Mais de 80 camponeses são encontrados submetidos a “trabalho escravo” no RS

Mais de 80 camponeses são encontrados submetidos a “trabalho escravo” no RS

Print Friendly, PDF & Email

Pelo menos 82 camponeses estavam sendo submetidos a relações de “trabalho escravo” em duas propriedades de cultivo de arroz em Uruguaiana, na região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, a 630 quilômetros de Porto Alegre (RS). A situação motivou uma operação da Polícia Federal (PF) em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Gerência Regional do Trabalho nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim, no dia 11 de março.

Os 82 camponeses (sendo 11 adolescentes de 14 a 17 anos) eram oriundos dos municípios gaúchos de Itaqui, São Borja, Alegrete e de Uruguaiana e trabalhavam fazendo o corte manual do arroz e a aplicação de agrotóxicos, recebendo R$ 100 por dia, pagos semanalmente. De acordo com o MPT, a atividade era realizada sem equipamentos de proteção (sendo o agrotóxico aplicado com uma barra química), sem contrato, sem ferramentas adequadas  (sendo à cargo dos camponeses comprar as ferramentas) e com jornadas podendo durar mais de 15 horas. 

Os camponeses denunciam também inúmeros “acidentes” de trabalho. Em um deles, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.

Parte dos camponeses estava alojada em um galpão, cerca de 1h das lavouras (trajeto que faziam a pé sob sol escaldante), onde dormiam em colchões e não havia banheiros, nem fornecimento de água. Devido à má alimentação, calor intenso da região e exposição a produtos tóxicos (pulverizados sobre os camponeses por aviões), os camponeses frequentemente adoeciam. Os dias em que precisavam ficar afastados em razão de doença eram descontados do salário.

Segundo o auditor-fiscal do trabalho Vitor Siqueira Ferreira, em entrevista ao monopólio de imprensa G1, até o momento, não se sabe quem empregou os camponeses: “Estamos verificando quem é o verdadeiro empregador. Uma safra pertence a uma pessoa, mas essa pessoa teria contratado uma empresa robusta para semear e cultivar o arroz. Essa empresa é que seria responsável pela gestão que resultou na contratação dessas pessoas”, explica.

Também no RS, camponês é encontrado pagando para viver e trabalhar em chiqueiro

Em São José do Herval, no norte do Rio Grande do Sul, um homem de 59 anos submetido a “relações semifeudais “trabalho escravo” foi encontrado no dia 07/03 em um sítio. Segundo o MPT, o camponês usava uma tornozeleira eletrônica, em razão de uma pena que cumpria por um crime cometido. Por isso, qualquer tentativa de deixar o local seria informada à polícia.

Segundo os fiscais, o homem dormia ao lado de um chiqueiro de porcos. O “salário” do camponês era fixado em R$ 400. Contudo, o empregador cobrava R$ 500 pelo alojamento, fazendo com que, na prática, o camponês pagasse R$ 100 mensais para trabalhar.

Camponês pagava para viver e trabalhar em chiqueiro. Foto: Reprodução

Retrato fiel do atraso do País

Segundo a PF e o MPT, o caso de Uruguaiana trata-se do maior número de trabalhadores em situação “analoga à escravidão” já registrado na cidade, e segunda maior registrada na historia do estado. Em números, o caso fica atrás apenas dos 207 camponeses submetidos a “trabalho escravo” na colheita da uva em vinícolas latifundiárias de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, em fevereiro.

O caso de Bento Gonçalves veio à tona após a denúncia de seis camponeses que fugiram dos alojamentos. Naturais da Bahia, eles afirmaram que, pela proposta de trabalho, teriam a alimentação, hospedagem e transporte pagos pelos empregadores. Ao chegarem no Rio Grande do Sul, eram coagidos a pagar pelo alojamento e comprar comida em uma loja que praticava preços elevados, como um saco de feijão por R$ 22. A relação é conhecida popularmente como “regime de barracão”, quando o camponês, aparentemente assalariado, é obrigado a comprar com o senhor os bens de consumo a preços hiperinflacionados, forma através da qual o senhor, na prática, toma-lhe o “salário” que lhe pagou.

Em depoimentos prestados após a fuga, os camponeses relataram que foram espancados e ameaçados por policiais militares. Segundo os relatos, policiais tinham um acordo com o proprietário do alojamento onde os camponeses eram mantidos em condições precárias durante a colheita da safra de uva. 

Quando do ocorrido, o artigo “RS: Grandes vinícolas impõem servidão e torturas a 200 camponeses”, publicado por AND, elabora sobre a servidão imposta aos camponeses: “Ao contrário de incorporar esses camponeses em relações mais avançadas de trabalho (capitalistas), os latifúndios se aproveitam da situação calamitosa daqueles para estabelecer as relações de trabalho mais brutais, interior adentro, como se registra à exaustão nos chamados ‘trabalhos análogos à escravidão’ (formas semi-escravistas e semifeudais). Mesmo o ‘agronegócio’, que emprega força de trabalho extensiva, não absorve tal massa camponesa senão que em atividades complementares à produção, como rescaldo após colheita nos cultivos pelos maquinários, em formas variadas de servidão.”.

Esses casos, nomeados “trabalho escravo”, são apenas os casos mais evidentes e grosseiros das relações de servidão no Brasil, que são a base da economia nacional. Conforme fundamenta o artigo Latifúndio e servidão, praticamente toda a economia camponesa (“agricultura familiar”) está preso a relações de servidão, sendo responsável por produzir a cesta básica alimentar. Na construção civil, essas relações também se multiplicam e se generalizam.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: