60 anos de permanente “exceção” e aberta repressão na Colômbia

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60 anos de permanente “exceção” e aberta repressão na Colômbia

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/52/14.jpgA Colômbia costuma ser considerada como uma das democracias, pelo menos do ponto de vista formal e burguês, mais antigas e estáveis da América Latina. Neste país "não houve" regimes militares, mas sua "democracia" teve nas últimas 6 décadas algumas interrupções, sob consecutivos estados de sítio nos quais foram perpetrados uma série de violações aos direitos do povo, que numericamente superam amplamente as ditaduras militares ocorridas na América do Sul. Um pequeno dado que pode causar arrepios é que até pouco tempo atrás as forças militares e paramilitares realizavam mais execuções extrajudiciais do que no Chile durante os 17 anos da gerência militar de Augusto Pinochet.

O Plano Colômbia, aplicado durante o mandato de Andrés Pastrana (1998-2002), logo após um acordo com o Estado ianque, teve como pano de fundo essa permanente situação de "exceção". A remoçada e refinada versão repressiva do Plano Colômbia, denominado atualmente de "Plano de Segurança Democrática", executado pela gerência de Álvaro Uribe Vélez, não se distancia dessa "excepcionalidade"; ao fim e ao cabo ambos respondem a um projeto histórico de sofisticação da repressão e militarização da sociedade colombiana.

Nestes 60 anos, tais modelos repressivos foram orientados para a luta contra a guerrilha colombiana e, posteriormente — a partir da década de 1970 –, cresceu a esfera de ação para o narcotráfico, ainda que uma revisão exaustiva dos componentes destes planos também demonstre que o objetivo primordial foi, e é, o controle militarizado de todo povo colombiano. Por isso, não é gratuito o apoio econômico, mediático, militar e político que o USA tem oferecido a este país nos marcos do "Plano Colômbia", para o qual foi destinado um enorme financiamento para a aplicação dessas políticas repressivas. Não é estranho que a coordenadora dos Estados imperiais da Europa — União Européia — consagre o Plano de Segurança Democrática(1). E a partir desses fatos, se esclarece porque hoje o modelo hiper-repressivo colombiano goza da simpatia dos especialistas na repressão mundial ao ponto destes converterem Bogotá e o Palácio de Nariño(2) em seu templo de veneração(3).

60 anos de aberta repressão

Em muitas constituições políticas do mundo, em particular nas da América Latina, o estado de exceção costuma ser decretado para prever situações de comoção interna que afetam a ordem pública ou a segurança interna de um país. Entretanto, as leis marciais que declaram estas situações anormais e temporárias, ao serem aplicadas por Estados democráticos de araque, se transformam em leis permanentes, onde as supostas garantias cidadãs estabelecidas por suas próprias cartas magnas não são mais que um florido conjunto de palavras que fazem menção a liberdades que jamais serão preocupação destes Estados.

Na Colômbia, são praticamente 60 anos — com pequenos intervalos — que o povo colombiano padece nesse estado "permanente de exceção", no qual foram deixadas de lado todas as garantias constitucionais, governando-se por decreto, sendo concedidos amplos poderes às forças militares para se encarregarem do poder público, tornando irrelevante e irrisória toda fachada democrática.

 Em 9 de novembro de 1949, o presidente Mariano Ospina Pérez fechou o Congresso durante o período de guerra civil (1948-1953), conhecido como "A Violência". Em 1957, no governo de fato do General Rojas Pinilla (1953-1957), o Partido Liberal e o Partido Conservador se uniram num acordo político denominado "Frente Nacional" para se alternarem no poder sem a interferência de nenhum outro partido político.

Sem dúvidas, a história colombiana reflete todo um verdadeiro recorde de autoritarismo e militarismo em contextos de governos "democráticos", que demonstram que há manipulação de civis por militares.

Houve uma breve interrupção do estado de sítio em 5 de julho de 1991, data que entrou em vigência a Constituição de 1991 e uma suposta pretensão de limitar os poderes militares impostos nas situações de exceção através de mecanismos constitucionais inseridos na Constituição Política de 1991, onde foram definidos os marcos para a declaração de estado de comoção interior, que foram reforçadas mais adiante em 1994 com a Lei Estatutária nº137. Em tal situação, os governos colombianos seguiram empregando a imagem do "estado de comoção interior" ou "estado de exceção", bem como a Lei de Segurança Nacional de 2001, que tentou estabelecer um estado de exceção permanente.

