
Denúncias comprovadas da Defensoria Pública de Vilhena apontam que os policiais recebiam R$ 900 para realizar o serviço de pistoleiros. A LCP aponta que apesar de ser “um crime tão descarado que obrigou a acatar a denúncia e decretar a prisão em março de 2021”, ela foi revogada em Porto Velho pelo juiz da 1ª Vara da Auditoria Militar Carlos Augusto Teles de Medeiros. A LCP aponta que a medida “revogou a prisão dos quatro PM’s pistoleiros que estão inclusive liberados para voltar ao ‘trabalho’”.
Seguem presos os jovens do Manoel Ribeiro
A LCP denuncia que “mesmo sem nenhum motivo legal para manter a prisão”, os quatro jovens acampados do Manoel Ribeiro (Ezequiel, Luis Carlos, Estéfane e Ricardo) continuam presos desde o dia 14 de maio. “Acusados, sem provas, de terem emboscado e atirado em PM’s, mesmo havendo filmagens das viaturas e drones policiais provando justamente o contrário”, denuncia a nota.
A nota prossegue afirmando o seguinte: “Enquanto vão acumulando assassinatos e prisões de camponeses e lutadores, as forças policiais gozam de plena impunidade para seguir cometendo crimes contra o povo. Dois pesos e duas medidas!”. Concluindo sobre o assunto, a LCP afirma que estes novos fatos “comprovam, uma vez mais, a verdade, que esse velho Estado está a serviço do latifúndio e contra o povo pobre, principalmente aqueles que se levantam contra as injustiças e na defesa de seus direitos”.
‘Nos atacam porque temem as massas na luta e resistência!’
A LCP aponta que os recentes ataques reforçam tudo o que já vinham defendendo e colocando como tendências há anos:
1) “Cada vez fica mais claro para toda a sociedade o papel nefasto do velho Estado, de fiel defensor do latifúndio, incapaz de aplicar até a “reforma” agrária falida e só lhe resta o vergonhoso e criminoso papel de servir de guaxebas do latifúndio ladrão de terras públicas.”
2) “Que longe de representar força, todos estes ataques revelam o desespero e pavor que a reação tem ante a luta camponesa.”
3) “Que nossa luta pela democratização do acesso à terra ameaça e golpeia os indecentes privilégios dos poderosos e endinheirados que se nutrem deste putrefato sistema de exploração e opressão secular de nosso país.”
4) “Que a luta pela Revolução Agrária é cheia de sacrifícios, mas só ela garante terra aos pobres do campo.”
5) “Que a luta será prolongada e por mais que demore, vamos triunfar!”
‘O sangue derramado não afoga a revolução, senão que a rega!’
Concluindo a nota, a LCP afirma que “com toda certeza [os reacionários] fracassarão completamente!”. E fundamenta: “Os assassinatos, torturas, prisões, ameaças e demais medidas de criminalização não vão parar a luta pela terra, só a atiçam mais! Onde há opressão, há resistência! O sangue de nossos companheiros derramado pela repressão assassina não afoga a revolução, senão que a rega!”.
A LCP faz em referência a todas as ações contra a luta camponesa pelo direito à terra: tanto as praticadas pelo governador de Rondônia (Marcos Rocha, “marionete de latifundiários”) – com as polícias militar e civil (chefiadas por Hélio Pachá, “o carniceiro de Santa Elina”) – como também as que ações movidas e apoiadas pelo governo de Bolsonaro e generais – com a Força Nacional (que apoiou a famigerada “Operação Nova Mutum”) e Forças Armadas reacionárias (que preparam uma guerra de grandes dimensões contra os camponeses da Amazônia).