A água: quem é o dono?

A água: quem é o dono?

A água, fundamental para a vida, indispensável em todas as atividades humanas é, hoje, objeto de intenso assédio de corporações transnacionais para transformá-las em “mercadoria”, afastando-a de ser um direito humano. Sendo absolutamente necessária ninguém conseguirá escapar à submissão imposta pelo cartel que está se formando com todo um cortejo de tarifas absurdas e corrupções.

Manifestação contra a privatização da água, Cambuquira, MG

 

Urge desencadear um grande alerta para que a população possa estar consciente da gravidade do futuro que se delineia se não for deflagrada uma tenaz resistência.

Surge, então, a primeira discussão fundamental na gestão das águas: é verdadeiramente pública ou privada e monopolista?

Com os estudos publicados no livro Água, organismos internacionais e corporações financeiras versus humanidade, está evidente que a privatização, ainda atingindo dez por cento no mundo, já se revela inteiramente nefasta para a população em geral.

Assim, enumeramos os argumentos contra a privatização.

Água é o bem essencial de vida, insubstituível, o que torna obrigatória uma universalização com acesso à toda a população, sem exceções ou discriminações. Mas a privatização, pior, o monopólio dos bens materiais de existência, é a antítese da universalização. A gestão particular, realizada por monopólio, só admite os bens ou os serviços deles decorrentes se lhe possibilita o lucro, além disso, o lucro máximo. Afora isso, ocorre a exclusão, sem dó nem piedade.

Os animais irracionais excluem seus concorrentes (até os da mesma espécie) em função das limitadas fontes de alimentação, quando o concorrente não é a sua própria fonte de alimentação. Mas o homem trabalha, é o animal social que transforma a natureza e a própria sociedade. Natureza e homem não se separam.

Quando os regimes de produção se tornam caducos, eles passam a ameaçar a natureza e principalmente a sociedade humana.

É mentirosa toda essa sistemática contra-propaganda que afirma ser o homem o grande culpado pela destruição da natureza. A crise ecológica é a crise do imperialismo. Portanto, é a agonia de algumas classes e seu sistema que oprimem a esmagadora maioria dos povos no mundo, que roubam todas as condições de vida material da população do planeta, que tudo transformam em monopólio privado.

Fatalismo justifica monopólios

Os inescrupulosos ideólogos do imperialismo são os grandes apologistas das catástrofes. Nunca explicam porque a humanidade está morrendo de fome, porque os países são invadidos, porque a obtenção dos bens materiais vem se tornando a cada dia mais escassa e proibitiva no comércio. Toda culpa recai na natureza humana ou no fatalismo geográfico.

Claro que o meio geográfico influi no desenvolvimento da sociedade, mas o determinante são as transformações sociais obtidas mediante os regimes de produção nas suas correspondentes fases progressistas, ou seja, nos momentos em que cada um deles corresponde a uma conquista autenticamente democrática.

Há o exemplo clássico de que em três mil anos a Europa conheceu cinco regimes sociais diferentes: o comunismo primitivo, o escravismo, o feudalismo, o capitalismo e os primeiros dias do socialismo. E, em todo esse tempo, as condições geográficas praticamente não mudaram. Ao contrário, os trabalhadores, ao longo desses séculos, possibilitaram imensas facilidades de obtenção dos bens naturais,o que prolongou a vida humana.

Mas o escravismo antigo arruinou as terras do Mediterrâneo, o feudalismo, já caduco, destruiu as montanhas da Grécia e de grande parte da Europa. O capitalismo livre-cambista destruiu os prados e bosques ingleses de imensas regiões, transformando-os em rudes pastos que trouxeram seguidas enchentes e a morte de milhões de seus habitantes.

O capitalismo, ao norte da América, roubou as terras indígenas, eliminando fisicamente seus habitantes, para converter em desertos a maior parte do território ianque. Na sua fase imperialista, as corporações mundiais poluem a natureza, fazem esgotar as mais preciosas reservas de matéria prima, adulteram produtos farmacêuticos, controlam e envenenam os alimentos básicos, fazem povos inteiros viverem ao relento etc. No período da China revolucionária, a democracia popular interrompeu as inundações catastróficas. Com o retorno do imperialismo e do latifúndio, várias vezes por ano as enchentes destroem plantações e vidas. A Amazônia brasileira, agora passou a conhecer a seca.

