1º de Abril – 40 anos de golpe

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1º de Abril – 40 anos de golpe

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O golpe de Estado que deu início ao gerenciamento militar em 1964 completou 40 anos com intensa campanha nos monopólios dos meios de comunicação. Em meio a nostalgia fascista e as lamúrias de guerrilheiros arrependidos, tenta-se passar a imagem de que os 20 anos de gerenciamento militar originaram-se das desavenças entre militares de direita e a esquerda radical e que, hoje, ao contrário, vivemos a melhor das democracias.
Poucos, no entanto, se esforçaram em esclarecer as razões e o porquê do empenho do imperialismo ianque para que o golpe triunfasse, ou em demonstrar que a subserviência aos interesses imperialistas não foi invenção dos militares, mas se aprofundou após o seu gerenciamento.

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A passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro, 1968

João Goulart foi o último presidente nacional do Brasil — até o fatídico abril, foi possível sustentar um governo nacional, ainda que mortalmente minado pelos interesses imperialistas. Os demais, militares ou civis, seguiram a mesma política de subjugação nacional.

Os ensaios do governo nacional de exercer uma política externa independente, a disposição para enfrentar o latifúndio e limitar a remessa de lucros dos monopólios internacionais instalados no Brasil e as chamadas Reformas de Base, fizeram com que setores da burguesia e os latifundiários se atirassem à preparação e execução do golpe contra-revolucionário. O USA necessitava, desde a Segunda Grande Guerra Imperialista, apoderar-se da superestrutura dos países da América Latina para aprofundar o domínio da base econômica. Jamais se descuidou da formação contínua de quadros contra-revolucionários e administradores semicoloniais entre os nativos.

Inundando os órgãos mais atuantes da repressão com dinheiro e agentes contra-revolucionários, o imperialismo ianque fomentou — em aliança com as classes dominantes nativas, tendo como executores dirigentes do exército permanente, a polícia e a Igreja — a criação de inúmeras organizações criminosas como o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), deflagrando as Campanha da Mulher Democrática (CAMDE), a Fraterna Amizade Urbana e Rural (FAUR), a União Cívica Feminina (UCF), a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e tantos outros comitês, associações etc, para aliciar e acobertar planos de repressão contra o povo, calcados no mais ferrenho anticomunismo.

O país, até então, não conhecera manobras tão espúrias e insidiosas quanto as que aqui chegavam, ditadas pela “Aliança para o Progresso” — estratégia de dominação criada na administração Kennedy segundo a qual os países da América deveriam, a qualquer custo, eliminar o “inimigo interno”, ou seja, o pensamento e prática de emancipação das classes oprimidas, bem como as pretensões de independência nacional.

É farta a literatura que acusa a direção da Escola Superior de Guerra (ESG), há muito subvencionada financeira e ideologicamente pelo USA, de ter contribuído para a formação de quadros e de manter abertamente estreita colaboração com o complexo IPES/IBAD na preparação e execução do golpe.

Ao mesmo tempo, o imperialismo cuidou para que não surgissem choques entre oligarquias dentro do aparato de Estado. O golpe no Brasil era tão importante dentro da estratégia de dominação do imperialismo que este não podia se dar ao luxo de fortalecer mais de um grupo entre os contra-revolucionários.

Sam ajuda renegados

Para combater o crescimento da esquerda nas campanhas eleitorais de 62, o IBAD financiou notórios entreguistas e anticomunistas, sedimentando uma das bases que legitimaria o golpe mais tarde e inaugurando o estilo de eleger o menos péssimo. Amaral Neto, deputado e um dos diretores do IBAD, chegou a afirmar: “para combater este governo eu recebo dinheiro até do diabo.”1 Magalhães Pinto, de Minas Gerais, Ademar de Barros, de São Paulo, e Carlos Lacerda, do Rio de Janeiro, gente de triste memória, puderam aprimorar a organização de seus grupos de direita — alguns armados — e participaram ativamente de outras conspirações para levar ao poder os planos fascistas e entreguistas.

Identificada como a região que poderia oferecer alguma resistência armada ao golpe, onde era maior o ascenso das Ligas Camponesas, o Nordeste passa a receber um grande contingente de agentes secretos dos Corpos da Paz (criados por Kennedy para fornecer “assistência comunitária” aos países do Terceiro Mundo) e sob disfarces diversos, entre missionários, jornalistas, comerciantes etc.

Somente em 1962, mais de 4.900 agentes, seguidos em 63 por 2.466 outros, se infiltraram em nosso país. Cerca de 5 mil deles foram prontamente identificados como “boinas-verdes” (membros de tropas assassinas das elites armadas ianques) na imprensa da época. O governo legal, no Rio de Janeiro, apreendeu grandes sortimentos de armas e uniformes. Algumas dessas armas, pela sua sofisticação, chegaram a surpreender os próprios soldados que faziam as apreensões. Investigação realizada por comandos militares leais ao governo revelou, por exemplo, um sortimento de armas pertencentes ao grupo Ação de Vigilantes do Brasil, cujo elemento de ligação era Lacerda.

Sempre informado e coordenando os passos dos contra-revolucionários, o embaixador ianque no Brasil, Lincoln Gordon, punha de sobreaviso as bases do USA para “reconhecer a revolução”, assegurando a intervenção, em caso de resistência popular, tão logo o golpe fosse anunciado. Em 1º de abril, enquanto as tropas chegavam às ruas e o dr. João Goulart seguia caminho ao Rio Grande do Sul, a Operação Brother Sam era desencadeada. O golpe consistia no deslocamento para o Brasil do porta-aviões Forrestal, destróieres de apoio, navios com armas e mantimentos e os navios Santa Inês, Chepachet, Hampton Roads e Nash Bulk carregados com 136 mil barris de gasolina comum, 272 mil barris de combustível para jatos, 87 mil barris de gasolina de avião, 35 mil barris de óleo diesel e 20 mil barris de querosene, além de sete aviões de transporte C-135, trazendo 110 toneladas de armas, oito aviões de caça, oito aviões-tanque etc., simultâneo à mobilização de tropas e a deflagração da repressão seletiva pelos contra-revolucionários nativos.

Concluído o apoio necessário ao golpe de traição nacional, e evitando que a presença de tropas estrangeiras acelerasse a resistência popular, mesmo espontânea, o operativo ianque retornou.

Os caminhos da resistência

O centro ideológico mais sólido da resistência brasileira, o Partido Comunista, sofria os impactos da guinada à direita conduzida pela burguesia burocrática na URSS, mais abertamente desde 1956, tendo à frente Kruschev impostor. Em 1962, o fracionamento do Partido Comunista do Brasil torna-se inevitável, assumindo duas posições diferentes na forma, todavia mantendo a subestimação das massas no conteúdo. Enquanto uma corrente aderiu ao capitulacionismo total, outra oscilava a mercê do aventureirismo armado ou das alianças pacíficas que também desprezavam o povo trabalhador.

Sem contar com uma direção ideológica, política e organizativa, as organizações revolucionárias se fragmentaram ainda mais. As tentativas de resistência armada — que partiam não só das frações do partido comunista que se opunham ao oportunismo e ao liquidacionismo, mas dos setores nacionalistas e patrióticos — não conseguiram elevar os movimentos populares e democráticos a um nível superior de luta, muitas delas se transformando em presas fáceis da repressão. Inúmeros filhos e filhas de nosso povo pagaram com a vida as experiências frustradas, mantendo, no entanto, a bandeira da resistência ao fascismo e ao imperialismo. Por mais de uma década, a resistência popular foi contida mediante as ações da repressão seletiva e as massas populares tiveram que se limitar aos movimentos espontâneos.

A contra-revolução não tardou em restituir ao USA — com juros e correção — os gastos na preparação e execução do golpe. Uma vez consolidado o poder, os contra-revolucionários procederam à entrega do patrimônio nacional aos monopólios mundiais. Uma das primeiras medidas adotadas foi a revogação da lei de remessa de lucros.

A legislação antipovo

Através de um discurso ufanista e da propaganda de crescimento, aumento da produção e controle da inflação (melhor, manipulação dos índices de inflação), os golpistas justificavam o arrocho salarial; a repressão aos sindicatos e às greves; o fim da estabilidade de emprego; o aumento da jornada de trabalho; a concentração da terra, inclusive em mãos estrangeiras etc. A lei antigreve data de 1º de junho de 64.

A legislação antiproletária se constituiu não apenas no instrumental para o aumento da exploração da força de trabalho, mas numa peça antinacional imprescindível para as classes contra-revolucionárias internas. O arrocho provocou o rebaixamento em mais de um terço dos salários dos trabalhadores2, extenuados em jornadas longas, ao que se acrescentou a necessidade de outros membros da família se incorporarem ao trabalho.

Com o direcionamento das chamadas empresas estatais (na realidade, de capital misto) para a produção de bens intermediários e serviços, como transportes a baixos preços, os monopólios estrangeiros se concentraram na produção de bens de consumo duráveis, aumentando grandemente seus lucros. O aço produzido pelas “estatais”, por exemplo, passou a ser entregue, a preço irrisório, para as corporações estrangeiras.

