O presidente da França, Emmanuel Macron, cercado por militares libaneses em sua visita a Beirute. Foto: CNN
Após a enorme explosão no porto de Beirute, capital do Líbano, no dia 4 de agosto, que causou uma destruição colossal em um raio de mais de 10 quilômetros, matando pelo menos 135 pessoas e ferindo mais de 5 mil, um estado de emergência de duas semanas foi declarado, e o controle sobre a cidade entregue às Forças Armadas Libanesas (LAF, na sigla em inglês).
A explosão, que até agora não teve as causas esclarecidas, incitou o sentimento de solidariedade ao povo e nação libaneses em todo o mundo. No entanto, em certos casos, a aparência de bom-mocismo mascara, na realidade, a sanha imperialista que vê na vulnerabilidade do país uma oportunidade.
De prontidão, após tamanho terror que deixou mais de 300 mil pessoas desabrigadas até o momento em Beirute, a França, o Estados Unidos (USA), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Central e a “Organização das Nações Unidas” (ONU) apressaram-se para impor como urgentes ao país reformas projetadas nos seus moldes, buscando afastar o Líbano do Irã e da Síria e isolar o Hezbollah e qualquer grupo que atue na defesa do país contra as agressões israelenses e ianques.
VISITA DE MACRON É PRENÚNCIO DE INTERVENÇÕES NO LÍBANO
No dia seguinte à explosão, com o Líbano ainda em luto e atordoado com os acontecimentos, o representante do imperialismo francês, Emmanuel Macron, viajou para o país travestindo-se de bom samaritano para advogar pelos interesses que representa. Logo que chegou, declarou que, além de remédios e suprimentos, “o que também é necessário aqui é uma mudança política”, e que “essa explosão deve ser o início de uma nova era”. Ele também disse à imprensa que realizará nos próximos dias uma conferência internacional de “ajuda” ao Líbano.
Enquanto isso, nas poucas horas que passou no país, Macron proferiu múltiplos ataques e ameaças à soberania nacional libanesa e descaradas chantagens políticas de cunho colonialista. Destarte, ele assegurou auxílio financeiro ao país, sob a condição de que não fosse “entregue nas mãos de corruptos”, deslegitimando qualquer forma de instituição política do Líbano que não sujeita a sua dominação.
Além disso, o imperialista francês enfatizou repetidas vezes que não reconhece qualquer esforço do governo de investigar o ocorrido, exigindo que seja feita uma investigação “independente”, em tribunais internacionais.
Ao instar que o Líbano deverá ser condicionado a um “pacto de mudanças” e passar por reformas de austeridade nos setores elétrico, bancário e aduaneiro seguindo “uma estrutura internacional”, ou seja, seguindo as exigências imperialistas em troca de tal “ajuda”, ele frisou que o Banco Mundial e a ONU desempenhariam um papel central na implementação dessas reformas. Separadamente, o representante do imperialismo francês enfatizou que, dentre essas referidas mudanças, estaria a auditoria do Banco Central libanês.
Em outro comentário infame, Macron afirmou que em pouco tempo o Líbano começará a sofrer com a escassez de comida e combustível e que “isso será culpa de quem se recusar a agir hoje”, em tom de ameaça aos que não se alinharem às suas chantagens. No entanto, ele convenientemente se abstém de mencionar as sanções lançadas pelo imperialismo ianque que ajudaram a asfixiar a economia do Líbano, impediram o suprimento de petróleo do Irã para o país e reprimiram suas relações com a nação vizinha, a Síria.
Apesar de afirmar que se encontraria com “todos os atores políticos” para discutir a situação do país, Macron deliberadamente excluiu pessoas ligadas ao Hezbollah. Em uma coletiva de imprensa realizada no Palácio Pine, por exemplo, a repórter Mona Tahini, do Al-Manar (canal televisivo favorável ao Hezbollah), foi impedida de fazer uma pergunta ao presidente francês. Embora a desculpa dada tenha sido de que Macron não tinha tempo para responder sua pergunta, a jornalista gravou um vídeo em que mostra o francês conversando e tirando fotos com jornalistas que o apoiam.
Assim que chegou, Macron fez uma “visita” ao local da explosão, em que, cercado de pessoas a favor da intervenção imperialista no país, recebeu gritos clamando a retomada da submissão nacional ao colonialismo francês. Em 1922, o Líbano foi colocado sob mandato francês e, durante a Segunda Guerra Mundial, foi ocupado por forças francesas apoiadas pelo imperialismo inglês. A isso, Macron respondeu que tem esperança em “mudanças” no Líbano, baseada na “raiva dos jovens e das ruas”.
O CUSTO DA ‘AJUDA’ INTERNACIONAL
O general Frank McKenzie, porta-voz do Comando Central (Centcom) do USA, responsável por todas as operações do imperialismo ianque na região do Oriente Médio Ampliado, afirmou que o Exército ianque está pronto para prestar assistência aos libaneses, em uma “parceria” entre a Agência do USA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o Exército libanês e a Embaixada ianque no Líbano.
Posteriormente, a Embaixada ianque em Beirute confirmou, no dia 7/08, que o USA enviaria um total de 15 milhões de dólares em suprimentos alimentícios e médicos.
Há muitos anos o imperialismo ianque vem financiando deliberadamente o Exército libanês para servir como um “baluarte crítico” contra o Hezbollah. Em dezembro de 2019, por exemplo, o USA enviou mais de 105 milhões de dólares em assistência militar ao Líbano, mas desde o ano de 2006 já foram fornecidos mais de 1,7 bilhão de dólares às LAF, segundo o monopólio de imprensa The Washington Post. Esses fundos equiparam as LAF com aeronaves, artilharia, armamento e munição ianques, além de treinamento e “apoio consultivo” militares.
O projeto de lei de dotações fiscais do USA para o ano de 2020, sancionado pelo arquirreacionário presidente Donald Trump, reiterou que o financiamento ianque às LAF visa a “profissionalizar as LAF para mitigar ameaças internas e externas de atores não estatais, incluindo o Hezbollah”, e que esperava que as LAF usassem o dinheiro para “interditar o envio de armas e prevenir o uso do Líbano como um porto seguro para grupos terroristas”.
Já o FMI instou o governo libanês a adotar as reformas que ele próprio vinha propondo para a atual administração do velho Estado libanês desde o mês de maio, em negociações sobre a crise no Líbano, que já data de anos. Após a explosão do porto de Beirute, o FMI declarou que “é essencial superar o impasse nas discussões sobre reformas críticas”.
Como já colocava Thomas Sankara, líder do movimento de Resistência Nacional da colônia francesa de Alto Volta (depois, como nação independente, Burkina Faso), sobre a questão da “ajuda” imperialista: tais “políticas de ajuda e assistência apenas nos levaram a ficar completamente desorganizados, a escravizar-nos, a fugir de nossa responsabilidade em nossas áreas econômicas, políticas e culturais. Optamos por buscar formas de organização que melhor se adaptem à nossa civilização, rejeitando abruptamente, e de uma vez por todas, todos os tipos de imposições externas”, em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em 1984.
O LÍBANO DEVE RESPONDER SEUS PRÓPRIOS PROBLEMAS
O Líbano já vive uma crise econômica e política profunda, com o desemprego atingindo a porcentagem de 25% da população, atirada à miséria e fome, enquanto os serviços básicos de atendimento ao povo eram sucateados e “privatizados”: a empresa local do setor energético, a Electricité du Liban, e o próprio Porto de Beirute sofreram sucessivos cortes de verbas, e o acesso à água potável e à saúde pública já eram precários para a maioria do povo.
No final de 2019, a situação atingiu um nível ainda superior de criticidade, quando revelou-se que o banco central do país administrava um “esquema Ponzi” (tipo de esquema de pirâmide financeiro), em que pegava dinheiro emprestado dos bancos a taxas de juros maiores que as do mercado para pagar as dívidas do velho Estado. Em outubro, uma escassez de moeda estrangeira levou a libra libanesa a perder valor em relação ao dólar, chegando ao ponto dos importadores de trigo e combustível exigirem pagamento em dólares.
O país foi, então, tomado por manifestações de milhares de massas libanesas. que levaram à renúncia do então primeiro-ministro, Saad Hariri, que contava com o apoio do imperialismo ianque e francês, tendo inclusive se mudado com a sua família para Paris a pedido de Macron, após sua renúncia.
Seu pai, Rafik Hariri, um magnata libanês e, por duas vezes, primeiro-ministro do país, teve um papel central na política de precarização da vida e dos serviços básicos desde a década de 1990. Os problemas do Líbano, enquanto parte de um sistema de opressão e exploração falido e que datam já desde sua época de colônia francesa, devem ser resolvidos pelo próprio povo libanês, e não seguindo imposições imperialistas desconectadas da realidade nacional.
Saad Hariri, ex-primeiro-ministro do Líbano, apertando as mãos de seu apoiador, o presidente da França Emmanuel Macron, em 2017. Foto: Ludovic Marin / AFP