100 anos da Imigração Japonesa no Brasil

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100 anos da Imigração Japonesa no Brasil

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Dos camponeses pobres do Japão aos dekasseguis do século XXI

Há cem anos, em junho de 1908, chegou ao porto de Santos, o Kasato Maru, navio que trouxe 165 famílias de japoneses. A grande parte destes imigrantes era formada por camponeses de regiões pobres do norte do Japão. Chegava mais uma vez ao Brasil a força de trabalho a ser explorada pelos latifundiários. As grandes fazendas de café do oeste paulista, a partir de então, tinham novas personagens. Personagens estas que marcaram a História recente do nosso país.

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Em 1902, o governo da Itália proibiu a imigração subsidiada de italianos para o Brasil. Com isso, as fazendas produtoras de café, principal artigo exportado pelo Brasil na época, passaram a sentir a falta de trabalhadores com a diminuição efetiva da chegada de italianos. A classe dominante brasileira, representada pelo latifúndio, através de seus gerentes, precisou encontrar nova fonte de mão-de-obra. Desta vez, decidiu-se pela atração de imigrantes do Japão. Anos antes, Alemanha, Bélgica e Espanha já tinham enviado grande quantidade de seus trabalhadores, sobretudo os mais empobrecidos, num processo de expulsão dos camponeses de suas terras natais da Europa, facilitando a concentração de terras nas mãos dos latifundiários europeus. Sem emprego nas cidades, esses deserdados tiveram que optar entre a morte lenta pela fome e embarcar nos navios que traziam imigrantes para os países da América do Sul.

O Japão, no fim do século XIX e início do XX, era dominado pelo feudalismo que colocava todas as terras e demais meios de produção nas mãos de menos de dez famílias que controlavam o país. O fim do período feudal e a abertura do Japão para a "cultura ocidental" — o capitalismo — foi um período de transição que garantiu que essas mesmas famílias se aburguesassem e empreendessem o desenvolvimento industrial do país. Os antigos servos se viram transformados em operários com as mesmas relações de dependência feudais.

O Japão passava por um período
de grande crescimento populacional
e a economia não conseguia
gerar os empregos necessários para todos,
o que piorava com a chegada às cidades
dos camponeses que perdiam suas terras.
Como consequência, o Japão expulsou
muitos pobres para aliviar a pressão interna

Nos primeiros anos do século XX, o Japão passava por um período de grande crescimento populacional. A economia nipônica não conseguia gerar os empregos necessários para todos, situação que piorava com a chegada às cidades dos camponeses que perdiam suas terras. Como consequência, o Japão expulsou muitos pobres para aliviar a pressão interna por empregos.

Uma difícil adaptação

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/44/19b.jpgO Kasato Maru, de acordo com registros da historiografia oficial é apontado como o primeiro navio a aportar no Brasil com imigrantes japoneses, em 18 de Junho de 1908. Com o total de 781 japoneses a bordo, o navio atracou em Santos. De lá, os trabalhadores foram transportados para a hospedaria dos imigrantes, em São Paulo, onde se dividiram em vários grupos.

A grande parte dos imigrantes japoneses tinha a pretensão de enriquecer no Brasil e retornar para o Japão em alguns anos. Deixaram uma vida de dificuldade e a esperança por dias melhores movia a maioria deles. Contudo, sabe-se que naquela época e ainda hoje, o enriquecimento rápido em terras brasileiras era, e ainda é, praticamente impossível de se alcançar. O secular latifúndio não deixava, e ainda não deixa, isso acontecer.

Ainda acostumados às relações de produção da escravidão e negando aos imigrantes a condição de trabalhadores livres, os latifundiários brasileiros submeteram os japoneses a degradantes condições de existência. Os imigrantes, submetidos a horas exaustivas de trabalho, tinham um salário baixíssimo. Ademais, tudo o que o imigrante consumia deveria ser comprado nos famigerados barracões, que praticavam preços exorbitantes. As compras eram feitas para pagamento na safra do café e os camponeses japoneses sempre tinham saldo devedor, muitos ficando escravos das dívidas com o latifundiário.

Várias foram às dificuldades encontradas pelos imigrantes, principalmente, a geração nascida no Japão. A barreira do idioma, os hábitos alimentares, o vestuário, o modo de vida e as diferenças climáticas acarretaram em um choque cultural extremo. Existem relatos que dizem que um número considerável deles nunca aprendeu a falar o português.

Os números da imigração

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/44/19c.jpgNos primeiros sete anos, vieram mais 3.434 famílias, resultando em um número de 14.983 pessoas. O chamado período "entre-guerras" assistiu a chegada de um grande contingente de imigrantes: entre 1917 e 1940, 164 mil japoneses imigraram para o Brasil. A grande maioria foi para São Paulo, visto que o estado concentrava a maior parte dos latifúndios de café.

A maior parte dos imigrantes chegou no decênio 1920-1930. Já não iam apenas trabalhar nos grandes cafezais, mas também no cultivo de morango, chá e arroz em outras regiões do Brasil.