Enquanto a indústria automobilística se expandia vertiginosamente, devido também à ampliação do crédito para a classe média, as indústrias de bens populares sofriam as consequências do arrocho dos salários que atingia em cheio a classe operária.

No campo, o capital estrangeiro assenhoreou-se da produção de equipamentos, sementes, fertilizantes, além da comercialização. A crescente necessidade de exportar produtos agrícolas para compensar as inversões do capital monopolista no país promoveu o aumento da concentração fundiária, a consequente e massiva expulsão dos camponeses de suas terras para as cidades, ampliando o exército de reserva, enquanto o Brasil começava a importar alimentos. Para substituir a importação de bens de capital (máquinas, equipamentos etc), a gerência militar promoveu contratos de associação (chamados joint-ventures) entre as chamadas estatais e o capital estrangeiro.

Não entre. País particular

A chamada ocupação da Amazônia, um capítulo à parte, revelou, entre os casos mais impressionantes, o enclave de tipo colonial conhecido como projeto Jari. Em 1967, o milionário ianque Daniel Keith Ludwig instalou-se numa área que, segundo relatórios da época3, atingia 6 milhões de hectares em mãos estrangeiras, área maior que vários estados brasileiros e que muitos países. Nenhuma atividade econômica ali era de interesse nacional. Utilizava mão-de-obra escrava e semi-escrava e sua segurança era feita por ex-militares que compunham uma milícia particular, além da polícia militar do Pará, que ajudava a proteger o “país de Ludwig”. Por fim, em 82, a área foi comprada por um grupo de empresários brasileiros liderados por Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos maiores testas-de-ferro que o capital monopolista encontrou no país. Em tese, Ludwig teria vendido o Brasil para o Brasil, mas as terras ficaram nas mãos da burguesia entreguista e seu capital integrado ao imperialismo.

Em 9 de outubro de 1975, Geisel, então gerente do Estado brasileiro, depois de intensa campanha entreguista na grande imprensa, institui os contratos de risco na exploração do petróleo. Estava quebrado o monopólio brasileiro, fruto da mobilização popular na década de 50. Vale lembrar: a distribuição, parte mais lucrativa do processo já estava nas mãos dos monopólios mundiais que dominavam 61,2% do setor.

Mais números do “milagre”

Julho de 73 marca a fundação da empresa Fiat Automóveis S.A. (Fiasa), uma associação entre o governo de Minas Gerais e a Fiat italiana. Os detalhes dessa transação se tornaram públicos na mesma década. Na inauguração da fábrica de Betim, em 76, já se sabia que a Fiat investiu apenas 24,6% do capital da empresa, mas subscreveu 50%, obtendo o controle da Fiasa. O terreno para a instalação junto com toda a infra-estrutura foi vendido pela prefeitura de Betim por CR$ 7,00 (sete cruzeiros). A Fiat ainda obteve isenção de impostos e taxas até 1985. Obras externas, como estradas asfaltadas no entorno da fábrica, acesso à rodovia São Paulo-Belo, Horizonte, 30 linhas telefônicas etc, serão pagas regiamente pela Empresa, em 45 anos, a partir de 1977, em prestações anuais de CR$ 700 mil, sem correção ou juros. Enquanto isso, Delfim Neto dizia a representantes da burguesia nacional que recorriam ao Ministério da Fazenda: “Ou você se associa a uma grande fábrica estrangeira ou vende a sua fábrica para eles.” Nessa altura, a indústria automobilística estava 99,8% nas mãos dos monopólios.

Os monopólios já controlavam, no fim da década de 70, 100% do setor farmacêutico; 77,9% das indústrias de eletroeletrônicos; 63,8% das indústrias de bebidas e fumo; 70,6% do setor têxtil; enquanto as estatais se dedicavam à química, mineração, serviço de eletricidade e transporte, ou seja, o trabalho pesado.3

O processo não terminou. O gerenciamento militar evoluiu para a forma de Estado de Direito. Os gerentes civis que se sucederam deram continuidade ao arrocho salarial, cujo mínimo chegará à “vultosa” quantia de R$ 260,00. As siderúrgicas, a Vale do Rio Doce, o setor elétrico, o petróleo e tudo o mais continua sendo entregue a preço de banana e a isso se somam as contra-reformas que estão sendo levadas a cabo pelo gerenciamento de plantão.


1 O dinheiro do diabo – Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03/07/1963. Citado por Moniz Bandeira in O governo João Goulart – As lutas sociais no Brasil, 1961-1964.
2 Os dados são do livro O ABC do entreguismo no Brasil, uma coletânea de matéria publicadas pelo jornal Movimento, coordenado por Ricardo Bueno e publicado em 1981.
3 Revista Exame – Melhores e maiores.1977.
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