A água nasce na fonte, surge pela natureza. Por que tem que ser cobrada e ficar na mão de um grupo financeiro (até pertencentes ao capital monopolista estrangeiros) ávido de “lucro máximo?”.

Há muito discurso de “qualidade” e de “conscientização” sobre questões secundárias. Mas, o principal: por que colocar os meios de produção, toda a natureza, os “padrões de qualidade” e principalmente as faculdades físicas e intelectuais e milhões e milhões de trabalhadores nas mãos de um punhado de corporações que atendem principalmente aos seus acionistas majoritários enquanto proíbem a humanidade inteira de ter acesso aos bens materiais de maneira livre, quando são os trabalhadores que os produzem ou os transformam e distribuem?

Nas localidades onde já transformaram a água em monopólio privado, constatam-se barbaridades geradas pela visão “empresarial” (dar outros nomes ao crime possibilita que sua imagem seja menos horrenda), voltada para crescentes lucros diante de grandes prejuízos sociais.

Quem, por alguma dificuldade grave, deixa de pagar a água que, sendo essencial é sempre objeto de muita atenção no cumprimento do compromisso, é tratado como um “criminoso”, “inadimplente”. O fornecimento de sua água é cortado, às vezes, com apenas dez dias de atraso numa norma que não existe nem quando se compra um objeto de consumo tradicional (rádio, móveis, geladeira etc.) que só podem ser tomados após tramitação judicial.

Há empresa concessionária privada de água que remaneja registros regionais e instala redutores para diminuir os fluxos para as áreas inadimplentes, produzindo falta do líquido mesmo para os que estão em dia com os pagamentos.

Somente admitem extensão de rede se houver “viabilidade econômica”. Sem retorno financeiro a água jamais será ligada e frequentemente o custo da ligação é muito alto.

A mais importante constatação é a de que os monopólios privados, nas gestões de água, estão preocupadas apenas com o fluxo de dinheiro que ela proporciona.

Sendo o bem essencial, nenhuma família vive com condições dignas sem água. Se por qualquer razão o consumidor estiver incluído em cadastro de inadimplência sua água não é ligada! É um excluído… da vida!

As tarifas cobradas dos monopólios privatizados, “concessionários” de água, são elevadíssimas. Só para exemplificar, em um município do Rio de Janeiro, quando estatal, o metro cúbico custava R$0,39 passando para R$10,75 com a privatização. Um incrível aumento de 2600%.

Em resumo, a espoliação da população e a busca de hiper-resultados financeiros são a essência do processo de privatização (e até de desnacionalização).

Quais os resultados?

Com a água, em especial, que tal a experiência de privatização?

E péssima em todo o mundo.

Na Europa, em que somente dois países têm a água nas mãos de monopólio privado -Reino Unido e França -, o prefeito de Grenole (França) está preso (1995) por corrupção e suborno junto com um diretor da Suez.

A maior empresa de água no mundo, a Suez, é o grande exemplo de que a água não deve ser privatizada.

Suez causa problemas em Milwauke, Atlante e Houston, nos U.S.A; Delphin, Índia; Halifa, Canadá; Johannesburgo, África do Sul; Buenos Aires, Argentina; Elpaso e La Paz, Bolívia.

A segunda empresa Vivendi (hoje Veolia) atuando predatoriamente em São Lourenço, como Nestlé, ré em processo do Ministério Público, fez agora um acordo para cessar os aspectos nefastos da sua atuação.

Mesmo acionistas minoritários (como Sanedo), num estranho acordo de acionistas assumiram a Sanepar, empresa estatal de água e saneamento do Paraná, e só recentemente o governo do Paraná — Governador Roberto Requião — conseguiu, na justiça, recuperar o controle público da empresa.

Por todos as razões expostas, água, o bem essencial da vida só pode ter gestão pública — e que o povo realmente controle tudo.


Rui Nogueira é medico — pesquisador — escritor
e-mail:[email protected]
Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: