MA: Comunidade em Barra do Corda, sofre com perseguição judicial e homicídios após ser vítima de ‘milícia’ armada

Adonias e Pilica, mortos em circunstância suspeita, já sem vida na UPA de Barra do Corda. Foto: Comunidade São Francisco

MA: Comunidade em Barra do Corda, sofre com perseguição judicial e homicídios após ser vítima de ‘milícia’ armada

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No dia 11 de novembro de 2023, o sargento Almir, policial militar a serviço da grilagem, morreu próximo à comunidade São Francisco, na zona rural de Barra do Corda, quando a caminhonete que dirigia bateu em uma árvore e pegou fogo, pois a carroceria estava carregada de galões de gasolina que este e outros policiais e pistoleiros usavam para incendiar, naquele exato momento, segundo os camponeses, a casa de moradores.

Outros dois PMs ficaram feridos, entretanto, não vieram a óbito. Oficialmente, no total, eram dez policiais envolvidos numa incursão a serviço grileiros, sendo 7 policiais militares da ativa, dois da reserva e um policial penal, divididos em dois carros. Os sobreviventes foram presos em flagrante, devido a grande quantidade de armamento que transportavam, restando caracterizado o tipo penal de associação criminosa. 

A prisão dos malfeitores poderia fazer parecer que a justiça finalmente destinou sua clava ao alvo correto, entretanto, após a morte do miliciano Almir, foi desencadeada uma perseguição judicial contra os camponeses do povoado São Francisco, que agora são acusados do crime. Uma das testemunhas contra os camponeses é Gelcivam Souza Carneiro, conhecido como Gerson. Gerson acusa, de emboscada contra Almir, com base em boatos, os camponeses Antônio Fernandes da Silva, Adonias Fernandes da Silva, Antônio Joacir Fernandes da Silva, Chico Xexeu (morto há mais de 10 anos), Pilica, Chico Tiúba, Véi da Rosa e Véi Raimundo.

Além de acusar os camponeses com rumores, Gerson diz que enquanto perseguia uma vaca, coincidentemente passou próximo ao povoado São Francisco e viu alguns dos acusados armados, antes do homicídio. As alegações de Gerson, sem provas, ainda são mais incredíveis quando descobrimos que, segundo os moradores do Povoado São Francisco, ele é jagunço de Angelino Santiago Filho, também testemunha e, de acordo com os mesmos moradores, grileiro interessado nas terras do povoado São Francisco. O grileiro Angelino ainda recebeu o miliciano Almir no dia anterior ao assassinato, segundo ele mesmo, para passar a noite em sua casa.

Diante do que foi dito, fica claro que não há provas para acusar os camponeses pela emboscada dos pistoleiros, entretanto, achamos importante ressaltar que, ainda que houvesse provas concretas, estaríamos diante de uma situação de legítima defesa da posse, resguardada pelo Código Civil. Tal instituto é um direito garantido a qualquer pessoa que se encontre em uma situação de perigo iminente e necessita agir para proteger sua propriedade de fato. Esta legítima defesa permite a reação, inclusive violenta, para resguardar a posse e a vida. Ressalte-se que a comunidade São Francisco existe há 70 anos, mantendo ali a posse mansa e pacífica. Assim, em um cenário onde pistoleiros, fortemente armados, invadem terra alheia, deveríamos acreditar no perigo iminente dos posseiros ou que os pistoleiros simplesmente passeavam pelo local?

Tortura e morte de camponeses

Adonias e Pilica, camponeses acusados por Gerson, ainda foram mortos pela PM e Polícia Civil em circunstâncias estranhíssimas. A situação ocorreu, segundo os policiais, enquanto eles faziam diligências na área próxima ao do falecimento de Almir, com o fito de retirar a caminhonete que o Sargento pistoleiro dirigia e que se incendiou. Supostamente, segundo os policiais, Adonias e Pilica chegaram, numa moto Honda Bros, já atirando contra eles que, em legítima defesa, revidaram e mataram os dois. O relato parece pouco crível do ponto de vista da coerência de ações, na medida que estes mesmos camponeses assassinados foram acusados de armar uma emboscada contra pistoleiros fortemente armados, tática de quem compreende a inferioridade de forças. No entanto, nesta circunstância, relatada pelos PMs, se comportaram como o protagonista do filme Rambo. Cumpre acrescentar que, ainda hoje, o veículo não foi retirado do local, gerando o questionamento se realmente o objetivo da diligência era remover o carro dali.

