Nas diversas áreas transformadas em chão camponês, o povo trabalhador tem dedicado especial atenção à produção, tanto para o sustento das famílias como para a comercialização. No acampamento Lamarca, por exemplo, no período de 2003/2004, os camponeses decidiram preparar parte da terra expropriada ao latifúndio para o plantio de uma roça coletiva em três burareiros1. No burareiro 242 foram plantados 60 alqueires de milho e uma horta de meio hectare. No de número 243 foram 31 alqueires de arroz e um de mandioca. No 266, 9 alqueires de arroz, enquanto no 267, agora de 27 alqueires de derrubada, ainda não foi possível plantar. Os camponeses plantaram milho, arroz, abóbora, melancia, macaxeira (mandioca), e outros produtos em condições menores, além de uma horta medindo meio hectare com vários tipos de hortaliças. No momento, está sendo preparado o solo para o plantio de feijão e milho. A previsão média de produção nos locais acima citados, segundo cálculos de agrônomos amigos, é de 192 mil kg de milho, 105 mil kg de arroz e 45 mil kg de feijão, o que daria um total de 242 toneladas em grãos nos 100 alqueires de solo cultivado. Toda esta produção foi realizada em brigadas de produção, à base do plano de auxílio mútuo.
Para ilustrar o potencial que oferece esse estilo de trabalho, vale lembrar que uma das atividades das brigadas era a de transformar cerca de 15 alqueires, anteriormente formados para pasto, em plantio. Ao todo participaram 70 pessoas, bastando três dias apenas, findo os quais o antigo pasto latifundiário foi transformado pelos camponeses em terra pronta para a produção agrícola voltada diretamente para o abastecimento da população — o que inclui um preço justo. Nas outras áreas, como Cacaulândia, Buritis e Cujubim, os acampamentos também têm motivos para comemorar. Ali, com a colheita aumentará a quantidade de alimentos. No acampamento Cristo Rei, em Cacaulândia, os camponeses contam com uma produção diversificada: 40 mil pés de mandioca; 5 mil pés de café; 40 vacas e uma produção de 80 litros de leite diários; 150 porcos de engorda; 1.500 galinhas; 20 bois; 100 pés de coco; 800 pés de Cupuaçu; 2.500 de cacau e 1.000 pés de abacate. Ainda contam com uma área plantada de cerca de 120 alqueires de lavoura branca2. No acampamento Sol Nascente e Eldorado dos Carajás, os companheiros realizaram trabalho de ajuda mútua na roçada, derrubada, queimada e plantio, mesmo quando um número considerável de camponeses prefere se dedicar ao plantio individual em seus lotes.
Ao todo, as áreas da Liga, que totalizam aproximadamente 820 alqueires plantados, produzirão um total de 704 toneladas de milho, 1.574 de arroz e 45 de feijão. Estes números são importantes para que o povo, na cidade, compreenda o quanto os meios de comunicação mentem a nosso respeito.
Nem todas as correntes do movimento camponês mandam os trabalhadores permanecerem à beira da estrada até serem enxotados – expediente que serve apenas de manobra eleitoreira e de desgaste dos trabalhadores. A Liga não admite isso. Os latifundiários, estrangeiros ou nativos, sabem que nós somos os seus inimigos e vamos erradicar as relações semifeudais de nosso país destruindo o latifúndio. Para um povo que necessita se libertar e alcançar sua independência, não é possível conviver com as relações atrasadas no campo. Ex-propriamos o expropriador porque trabalhamos e jamais deixaremos de agir assim. Entregamos a produção por um preço justo aos nossos irmãos trabalhadores, porque essa é a única forma de fazer circular os produtos agrícolas sem exploração.
O que tem feito o latifúndio? Rouba a nossa terra e a nossa produção. Manda os tribunais e a polícia nos atacar. Arranca nossos casebres e pilha tudo o que produzimos dizendo que é seu. Queima, manda destruir tudo para impor o pasto de novo, promover a desolação, degradar o solo mais uma vez, acabar com a água, arruinar a natureza. Primeiro esses bandidos grandes tentam se apoderar do que produzimos com o auxílio dos atravessadores. Quando percebem que nada conseguem, vem a solução final, que os burocratas e os que comandam a violência cumprem com muito gosto.
Entre tantos exemplos, é oportuno citar que nessas imediações, há dois anos, uma madeireira, alegando que a terra lhe pertencia, roubou-a de um camponês pobre, além de 200 cabeças de gado daquele trabalhador, com todo apoio da “justiça” lá deles.
Seguindo esse estilo, os latifundiários entraram com uma “reintegração de posse” da área Lamarca, porque foram expulsos daquela terra que não era nem podia ser deles, uma vez que a terra nas mãos do latifúndio atenta contra os direitos do povo trabalhador e oprimido, se opõe aos direitos da verdadeira nação brasileira. Ao contrário, nós trabalhamos na terra, somos nós quem produzimos a riqueza no chão brasileiro e ele só pode pertencer a um único proprietário: àquele que nela trabalha.
Num instante tornamos aquela terra útil, como fazemos com todas as terras. Pois eles dizem que vão tomar a terra e roubar a nossa produção. Nós não sairemos da nossa terra.
Reconhecer suas forças
Há companheiros que quando falam de produção, no início, acham que nós ainda não temos nada. No Encontro de Delegados, que aconteceu em Palmares do Oeste, em fevereiro deste ano, o ponto sobre a produção foi um dos mais debatidos.
Naquela oportunidade, companheiros de diversos lugares elaboraram um relatório da situação de cada área e, depois, em plenária, constataram que a produção já não é pouca. Quem não acreditava nisso, muito se surpreendeu.
O que precisamos é avançar na organização popular, porque somente assim poderemos aumentar essa produção e aperfeiçoar a ajuda mútua, do ponto de vista político e técnico, introduzir novos instrumentos de trabalho, meios de produção e equipamentos sociais nessas áreas, ampliando a colheita de cereais e a comercialização digna para o povo. Dessa forma, melhoramos as condições de vida material e cultural, que é a função dos trabalhadores produtivos, entendendo que o outro dever é o de governar.
No mesmo Encontro de Palmares foi decidido manter as discussões, com o apoio das Escolas Populares, sobre a produção, uma vez que a escola popular está indissoluvelmente ligada à produção em benefício da nossa gente e voltada para a tarefa de ensinar o povo trabalhador a governar. Isso vai representar uma troca de experiências, correspondendo ao funcionamento mais objetivo das brigadas de ajuda mútua e de intercâmbio entre as áreas camponesas.
Decidiu-se também organizar um mercado próprio em Jaru para vender os produtos provenientes das áreas administradas pelos camponeses livres — providências que já estão sendo rapidamente adotadas.
A esse ponto nós chegamos e não há como nos fazer recuar. Nenhuma medida conseguirá deter esse processo mais.
Esse pensamento está cristalizado na Liga dos Camponeses Pobres e incorporado no movimento camponês mais consequente, contando com o apoio da população nas cidades pequenas, e até médias, que convivem com o nosso movimento. O caminho é claro e a ele chegam novos contingentes camponeses.
O Brasil brasileiro existe e tem quem o defenda.
Já o povo desse país começa a arrancar todas as placas de venda do território brasileiro.
1 Burareiro: originalmente a expressão refere-se ao proprietário de uma burara (fazendola sem benfeitorias e sem administrador). Aqui, mantém-se o nome, cujo significado, todavia, se aproxima ao de lote.
2 Lavoura branca: lavoura que não é perene, precisa ser plantada todos os anos. Exemplo: milho, algodão, arroz etc.