A segunda guerra mundial e os imigrantes japoneses

A Segunda Guerra Mundial restringiu a ação dos imigrantes japoneses em terras brasileiras, sobretudo, por causa do fascismo do império japonês, aliado da Itália e da Alemanha nazista. Isso ocorreu mesmo com a posição dúbia do governo fascista de Getúlio Vargas, que tinha preferência pelo nazismo alemão, mas acabou pendendo para o imperialismo ianque.

Nesse sentido, medidas foram tomadas contra os imigrantes: escolas foram fechadas e a população não pôde ouvir a transmissão de rádio do Japão e nem mesmo falar seu idioma. Alguns japoneses acabaram detidos pela polícia por suspeita de espionagem.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as leis contrárias à imigração japonesas foram canceladas e o fluxo de imigrantes para o Brasil voltou a crescer. Neste período, além das lavouras, muitos japoneses buscavam as grandes cidades para trabalharem na indústria, no comércio e no setor de serviços.

O dekassegui

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/44/19d.jpgO fenômeno dekassegui é a inversão do fluxo migratório de brasileiros descendentes ou cônjuges de japoneses ao Japão à procura de melhores oportunidades de renda, iniciados na segunda metade da década de 80 do século XX. O processo de quase vinte anos de gerência militar no Brasil foram tempos desfavoráveis para grande parte dos trabalhadores brasileiros, incluídos aí os imigrantes japoneses.

Ademais, nessa época, a situação se inverteu e o Japão passou a atrair força de trabalho para sua rápida expansão econômica. O governo japonês criou facilidades para a entrada de trabalhadores. Com isso, foi editada a "Lei de Controle de Imigração", permitindo que japoneses e seus cônjuges ou descendentes até a 3ª geração pudessem exercer qualquer atividade legalmente por um período relativamente longo.

A crise no Brasil (alta inflação, crescente dívida externa e instabilidade política) levou a população (principalmente os mais jovens) a procurar melhores alternativas de vida em outros lugares (Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália) e no caso dos descendentes de japoneses, o Japão.

Contudo é importante dizer que boa parte dos Nisseis não alimentou o sonho de voltar para o Japão exclusivamente por fatores econômicos. Sabiam que a vida estava difícil aqui e que lá também seriam encontradas grandes dificuldades, ou seja, seriam explorados, só mudaria o explorador.

Agora, nas comemorações dos cem anos da imigração japonesa para o Brasil, é enfatizada a contribuição daqueles que enriqueceram ou galgaram posições de destaque na burocracia estatal, etc.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/44/19e.jpgPorém, a principal contribuição dos japoneses para a nação brasileira — e que nunca será reconhecida pelas classes dominantes — foi trazida pelo grande contingente de trabalhadores que resistiu à sua maneira ao trabalho semi-escravo nas fazendas, lutou e produziu ao lado do povo brasileiro, tornando-se parte deste.

Além disso, se existem grupos identificados como colônias, onde se luta pela preservação da cultura japonesa, a grande maioria dos descendentes dos primeiros imigrante se encontra perfeitamente integrada à sociedade brasileira e ativa nos movimentos que lutam pela verdadeira independência nacional.

É importante encarar a questão também do ponto de vista de classe social, e não como se os descendentes de imigrantes conformassem uma unidade separada da sociedade. Uma vez instalados em solo brasileiros e trabalhando nas condições existentes, alguns passaram a possuir meios de produção, como terras, fábricas, etc., e começaram a explorar, inclusive, seus antigos compatriotas. Assim, fica claro que uns não podem ter os mesmos interesses que os outros.

Gaijin – Os caminhos da liberdade

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/44/19f.jpgGaijin – Os caminhos da liberdade é um filme brasileiro de 1980 dirigido pela cineasta nipo-brasileira Tizuka Yamasaki. Apreciado pela crítica da época, o filme retrata de forma clara a realidade dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil. As lutas e as contradições vividas por esses trabalhadores são apontadas de forma simples e ao mesmo tempo profunda por um elenco respeitável, destacando-se a atuação de Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam Black-tie). Recebeu os principais prêmios dos festivais do ano, inclusive a menção especial do Festival de Cannes, que já nesta época era um festival dirigido ao monopólio cinematográfico. Gaijin foi uma das poucas exceções.

Com um roteiro assinado também por Tizuka Yamasaki, o filme remonta ao início do século 20, quando um grupo de japoneses chega ao Brasil, para trabalhar em uma fazenda de café em São Paulo. Lá eles encontram dificuldades para se adaptar, pois são tratados com hostilidade, tendo que trabalhar quase como escravos além de serem roubados pelo patrão. Apenas alguns colonos os tratam bem, entre eles, Tonho (personagem de Antonio Fagundes), o contador da fazenda. Esse é o pano de fundo para caracterizar o espírito de luta e resistência dos imigrantes-trabalhadores e mais uma prova de que o imperialismo não escolhe cor de pele e nem nacionalidade para explorar e oprimir.

Em 2005, Tizuka lança Gaijin — Ama-me como sou, vinculado na mídia como o Gaijin 2 (uma espécie de continuação do primeiro). Todavia, este não apresentou a mesma qualidade e consistência do primeiro.

 

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