O "baiano universal" Vidal França completa 50 anos de carreira este ano, mantendo seu compromisso com a autêntica música popular brasileira, que relata a vivência do povo, incluindo a sua própria, e os ritmos brasileiros.
Nascido no sertão da Bahia, desembarcou em São Paulo em um dos últimos pau-de-arara, em 1953, com a família, para tentar a sobrevivência física e artística em um grande centro.
— Já dizia meu querido pai, cantor, compositor e repentista, Venâncio, em sua composição : ‘ só deixo o meu Cariri no último pau-de-arara’. Assim desembarcamos em São Paulo, principalmente para ele poder seguir sua carreira, eu ainda era menino. Um poeta de seu nível não encontrava mais campo por lá, não vendo outra chance senão a mudança para cá — conta o descontraído Vidal, acrescentando que essa música, entre outras, foi gravada por Luís Gonzaga.
— Minha família inteira é de músicos. Minha mãe canta até hoje, uma gracinha. Então cresci nesse meio e resolvi me aperfeiçoar. Estudei música em conservatório e academia, e depois na Faculdade Superior de Música São Paulo, onde me formei maestro arranjador — fala.
Compositor, cantor e instrumentista, Vidal viajou por algumas partes do mundo representando a cultura musical brasileira.
— Levei a nossa cultura através das músicas que falam do nosso povo, do nosso sistema de vida, para os gringos conhecerem e eles gostaram e muito. Dei entrevistas nas televisões e nos rádios deles, e andei por toda parte. Por onde passei pude notar a força e riqueza do que temos e que muitos nem conhecem para poder ter a chance de valorizar — constata.
Vidal começou sua carreira em programas de calouro da televisão, recebendo sempre as melhores notas, mesmo de jurados que já eram conhecidos pelo povo como ‘exigentes e antipáticos’.
— Sempre fui com um trio vocal, porque gosto muito de vozes. Formei o meu trio com 14 anos de idade e com 15 já estávamos praticamente profissionais. E fomos nos apresentando aqui e ali, e quando dei por mim estava no palco do teatro São Paulo, na Barra Funda, participando da peça Marta Saré — conta.
O musical de Gianfrancesco Guarnieri, Marta Saré, com músicas de Edu Lobo, tinha no elenco: Fernanda Montenegro, Marcos Miranda, Paulo César Peréio, entre outros. A direção era de Fernando Torres. Vidal participou com seu trio.
— Cantávamos músicas da peça e fazíamos ponta de atores. E nesse momento comecei a perceber que também podia conversar com o público e não só cantar. Depois passei por outros teatros, mas continuei seguindo minha carreira de músico, com orquestrações, compondo e me apresentando— comenta.
Música e políticas
Completando cinquenta anos de carreira, Vidal França está em plena atividade artística.
— Fiz uma apresentação recente no metrô da Sé, aqui em São Paulo que literalmente parou tudo. O local ficou cheio de gente querendo ouvir e depois falar comigo. Estudantes desciam do trem, paravam, e me perguntavam que música era aquela que eles não conheciam. E não podem conhecer mesmo porque não se toca no rádio e na televisão — relata.
— Descobri então que o que cantava, apesar de parecer ser antigo, não era. Era novidade. Quando entro no palco fico bem atento com o que estou fazendo, porque sinto que não tenho que dar o que o público quer, que seria o simples entretenimento, e sim o que precisa. Vez ou outra canto uma música engraçada, conto um causo interessante, descontraído, mas logo volto para uma coisa séria — afirma.
Vidal França faz música brasileira, sem definição de gêneros, com letras que relatam a vida.
— Atualmente tenho um projeto chamado ‘Vidal França, um baiano universal’, e isso já deixa claro que não gosto de rotular a música que faço no que diz respeito a gênero, a minha é brasileira livre. E como a minha preocupação sempre foi com os colegas, tenho poucos discos gravados: os Lps Fazenda e Cidade Bruxa e os Cds Sertão e mar e Não é só forró — expõe.
— No momento estou trabalhando um novo cd que será sobre minha carreira. Todo autoral, deverá ser um álbum duplo, com 34 músicas. São composições baseadas na minha própria vivência e na do povo a minha volta, que de alguma forma observo. Faço pergunta para doutores, analfabetos, pedreiros, engenheiros, e tudo isso aproveito em minhas músicas, porque temos que ter sinceridade no que fazemos, e é por isso que sobrevivo — finaliza Vidal França.
Vidal participou de alguns festivais por essa época, e fez apresentações para estudantes engajados na luta política.
— A estudantada estava toda acesa. Eram muito envolvidos politicamente. Em cada esquina tinha um assunto muito importante sendo discutido. Participei ativamente dessa época cantando em teatro, em praças públicas, em bibliotecas, em centros culturais, representando o Brasil fora também — lembra.
— Mas hoje observo que existe uma ‘democracia de abestados’, porque ou se vê mulher seminua e nua, ou músicas falando palavrões. Mas isso é considerado pelo sistema como algo bom para o povo, porque querem que fique idiota para ser facilmente dominado. O que é liberado por eles como democracia, na verdade está estragado, e não ajudando a formar um verdadeiro cidadão — acrescenta.
— Da minha parte continuo com o meu compromisso com a arte, e os meus parceiros têm essa mesma visão: de não se deixar levar pelo sistema, pela falsa democracia, lutando contra a correnteza, preservando a cultura e o povo — finaliza Vidal França.