56 instituições de ensino federais em greve geral

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56 instituições de ensino federais em greve geral

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Uma das maiores greves da
história da universidade pública

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Manifestação realizada pelo Comando de Greve da UFF, Niterói, RJ

A greve geral nas universidades federais ingressa no seu segundo mês e o movimento já se estendeu por 55 instituições federais. Deflagrada no dia 17 de maio pelos professores, a greve contou com a imediata adesão dos estudantes e, posteriormente, dos funcionários técnico-administrativos. Boicotada pelo monopólio da imprensa, a greve geral das instituições federais de ensino superior é a maior mobilização do setor desde 2001. Em várias instituições a greve é de ocupação. Na edição anterior de AND, publicamos breve matéria sobre a greve quando ainda ocorriam assembleias para a deflagração do movimento em várias instituições. Para essa edição, entrevistamos representantes dos setores mais combativos e consequentes desse movimento. São ativistas e organizadores de comandos de greves em universidades do Rio de Janeiro, que dão um panorama das mobilizações diretamente das assembleias e ações da greve.

Igor Mendes, estudante de Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, militante do Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR), força atuante nos comandos de greve em diversas universidades do país, afirmou que, tratando-se do número de instituições paralisadas, essa pode ser considerada “a maior greve na história das universidades públicas brasileiras”.

 — Esse movimento já supera a última grande greve, de 2001. Do ponto de vista quantitativo, a greve tem reunido milhares de pessoas em assembleias e atos, entre estudantes, funcionários e professores por todo o país. Basta dizer que das 59 Instituições Federais de Ensino Superior — Ifes, 55 estão paradas, e em 30 delas foi deflagrada greve estudantil (em 2001, chegou-se a marca de 52 Ifes em greve). Somem-se a isso as paralisações em diversas universidades estaduais deflagradas nesse mesmo período. Do ponto de vista qualitativo, vemos que tem surgido uma nova geração de ativistas no interior das universidades, livres já da influência, da “escola de greve” (podemos dizer assim) do PT. Isso tem ficado cada vez mais patente na medida em que cresce o reconhecimento da necessidade de se fazer uma greve de ocupação por parte de todos os setores que participam do movimento.

Sobre o significado político da greve, Igor analisa que se trata de uma grande derrota do governo e do oportunismo. É demonstração de que o oportunismo é cada vez mais incapaz de controlar o movimento de massas como fazia antes.

— Nesse sentido, comparar esta greve com a de 2001 é importante. Em 2001 tínhamos fim do segundo mandato de FHC (PSDB). Havia um desgaste muito grande devido a aplicação brutal do chamado “receituário neoliberal”, em todos os sentidos. Era, ao mesmo tempo, a arrancada final da frente oportunista empenhada na vitória eleitoral de Luiz Inácio. PT e pecedobê (no caso da Une/Ubes) hegemonizavam as tomadas de decisões e polarizavam grande parte dos ativistas. Após uma década de gerenciamento petista, o sistema público de ensino brasileiro só viu sua crise (que é estrutural) se agravar. Hoje, o processo de desmonte da universidade pública brasileira atinge os limites da falência completa da sua estrutura de produção/difusão de conhecimento. A crise da universidade é inseparável da crise na educação básica, são dois aspectos de um mesmo problema – diz Igor.

— Essas greves estão cada vez mais livres das influências de PT e pecedobê, que têm sido varridos do setor da educação, onde sempre tiveram suas bases mais fortes. Como prova disso temos as associações de docentes da UFMG e da UFSCAr, que não são filiadas ao Andes-SN, mas sim ao Proifes, sindicato de orientação governista: ambas foram obrigadas por suas bases a aderir à greve. Isso é muito significativo.

Descaso gera revolta

A Doutora Gelta Terezinha Ramos Xavier, professora Universidade Federal Fluminense, integrante do comando de greve, avalia a mobilização:

 — No momento, realizamos uma greve com fôlego. Há um movimento nacional forte nos grandes centros e no interior. Tenho dito que a greve explodiu, mas não nos surpreendeu porque já no ano passado estava evidenciado claro sentimento de indignação em relação aos salários e às condições de trabalho. De junho até o final de agosto giramos em torno de uma proposta de acordo pautada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O Ministério da Educação se escondeu deste debate. Houve rasas e insuficientes discussões, tendo à frente o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva, que sempre quando se apresentava tripudiava, fazia exigências descabidas quanto a nossa participação e adiou qualquer resultado das negociações em torno da carreira. Com a morte de Duvanier em janeiro, o governo não mais garantiu interlocutores. Os que chegavam diziam-se inabilitados para prosseguir o debate, as oficinas foram desmarcadas e as respostas às nossas reivindicações negadas – diz a Dra. Gelta.

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Na Bahia, os estudantes lotaram a plenária durante a assembléia em defesa da universidade pública e gratuita

— No âmbito do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), as reuniões informavam a disposição da categoria para fazer o enfrentamento. Da base para a direção, a força do movimento é marcante. Universidades há muito envolvidas nas propostas de acomodação que o Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior – Proifes* mantém, se insurgiram contra esta direção e apontam a necessidade de se juntar ao movimento nacional – emenda a professora da UFF.

— Afirmamos que a greve se manterá. Protelar a greve não deveria interessar ao governo. Seu desgaste associado aos episódios de corrupção, ineficiência na gestão da coisa pública e arranjos eleitorais, como foi o triste episódio da imagem de petistas junto a Maluf, já deveriam ser considerados graves. Parece que os ministros da educação e do planejamento não avaliam deste modo. Pagarão um preço. A politização dos cidadãos que a universidade propicia poderá dar conta de nos sustentar nesta luta e em outras por condições dignas de existência — continua.

Unidos para resistir e lutar

A professora Gelta Xavier também destaca a união dos setores democráticos na luta em defesa da universidade pública:

 — Os três segmentos da universidade seguem unificados numa mesma luta: a defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada. As especificidades referentes às carreiras se diluem no projeto maior que é a garantia de direitos dos mais velhos e dos mais jovens. No projeto de carreira que ressaltamos na pauta da greve está contido o direito de aposentados e jovens estudantes se situarem no mundo do trabalho de forma digna. O projeto de carreira do Andes-SN, por exemplo, inclui demandas dos que caminham e caminharam buscando qualificação profissional, dedicam-se e dedicaram-se exclusivamente à universidade durante um largo tempo de suas vidas, e atinge os que chegarão. O que ocorre na Grécia, na Espanha, para exemplificar, informa o destino que se apresenta nesses planos e ações do governo para os trabalhadores. As lutas por moradia estudantil, biblioteca, bandejão e bolsas de estudo em qualquer campus envolvem denúncias sobre as falsas promessas contidas no Reuni e propagandas que o populismo, como marca deste governo, não sustenta – completa a Dra Gelta.

Desmascarar governistas e centristas

Igor Mendes destaca que, apesar do desgaste e rechaço do oportunismo pelos setores da universidade em luta, ele ainda encontra espaço para manobras, o que exige atenção e combate:

 — Entendemos que esse processo não é linear, e que os setores governistas não vão ficar de braços cruzados admirando a situação. Tanto que em várias Ifes os próprios reitores têm corrido a apoiar a greve, visando com isso talvez impedir que as mobilizações se voltem contra suas administrações. Embora a responsabilidade maior pela implementação do Reuni e dos sucessivos cortes de verbas seja, claro, do governo federal, as burocracias acadêmicas que dirigem os Conselhos Superiores não podem se isentar de culpa e fingir que o problema não é com elas. Afinal de contas, quem cedeu às pressões do governo e cometeu toda série de atropelos contra a já escassa democracia interna na universidade quando da “aprovação” do Reuni, foram justamente essas reitorias que tentam, agora, “tirar o corpo fora”.

— Outra questão é que a própria Une – acreditem se quiserem! – declarou seu “apoio” à greve e, inclusive, participou de reuniões do comando de greve nacional. Essa manobra deve ser desmascarada sem descanso, e para isso basta pegarmos o histórico recente de luta nas universidades: a Une/PT/pecedobê são simplesmente os mesmos que defenderam, desde o primeiro dia do governo, todas as medidas da “reforma” universitária, inclusive o Reuni, fazendo “caravanas” para a sua implantação, se opondo às greves e ocupações de reitoria que ocorreram pelo país. Essa mesma entidade governista que cansou de receber ministros e os gerentes Dilma e Luiz Inácio em seus pseudo-congressos. O que eles querem é uma greve que não ataque o governo federal, são a favor de uma greve que não denuncie o nefasto papel do Reuni, uma greve que não avance para formas mais radicalizadas de luta como ocupações de reitoria…

— Aqui entramos em cheio no problema do centrismo de PSOL/PSTU. Na verdade, o PSOL está na Une e o PSTU atua sempre em função de chamar a Une para a “unidade”. A tal “unidade” com esses setores, na verdade, enfraquece o movimento, pois atrai quem está interessado em limitar a sua amplitude, e serve a “embelezá-los” diante dos estudantes. A greve tem um inimigo claro, que é o governo, e um alvo claro, que é o Reuni, e os sucessivos cortes de verbas impostos por esse mesmo governo de oportunistas. Essa é a linha de demarcação que sob nenhum pretexto pode ser rebaixada.

Caminho democrático x caminho burocrático

O estudante de Geografia conclui apontando o que considera expressar a luta entre os caminhos democrático e burocrático na greve e seus possíveis resultados:

 — Um dos caminhos conduzirá para transformá-la em uma greve de “desgaste”, de imobilismo, centrando tudo na negociação com o governo e em “marchas a Brasília”; uma greve restrita aos aspectos econômicos e que não aborde problemas políticos urgentes, como o da democratização das universidades e o papel da ciência de servir ao povo. Esse caminho não tem prevalecido, mas com o passar do tempo, e o início do que seria o período de férias, é um perigo contra o qual devemos estar alertas.

Outro caminho é o da greve combativa, radical tanto nas suas reivindicações quanto nas mobilizações e métodos de luta. Esse é o caminho que coloca o problema da democracia interna nas universidades, bandeira histórica dos estudantes brasileiros; o caminho que rechaça quaisquer ilusões com o governo e que sabe que as negociações só vão referendar o que for conquistado nas ruas; o caminho que dê um basta ao Reuni, ao Prouni, às fundações privadas e ao ensino à distância, que aborde o problema da assistência estudantil, da creche universitária, etc.. Trilhar esse caminho é realizar assembleias, atos de rua, ocupar reitorias, trazer para dentro das universidades debates sobre as grandes questões nacionais e internacionais, normalmente ausentes de seu cotidiano. Enfim, o caminho que faça da greve um momento de mobilização e politização da universidade, resgatando as melhores tradições das jornadas de 66-68. Sabemos que esse caminho só pode ser concretizado conforme os estudantes, setor mais numeroso e dinâmico das universidades, mantenham sua independência na greve, em unidade com os professores e funcionários mais combativos. Esse é o caminho que o MEPR considera o mais consequente, pelo qual trabalharemos ativamente para que se concretize – conclui Igor.

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