110 anos da primeira publicação de Os Sertões

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110 anos da primeira publicação de Os Sertões

Titãs dos Sertões

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110 anos Pajeú, tela de Trípoli Gaudenzi

Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, nasceu em 20 de janeiro de 1866, na Fazenda da Saudade, município de Cantagalo, Rio de Janeiro. Em seus 43 anos de vida, ele foi oficial do exército, engenheiro de ferrovia, repórter e professor. Após deixar a carreira militar, embrenhou-se nos sertões baianos, nos anos de 1896 e 1897, como repórter, acompanhando as expedições do exército encarregadas de reprimir a população camponesa de Canudos, que até então era tratada pelas classes dominantes como um aglomerado de “fanáticos” seguidores de um “messias de feira” e, posteriormente, como “inimigos da República” que deviam ser riscados do mapa.

Durante meses, relatou os acontecimentos de Canudos em seu Diário de uma expedição, que iriam dar origem a Os Sertões. O Euclides da Cunha que partiu para o sertão baiano era outro ao retornar de lá, o que fica patente na própria introdução de sua obra: “Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo”.

Os guerreiros de Pajeú

A guerra camponesa de Canudos produziu seus líderes e, desde as primeiras escaramuças, provocou sérias baixas às tropas sanguinárias do exército.

Em Os Sertões, Euclides da Cunha nomeou alguns dos comandantes da resistência: João Abade, o “comandante de rua”, conhecedor de todos que entravam e saíam do arraial, mantinha contato com mensageiros e sabia de tudo que se passava em Canudos e seus arredores, era conhecido e respeitado por todos; Antônio Fogueteiro, que recrutava combatentes entre os camponeses mais combativos; Chico Ema, responsável pela segurança interna do povoado; Pedrão, Estêvão e Joaquim Tranca-Pés, líderes de grupos de guerrilheiros responsáveis pela guarda de serras e estradas circundantes de Canudos.

Mas a chefia das operações militares estava a cargo de Pajeú.

“A figura de Pajeú se destaca desde os primeiros choques armados. É ele o homem que empreende a perseguição auda­ciosa à derrotada 2.a expedição do major Febrônio de Brito. (…) Investem contra ela não só com o objetivo de eliminar soldados, mas também arrebatar-lhe armas e munições.”

Num angustiado depoimento ao jornal “O País”, de 1º de janeiro de 1897, o derrotado major declarou: “Nunca vimos, eu e meus camaradas, tanta ferocidade! Vinham morrer como panteras, dilacerando entranhas, agarrados às bocas das peças… Todos eles traziam armas de fogo, bons e afiados facões, cacetes pendentes dos pulsos”.

A segunda expedição militar mobilizada pelo governo contra Canudos carregava um grande arsenal de guerra, incluindo dois ca­nhões alemães Krupp 7,5. Isso não atemorizou os camponeses. Assim Euclides narrou o assalto a um desses canhões:

“(…) Pela primeira vez os soldados viam de perto as faces trigueiras daqueles antagonistas, até então esquivos, afeitos às correrias velozes nas montanhas (…). Tomara-lhe a frente um mameluco possante – rosto de bronze afetado pela pátina das sardas – de envergadura de gladiador sobressaindo no tumulto. Esse campeador terrível ficou desconhecido à história. Perdeu-se-lhe o nome. Mas não a imprecação altiva que arrojou sobre a vozeria e sobre os estampidos ao saltar sobre o canhão da direita, que abarcou nos braços musculosos, como se estrangulasse um monstro: “Viram, canalhas, o que é ter coragem?!

A “matadeira”, nome dado pelos camponeses ao canhão Withworth-32, utilizado pelos militares no cerco ao arraial e que terríveis estragos fez aos casebres de Canudos, também foi alvo de assalto empreendido por um jovem de 19 anos de idade.

Todas as pessoas capazes de combater participavam ativamente das diversas atividades da resistência, sobretudo na fase final da luta.

Durante toda a resistência a superioridade moral dos combatentes de Canudos ficou patente. Fustigados a todo o momento, os militares eram desafiados e ridicularizados pelo grito de guerra dos camponeses:

— “Avança, fraqueza do governo!”

Aniquilando os agressores

Antes de conseguir entrar em Canudos, a 4ª expedição militar, co­mandada pelo general Savaget, sofreu sérias baixas. Somente entre a serra de Cocorobó e Canudos, numa distância de aproximadamente 12 km, a resistência infringiu 330 baixas aos 2.350 militares.

