90 anos de Luiz Gonzaga (e os dezembros de Gonzaga e Capiba)

90 anos de Luiz Gonzaga (e os dezembros de Gonzaga e Capiba)

Luiz Gonzaga do Nascimento, pernambucano de Exu, estaria com 90 anos de idade desde o último dia 13 de dezembro. A data não foi esquecida. Em vários pontos do País ainda estão pipocando festas em seu louvor. Bom, muito bom. Os grandes homens não podem ser esquecidos. Nunca.

Também estão sendo lembrados os quatro anos do desaparecimento do maestro, compositor, instrumentista e pintor bissexto Lourenço da Fonseca Barbosa, autor de clássicos musicais como a ciranda Oh! Bela, o frevo É de Amargar, o maracatu É de Tororó e o samba Recife, Cidade Lendária, entre outros. Capiba — apelido inspirado na histórica teimosia do jumento — nasceu no dia 28 de outubro de 1904 em Surubim, pequena cidade do agreste pernambucano localizada na região do Alto Capibaribe, a 120 quilômetros da capital, Recife, e morreu no dia 31 de dezembro de 1998. Parte da infância ele a viveu em Taperoá — terra do mestre Ariano Suassuna —, na Paraíba.

Gonzaga, de apelido Lua, era o segundo dentre nove irmãos.

Ao contrário do conterrâneo Capiba, de uma família de 11 irmãos, entre eles três mulheres, o coautor de Baião e da toada Asa Branca era de origem humilde, pobre mesmo, e cedo, muito cedo, viu-se, como seus irmãos, obrigado a ajudar na manutenção da casa de todas as maneiras possíveis. Começou a puxar fole ainda moleque, apoiado pelo pai, Januário, mas a contragosto da mãe, Santana, responsável, aliás, pela surra homérica que o levou a fugir de casa aos 17 anos e a ingressar prematuramente nas fileiras do Exército, no Ceará. No Exército, foi corneteiro; o corneteiro nº 122. Tocava esse instrumento para se alimentar melhor na caserna, como fizera também o futuro maestro cearense de Iguatu Eleazar de Carvalho, que tocou tuba. Músico no Exército é tratado como gente, dizia, come melhor…

Capiba saiu de Surubim com a família em direção a Carpina, ainda Pernambuco, depois a Batalhão, hoje município de Taperoá; de Taperoá foi para Campina Grande e de lá para Recife. Em Recife criou uma orquestra de jazz, da qual era o regente; seus "músicos", universitários. Percebeu que teria de estudar para ficar em pé de "igualdade". Foi reprovado na primeira tentativa de entrar na faculdade. Na segunda passou raspando e formou-se em Direito, cujo diploma, porém, jamais foi buscar. Nunca advogou.

Gonzaga não chegou a tanto, como também não chegou a tanto o poeta matuto Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, que freqüentou apenas três ou quatro meses de escola pública. Gonzaga virou rei; Patativa, o mais importante poeta popular brasileiro em todos os tempos, com direito a ter a obra estudada na Cadeira de Literatura Popular Universal da Sorbonne, Paris, nos anos 70.

Três livros já foram lançados sobre Capiba. Sobre Luiz Gonzaga 13, incluindo Eu vou Contar Pra Vocês (Ed. Ícone), de minha autoria. O mais recente, Luiz Gonzaga, a Música como Expressão do Nordeste, resultante de uma tese universitária escrita por José Farias dos Santos, deverá ser lançado no começo do primeiro semestre de 2003 pela Ibrasa. Lembro, no prefácio, que o rei do baião começou a gravar em 1941, e que num mesmo dia, 14 de março, ele registrou com sua sanfona — mas sem o seu canto abaritonado e em cera de carnaúba para a extinta Victor — uma mazurca, duas valsas e um xamego em dois discos de 78 rpm. Mas, antes disso, apresentava-se ao lado do violonista português Xavier Pinheiro, tocando fados, mazurcas, polcas e fox-trot, entre outros ritmos em moda à época, na zona do meretrício carioca. Os dois tocavam de dia as músicas que aprendiam de noite no rádio. Até que surgiu na vida de ambos um grupo de estudantes liderado por Armando Falcão, que viria a se tornar ministro da Justiça do general-presidente Ernesto Gei sel, aconselhando-os a mudar o repertório estrangeiro por um repertório genuinamente brasileiro. Quem diria, hein? E assim foi feito: o baião virou ritmo e ganhou um rei…

Como Gonzaga, Capiba também tocou e compôs em muitos ritmos, com estilo. A sua primeira música, Flor das Ingratas, era um tango que ganhou o 1º lugar num concurso musical promovido pela revista carioca "Vida Doméstica", em 1929. Um ano depois teria classificado o samba Não Quero Mais em 4º lugar, num concurso de marchas e sambas promovido pela revista "O Malho", também do Rio, e gravado por Francisco Alves (artista contratado da pioneira Casa Edison) com acompanhamento da Orquestra de Simão Boutman. Detalhe: nesse samba, Capiba aparece com o pseudônimo Pé de Pato… Um CD em homenagem a Capiba acaba de ser lançado, com alguns dos seus frevos e canções interpretados por Chico Buarque, Gal Costa, Caetano Veloso, Milton Nascimento, João Bosco, Ney Matogrosso e Maria Betânia. A renda destina-se à campanha Natal sem Fome, criada pelo sociólogo mineiro Herbert de Souza, o Betinho. Os arranjos são do violonista Raphael Rabello e do próprio Capiba. Enquanto isso, no Senado prepara-se a assinatura de um projeto instituindo o Dia Nacional do Forró que sugeri, ano passado, à deputada paraibana Luiza Erundina. Esse projeto já passou pela Câmara.


Assis Angelo é jornalista e estudioso da cultura popular, autor de vários livros sobre música e folclore e também produtor apresentador de um dos programas radiofônicos de maior audiência no país. Trata-se de São Paulo Capital Nordeste, transmitido pela Rádio Capital AM 1.040, nas noites de sábado, entre as 21 e 23 horas.
Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: