Luiz Inácio tenta frear ‘Abril Vermelho’ com entrega de migalhas

O valor anunciado para aquisição de alimentos da agricultura familiar e para o Fundo de Terras da Reforma Agrária (R$ 750 milhões) é R$ 3,4 bilhões a menos que o Plano Safra, programa de crédito fácil destinado principalmente ao latifúndio. 
Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress

Luiz Inácio tenta frear ‘Abril Vermelho’ com entrega de migalhas

O valor anunciado para aquisição de alimentos da agricultura familiar e para o Fundo de Terras da Reforma Agrária (R$ 750 milhões) é R$ 3,4 bilhões a menos que o Plano Safra, programa de crédito fácil destinado principalmente ao latifúndio. 

Em duas ocasiões este mês, o presidente Luiz Inácio (PT) fez acenos ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como uma forma de tentar frear o “Abril Vermelho”, período em que o movimento camponês faz uma jornada de tomadas de terras para pressionar o governo de turno. 

No dia 7 de março, Luiz Inácio foi ao acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG), para anunciar a desapropriação de lotes para 800 famílias. Quatro dias depois, o mandatário prometeu destinar uma parte do orçamento para a aquisição de alimentos da agricultura familiar e para o Fundo de Terras da Reforma Agrária. O valor anunciado, de R$ 750 milhões, é R$ 3,4 bilhões a menos que a parcela do Plano Safra liberada no final de fevereiro. O valor total do programa destinado ao latifúndio para os anos de 2024-2025 é de R$ 400,59 bilhões. 

Uma das terras desapropriadas é a da fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco, onde, em 24 de maio de 2017, policiais militares assassinaram 10 camponeses em um episódio que ficou conhecido como a Chacina de Pau D’Arco. O AND cobriu os desdobramentos do acontecimento macabro no documentário Terra e Sangue. Até hoje, nenhum dos 16 PMs foi condenado – e todos eles aguardam o julgamento em liberdade. Os mandantes sequer foram tocados pelas investigações. 

O movimento de Luiz Inácio é visto como uma tentativa de contornar a queda abrupta de popularidade registrada desde fevereiro. Ao mesmo tempo, a entrega de terras em meio ao “Abril Vermelho” pode servir como um esforço para reduzir as ocupações feitas pelo MST no período e, assim, diminuir os atritos com os latifundiários. 

Ocupações em andamento 

O MST fez, no início de março, ocupações na Bahia, Espírito Santo, Ceará, Paraná e Rio de Janeiro. As ocupações ocorreram centralmente em terras improdutivas, com exceção da ocupação de uma área da empresa Suzano no ES. O movimento também publicou uma nota na qual critica o governo Luiz Inácio ao dizer que “já estamos no terceiro mês do terceiro ano de mandato, chamado pelo próprio presidente Lula, como ‘o ano da colheita’. É necessário avançarmos nas desapropriações, e não é possível fazer desapropriações de terra se não houver orçamento ampliado” e que o dinheiro destinado à reforma agrária pelo governo de Luiz Inácio é “pífio”. 

Essa não foi a primeira crítica do MST ao governo. No final do ano passado, o dirigente do movimento, João Pedro Stédile, disse que “estamos putos da cara com a incompetência do governo” e que a nota do governo para a questão agrária era 3. Na época, o AND analisou como o pronunciamento de Stédile, em meio ao avanço da Revolução Agrária no País, condensada na época sobretudo nos enfrentamentos armados entre camponeses e paramilitares do “Invasão Zero”, em Jaqueira, Pernambuco, expressava o medo das lideranças oportunistas com a radicalização da luta pela terra.

Governo pró-latifúndio 

Apesar dos acenos para tentar melhorar a imagem, a prática do governo ainda denota um comprometimento com o latifúndio de novo tipo (“agronegócio”). As desapropriações foram descritas até pelo MST como “ muito aquém da demanda represada pela Reforma Agrária”. 

Além disso, o governo permanece inerte frente aos crimes do latifúndio por todo o País. O ano de 2023 registrou 2.203 conflitos, um auge desde 1985, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Com 31 assassinatos no total, os conflitos foram majoritariamente por terra (71,8%). Eles concentraram 264 “ataques de pistolagem”, 37 episódios de “expulsão de famílias da terra” e 101 de “destruição de pertences”. Além disso, a CPT verificou 359 ocorrências de “invasões às terras” dos camponeses, 37 “destruições de casa” e 66 de “roçados”.

Já os primeiros seis meses de 2024 registraram 1.056 conflitos agrários – 872 por terra, 125 por água e 59 casos de trabalho servil (“análogos à escravidão”), segundo um relatório parcial da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os números fazem desse período o 2° semestre com mais conflitos desde 2015. 

Tudo indica que o presente ano vai seguir o mesmo caminho. Na virada do ano, indigenas Avá-Guarani do PR foram atacados por latifundiários durante 6 dias. Os latifundiários, organizados em grupos armados de extrema-direita, incendiaram casas e plantações e balearam 4 indígenas, dentre eles uma criança de 7 anos e outra de 14. 

No Norte do País, a região Amacro desponta como um epicentro de conflitos. Em menos de um mês, dois camponeses foram assassinados na região: Francisco Nascimento de Melo, executado no dia 14/1 por tentar defender o filho que estava sendo agredido por um latifundiário, e José Jacó Cosotle, encontrado morto com um tiro no queixo no dia 29/1. Na mesma região, 35 famílias da Comunidade Dorothy denunciaram em janeiro que estão sendo constantemente ameaçadas por pistoleiros sem que haja punição.

No Nordeste, 135 famílias foram despejadas da ocupação Marielle Franco após uma ordem da 5ª Vara Cível da Comarca de Teresina. Segundo o Comitê de Solidariedade à Luta pela Terra (COMSOLUTE), o despejo foi executado por policiais militares, cavalaria, tropa de choque, todos enviados pelo governador Rafael Fonteneles (PT) e 20 pistoleiros e atendeu interesses dos latifundiários locais. “Este ato evidencia, mais uma vez, a aliança entre o poder judiciário, forças policiais e interesses privados em detrimento dos direitos do povo”, disse o COMSOLUTE.

Revolução Agrária avança

Em meio a esse cenário de terror latifundiário e conivência do governo de turno com os latifundiários, movimentos como a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) têm defendido que os camponeses elevem sua luta e autodefesa como parte do avanço da Revolução Agrária no País. 

Em Barro Branco, onde os camponeses expulsaram os paramilitares do “Invasão Zero” no ano passado, a autodefesa ativa dos camponeses voltou a repelir bandos reacionários no início de março. 

Dias depois, os camponeses realizaram por conta própria o georreferenciamento de posses antigas e cacimbas de água em Barro Branco. “Tal medida visa avançar a regularização fundiária das posses dos camponeses, consolidadas há décadas, além da proteção de suas fontes de água, haja visto o histórico de crimes envolvendo envenenamento dessas fontes pelo uso de agrotóxicos”, escreveram os camponeses em uma nota emitida na página Comitê de Apoio aos Posseiros de Barro Branco, no Instagram.

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