Uma notícia se torna verdade a partir do momento em que veículos com larga credibilidade passam a disseminar a mesma informação, ainda que os fatos não tenham acontecido na realidade. Frequentemente, eventos são ocultados, alterados, por vezes até inventados a fim de favorecer uma narrativa, em que existem os mocinhos e os vilões. A narrativa de quem paga os grandes veículos.
No Maranhão, o Governo do Estado e a Secretaria de Segurança Pública trabalham em conjunto para abafar grande parte dos casos de violência policial que acontecem no campo, à medida que estes assumem o papel de milícias a serviço do latifúndio. Quando isso não é possível, a narrativa heroica em torno dos crimes da polícia ganha força na mídia.
O caso mais contundente, que exemplifica tal realidade, aconteceu em 29 de novembro do ano passado, durante uma manifestação no povoado Vilela, em Junco do Maranhão, comunidade que vem sendo um dos principais alvos da grilagem de terras perpetrada pela Família Finger, desde 2008, como demonstrado na primeira parte dessa reportagem.
Na ocasião, os camponeses realizavam um protesto bloqueando uma rodovia, no momento em que um homem não identificado, proferindo ameaças, sacou uma arma e atirou em um dos moradores do Vilela. O tiro acerta a palma da mão de Manoel Messias Lopes dos Santos, conhecido como Manelinho, e raspa em seu ombro. O indivíduo ainda tentou desferir mais tiros contra os manifestantes, mirando no peito de mais de um deles, mas a sua arma falhou. Nesse momento, os demais que estavam no protesto conseguiram tirar o indivíduo da moto e o imobilizaram. Ao olharem os documentos do elemento, descobriram tratar-se de um policial militar conhecido como Cabo Filho.
Como já denunciado anteriormente por AND, a mobilização da polícia militar para disseminar o terror na comunidade, por meio da pistolagem, foi um dos crimes mais recorrentes de Nestor Osvaldo Finger.
Por falta de atendimento médico adequado, que foi impossibilitado pela perseguição e ameaças policiais, Manoel Messias Lopes perdeu o dedo médio de sua mão, tendo a sua vida e o seu trabalho completamente prejudicados por uma lesão irreversível. O Cabo Filho, que levou um golpe com um objeto cortante na costela com reação de defesa, foi levado para a capital São Luís de helicóptero, recebeu o melhor tratamento médico possível e ganhou status de herói na corporação militar. Alterar para: O Cabo Filho, que, supostamente, teve um corte na costela quando foi lançado ao chão pelos que tentavam imobilizá-lo – para que não cometesse uma chacina – foi levado para a capital São Luís de helicóptero, recebeu o melhor tratamento médico possível e ganhou status de herói na corporação militar.
A partir do ocorrido, uma narrativa foi montada pela Secretaria de Segurança Pública, como uma campanha para defender as ações do policial. Ainda no mesmo dia, com informações diretas da própria secretaria, os fatos foram invertidos e saiu que, durante a manifestação, um policial havia sido atacado, esfaqueado e torturado por manifestantes do Povoado Vilela, após ter pedido passagem. Os acontecimentos foram aumentados e a abordagem do agente atirando no morador foi ocultada com intuito de criminalizar a comunidade. Em todos os veículos locais, estaduais e nacionais, a versão dos fatos passada pela SSP/MA foi divulgada.
No portal do UOL, afirmaram que não houve qualquer manifestante ferido; na reportagem estadual da Record mostraram a mão do trabalhador rural como sendo a do policial militar. E no G1, pertencente ao monopólio Mirante, não citam como foi a abordagem do então pistoleiro com os moradores.
Na capital, a história era reforçada por meio das redes sociais do governador Carlos Brandão, com uma postagem que mostrava reunião deste, naquela mesma manhã (29/11/23), com o Secretário de Segurança Pública Maurício Ribeiro Martins e os comandantes dos órgãos de segurança estaduais. Era um pronunciamento sobre a ocorrência em Junco do Maranhão, prometendo tratamento rigoroso para os que haviam agredido o policial Cabo Filho.
Outro caso envolvendo a comunidade Vilela aconteceu no início de 2024, em que dois pistoleiros desapareceram durante a madrugada no povoado. Alterar para: Outro caso envolvendo a comunidade Vilela aconteceu no início de 2024, em que dois pistoleiros desapareceram durante a madrugada em uma estrada que liga quatro das comunidades camponesas que eles haviam sido contratados para ameaçar, atacar e matar. Logo descobriu-se que os dois jagunços, de nomes Antônio Wilson da Silva Santos e Ailson da Paixão Torres eram, também, guardas municipais de Cândido Mendes, o mesmo município de atuação que o de Cabo Filho, policial que efetuou disparos contra os moradores da comunidade Vilela. “Coincidência” que, obviamente, deveria ser investigada, mas os órgãos competentes se recusam a fazê-lo. (esse trecho é acréscimo)
Nas notícias sobre o ocorrido não houve qualquer questionamento sobre o fato dos guardas prestarem serviços como pistoleiros. Muitas matérias jornalísticas apontavam o fato de que os dois jagunços teriam sido assassinados na área do conflito que motivou a manifestação em que um policial fora esfaqueado. Assim, a narrativa tecida pela SSP/MA, que buscava vincular o assassinato dos pistoleiros (guardas municipais) com o acontecimento da manifestação estava formada. Nenhuma investigação séria, o qual seria competência da Secretaria de Segurança Pública foi realizada para averiguar atividade de agentes da segurança pública na grilagem de terras, pelo contrário, apenas contribuiu para criar uma imagem da comunidade de Vilela como sendo um covil de criminosos.
Não por um acaso, no dia 07 de março de 2024, quando três pistoleiros foram presos – todos eles, vejam só, do município de Cândido Mendes – foram encontrados coletes balísticos e outros equipamentos de guardas municipais da região do conflito. Tal fato não gerou qualquer ação por parte da Secretaria de Segurança Pública ou do Ministério Público do Maranhão, a verdade é que todos consideram “normal” que guardas municipais e policiais militares exerçam o serviço de “vigilantes de fazendas” (termo usado para justificar a presença dos guardas municipais mortos enquanto atuavam como pistoleiros).
Quanto aos pistoleiros presos, todos estão soltos. Um foi absolvido; outros dois condenados a meros 1 ano e seis meses de prisão, pelos quais responderão em liberdade. Os mandantes dos crimes, a Família Finger e seus “sócios” (Carla Regina Storch, Kelly Finger, Dhiony Osvaldo Finger, Adilson Amadeu Secco e Claudemir Moreira) não foram investigados ou denunciados e, pelas informações obtidas pelo o AND, estão contratando novos capangas na região.