Além disso, os camponeses do povoado São Francisco recusam a versão policial, afirmando que Pilica e Adonias retornavam do almoço, após trabalharem na terra, quando foram alvejados, na comunidade. Eles ainda relatam que os dois camponeses tinham sinais de tortura, várias perfurações de bala, crânio mole e ossos quebrados. Para reforçar as suspeitas de execução, o comandante do 5º batalhão da Polícia Militar de Barra do Corda, Major Wellington Pereira da Silva, em entrevista a uma rádio local, comemorou a morte dos camponeses e disse que esta era uma resposta à família de Almir, amigos e policiais militares. Para completar, o Major disse que eles tiraram dois de circulação e agora faltam sete.

Os outros sete camponeses, que a PM jurou vingança, têm, contra si, mandados de prisão e estão, supostamente, foragidos. Ou seja, os posseiros que foram vítimas de um ataque brutal de pistoleiros policiais militares e que viveram anos de ameaças, agora viraram “cabras marcados para morrer” de bala ou na prisão. É isso que o Estado do Maranhão, em todos os seus Poderes, tem para dar como resposta aos campesinos.

Major Wellington fala sobre a morte de Adonias e Pilica dizendo que dois haviam sido tirados de circulação e agora faltam sete Vídeo: Reprodução Rádio Alternativa

Grilagem contra a comunidade São Francisco

Terra grifada com listras diagonais brancas é a que está sendo alvo da grilagem contra à Comunidade São Francisco Imagem: SIGEF-INCRA. SNCR. FUNAI

A comunidade São Francisco vem sofrendo há anos com violência policial, ações de milícias e grilagem e a principal figura associada a isso, segundo os moradores, é Angelino Santiago Filho, que nos referimos anteriormente. Segundo o próprio Angelino, ele representa os interesses do dito dono da terra, Renato Benevides Gadelha. De acordo com os moradores do Povoado São Francisco, a família Gadelha adquiriu as terras da comunidade na década de 1970 e a abandonaram no ano de 2000, não pagando os trabalhadores do local. Duas famílias, que trabalhavam na fazenda, permaneceram residindo ali. Com o passar do tempo, outros posseiros ingressaram na área, cultivando e vivendo nas terras do que hoje é conhecido como o Povoado São Francisco.

A situação fundiária do Maranhão é tão desastrosa que, segundo levantamento do INCRA, só nessa área existiriam 12 matrículas imobiliárias registradas no Cartório de Barra do Corda. Pior ainda, depois que a comunidade iniciou uma ação contra Renato Benevides Gadelha, um outro grileiro, de nome Luiz Sinezio de Souza, pediu uma reintegração de posse contra Gadelha e a comunidade camponesa, que indiscutivelmente exerce a posse da terra. Também se descobriu, via sistema do INCRA, chamado SIGEF, que sobre a mesma área há um georeferenciamento certificado por aquele órgão, no nome de um empresário da região, de nome Francisco Pacheco Soares Sobrinho.

Enquanto isso, o grileiro-mor e chefe de milícia, Renato Benevides Gadelha georeferenciou, também via SIGEF/INCRA, outra área de 2.500 hectares de terras públicas estaduais, que estão em processo de arrecadação. Quer dizer, o grileiro não apenas quer roubar as terras da comunidade São Francisco, mas também terras devolutas do Estado do Maranhão, entretanto, se os camponeses são judicialmente perseguidos, contra os ladrões de terras não existe qualquer processo ou investigação.

Renato Benevides Gadelha pertence a uma importante linhagem política paraibana, seu pai foi deputado federal pela UDN e o próprio Renato foi deputado estadual pela Paraíba e Secretário Estadual de Infraestrutura no governo de José Maranhão. Além disso, Renato é tio de Leonardo Gadelha, que foi presidente do INSS durante a gerência de turno do ex-presidente Michel Temer. O caso em tela mostra na prática o conteúdo de classe do velho Estado Burocrático – Latifundiário e da sua “Justiça”, além do conluio entre o poder político e o latifúndio, assim como as mazelas que dele decorrem.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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