As medidas determinavam a subordinação das autoridades civis ao comando militar em muitos assuntos de ordem política; registro de residência e circulação da população sob controle militar; restrição do direito de circulação e residência através de medidas como: o toque de recolher, repressões militares, salvo-condutos especiais para o trânsito, circulação ou permanência restringida ou proibida de pessoas ou veículos em horas e lugares determinados, como também a obrigação de informar as autoridades sob a ameaça de penalidades, caso isso não ocorresse.

O povo como alvo

Desde a década de 1960 os governos colombianos tentaram frear a luta armada com uma política anti-subversiva baseada na Doutrina de Segurança Nacional impulsionada pelo USA no contexto da Guerra Fria. Embora na Colômbia tal doutrina não tenha chegado aos níveis alcançados pelos demais países da América do Sul — quase todos envolvidos no chamado "Plano Condor" — ela se instalou implacavelmente, de maneira estrutural, no núcleo das políticas de segurança aplicadas na Colômbia no decurso dos governos subsequentes.

Concretamente a repressão não se destina somente aos guerrilheiros, mas também contra toda forma de oposição ao status quo colombiano. Inclusive, hoje em dia a condição de classe, pobreza, miséria, etnia ou a afro-descendência são critérios para que gente do povo seja catalogada como "inimigo interno". Paralelamente, a aplicação colombiana desta doutrina estimulou os pecuaristas e latifundiários da região de Magdalena Médio a se armarem legalmente para combater a guerrilha, a partir do qual se formaram os grupos paramilitares denominados "grupos de autodefesa".

Já na década de 1980 aumenta a "guerra suja" e os grupos paramilitares ganham maior ímpeto, tornando-se diários os assassinatos seletivos de caráter político; os desaparecimentos forçados e os massacres, especialmente de camponeses, uma campanha de extermínio dos setores opositores ao establishmen(4), como por exemplo, a União Patriótica — um partido que surgiu de um setor dissidente das Forças Armadas Revolucionária da Colômbia (FARC) — que após uma negociação com o governo de Betancur(5), perdeu mais de 2.500 de seus membros assassinados ou desaparecidos, a maioria deles eram autoridades locais e deputados eleitos através de processos eleitorais, em meio ao uso e abuso de estados de exceção.

Pastrana e o Plano Colômbia

A tradição repressiva na Colômbia que, sem dúvida alguma, deu forma a uma verdadeira "escola de repressão e morte", tem uma vantagem sobre a abominável "Escola das Américas", com sede no Panamá, que é de contar com um "laboratório social" à disposição para praticar genocídios, aprimorar mecanismos repressivos e promover campanhas psico-sociais às custas do povo colombiano.

Isto explica de certa forma o porquê deste país sul-americano ter sido eleito pelo USA para aplicar o chamado Plano Colômbia. Quando, sob a proteção do governo de Clinton, o governo colombiano anunciou em 1998 o lançamento do chamado "Plano Colômbia", mesmo que tenha sido vociferado como um "Plano Integral de Paz", ainda assim este Plano se tratava de um grande pacote de ajuda militar, política, mediática, psico-social e financeira destinada a combater a guerrilha por meio da vigilância eletrônica, obtenção de inteligência sobre posições e rotas, dedetização das plantações de coca nas regiões controladas pela guerrilha. Com este Plano, a Colômbia passou a ser um dos principais países a receber ajuda militar do USA no mundo.

Uribe e o Plano de Segurança Democrática

Com a chegada de Álvaro Uribe à Presidência da Colômbia em agosto de 2002, o Estado colombiano promove, em nome da "luta contra o terrorismo", uma nova política de segurança. Esta política denominada de política de "segurança democrática", a mesma que foi fortemente inspirada na linha e medidas adotadas já pelo governo anterior do presidente Andrés Pastrana (1998-2002).

Esta política gira em torno das negociações entre o Governo e grupos paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e a desmobilização dos ditos grupos dirigidos por latifundiários, que na realidade buscam a anistia dos membros dos bandos paramilitares autores de numerosos genocídios, bem como de assaltos e confisco dos terrenos de cultivo das populações camponesas e indígenas.

Outro aspecto é a incorporação da população civil na guerra suja através de uma série de programas, como o chamado "milhões de cidadãos em apoio a Força Pública" e frentes locais de segurança. Este programa consiste em formar uma rede nacional de informantes e de cooperação, frentes locais de segurança nos bairros e no comércio. Também contam com redes de vigilantes nas rodovias e campos sob a coordenação das forças militares. Até agora, estima-se que aproximadamente 2,5 milhões de pessoas já fazem parte desta rede de delatores.

O Plano ainda apela para a conformação de novos pelotões paramilitares, bandos similares ao conceito de "rondas camponesas", implementadas na luta anti-subversiva no Peru nos anos 80 e 90, aos quais foram denominados de "Soldados do meu povo". Na Colômbia existem 1096 municípios e em mais de 500 foram criados esses pelotões integrados por jovens que prestam serviço militar na mesma localidade onde vivem suas famílias, situação que tem como real intenção envolver na estratégia anti-subversiva não só os jovens, mas também toda sua família. Do mesmo visa utilizar esta população como bucha de canhão naquelas áreas onde as forças militares não podem garantir uma presença contínua de seus soldados profissionais, assim abaixando os custos da presença e controle territorial permanente das forças militares.

Faz parte também do Plano o programa "soldado por um dia", esquematizado pelo Grupo de Operações Sociológicas do Exército colombiano. Este programa está direcionado aos alunos de escolas e centros de ensino; as crianças são convidadas às instalações militares, onde brincam com os soldados vestidos de palhaços, usam a piscina, recebem bolo e refrigerantes e brincam nos tanques, enquanto os soldados lhes ensinam a manejar armas. Antes de retornarem a escola, estas mesmas crianças são recompensadas com uma nota de 20 mil pesos impressa com os dizeres: "O governo o recompensa. Você e sua família merecem outra oportunidade. Liberte-se já!" (detalhe referido a guerrilha). Propõem envolver os menores de idade em atividades de inteligência, transformar crianças em mercenários, expandir a rede de delatores em cada lugar, principalmente nos bairros mais pobres das cidades e as áreas rurais do país, com o interesse em que essas crianças entreguem seus próprios pais, no caso de "filhos de guerrilheiros". Na atualidade, este programa passou por drásticas modificações, tendo agora como público alvo trabalhadores em geral, jornalistas, empresários e autoridades civis.

Outros componentes do atual Plano de Segurança Democrática são as autorizações para o porte de armas de uso restrito aos serviços de vigilância e segurança privada e a "pessoas normais que provem à necessidade de seu uso". Além disso, se redefine a categoria de "armas de uso restrito", de tal modo que armas até então consideradas de "uso privado" da Força Pública — pistolas automáticas e submetralhadoras — seriam qualificadas de "armas de defesa pessoal especial", que podem ser adquiridas por particulares e pelos serviços de vigilância e segurança privada, com o que se busca uma maior militarização da sociedade colombiana. Finalmente, a política de segurança democrática, inclui reiteradas tentativas governamentais de ingerência direta do poder judiciário e de seus funcionários com o objetivo de submetê-los grosseiramente ao Poder Executivo, sem que se guarde o que se sabe sobre a tese da interdependência de poderes.


Notas
1 – Vide os seguintes artigos: "Colômbia deve manter a Segurança Democrática" Em: http://web.presidencia.gov.co/sp/2008/octubre/23/03232008.html . "Reino Unido destaca "melhoría" de segurança na Colômbia" Em: www.elespectador.com/articulo94435-reino-unido-destaca-mejoria-de-seguridad-colombia. "Governo do Reino Unido destaca avanços da Colômbia na segurança e Direitos Humanos". Em: http://web.presidencia.gov.co/sp/2009/marzo/26/30262009.html – textos em espanhol.
2 – Palácio do Governo da Colômbia.
3 – Vide artigo: "Especialistas mundiais na luta contra o terrorismo se reúnem esta semana em Bogotá" Em: http://web.presidencia.gov.co/sp/2009/marzo/30/01302009.html. – texto em espanhol.
4 – Stablishment ou establishment: grupo de indivíduos com poder e influência em determinada organização ou campo de atividade.
5 –  Belisario Betancur, militante do Partido Conservador, foi o 54º presidente colombiano governando no período 1982-1986.

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