A coluna do general Silva Barbosa, pertencente à mesma expedição, que fazia um trajeto diferente, também sofreu inúmeros ataques dos guerrilheiros. Uma terceira coluna, comandada pelo general Artur Oscar, só escapou do completo aniquilamento devido à inferioridade das armas dos camponeses.

Ao chegar diante das muralhas de Canudos, no início de julho de 1897, a 4.a expedição, obrigada a se bater em sete sangrentos combates com os camponeses, sofreu 1.200 baixas entre oficiais e soldados num total de 4 300 militares!

Em 18 de julho, os generais planejaram um assalto considerado “decisivo” contra Canudos. Euclides da Cunha relata esse ataque das tropas do governo como “uma vitória desastrosa”, pois, dos 3.500 militares lançados ao assalto, mais de mil foram postos fora de com­bate. O número de oficiais mortos e feridos deixava muitas unidades praticamente sem comando. A cavalaria fora dizimada.

Um tenente da artilharia deu uma declaração dizendo serem os camponeses “atiradores exímios”, que “só alvejavam com a certeza de ferir; sem abusar da munição, tiroteando com método e regularidade, pouco se lhes dava a chuva de balas que os soldados, sem disciplina de fogo, lhes enviava”.

Triunfam os ardis camponeses

Durante a 4a e última expedição militar, em junho de 1897, Euclides da Cunha descreve um ardil planejado por Pajeú contra os soldados que se aproximavam de Canudos. Um grupo de guerrilheiros comandado por ele tem a função de atrair as forças governistas para um local onde a luta seria mais favorável aos camponeses. Assim ele descreve a manobra:

“O guerrilheiro famoso visava, à primeira vista, um reconhecimento. Mas, de fato (…), trazia objetivo mais inteligente: renovam o delírio das descargas e um marche-marche doido, que tanto haviam pre­judicado a expedição anterior. Aferrou a tropa num tiroteio rápido, de flanco, fugitivo, acompanhando-a velozmente por dentro das caatingas. Desapareceu. Surgiu logo depois, adi­ante. (…) Passou, num relance, acompanhado de poucos atiradores, por diante, na estrada. Não foi possível distingui-los bem. Trocadas algumas balas, desapareceram.”

Pajeú coordenava ataques de distintos grupos guerrilheiros em diferentes pontos da coluna militar, confundindo e dividindo as forças genocidas que sequer vislumbravam os camponeses. Aplicando táticas de guerra de guerrilhas, permitiu que as forças relativamente inferiores dos camponeses superassem as do exército.

Triunfa o ardil dos camponeses. Perseguidos, os militares fugiam em carreira desesperada “pela paragem desconhecida, acompanhando, sem o saberem, um guia ardiloso e terrível, com que não contavam — Pajeú. E todos tombaram nas tocaias com aquele aprumo de triunfadores”.

Canudos não se rendeu

Em 24 de julho de 1897, Pajeú comanda um novo assalto visando romper o cerco militar. Só a muito custo, e utilizando-se de todo armamento e recursos, os sitiantes lograram suplantar a resistência. Esse foi o último combate dirigido pelo grande chefe camponês, o que custou sua vida.

Seguiram-se ainda alguns combates esparsos, mas o cerco se fechava.

A heroica resistência combateu até o último homem. Nas palavras de Euclides da Cunha: “Canudos não se rendeu (…) resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”.

Esses combates do campesinato brasileiro foram travados passadas quase cinco décadas da publicação do Manifesto do Partido Comunista, por Karl Marx e Friedrich Engels, em 1848, e 25 anos após a Comuna de Paris, de 1871.

Apesar de as primeiras fábricas já haverem surgido no início dos anos de 1890, o proletariado fabril ainda não havia se desenvolvido em nosso país e demandaria mais de duas décadas para fundar o Partido Comunista do Brasil, que também levaria várias décadas para compreender o papel do campesinato para a revolução brasileira e dirigir as suas lutas.

Os camponeses de Canudos, explorados, sem terra, sem uma vanguarda desenvolvida capaz de conduzi-los em uma luta mais consequente, porém aferrados a uma ideologia religiosa, pegaram em armas e enfrentaram sucessivas campanhas de um exército sanguinário, impondo-lhe sérias derrotas, fazendo tremer as oligarquias que empenharam todos os esforços para destruir esse exemplo perigosíssimo para o latifúndio e para toda a reação.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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