A ameaça anticientífica que paira sobre a educação

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A ameaça anticientífica que paira sobre a educação

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/41/09.jpgNo início do ano, pouco antes de a exposição mundial sobre Charles Darwin aportar no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, a ministra do Meio-Ambiente da administração Luiz Inácio, Marina Silva, meteu-se como palestrante na terceira edição de em um evento chamado "Simpósio Criacionismo e Mídia". O evento prestigiado pela ministra foi promovido pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo para promover idéias contrárias à difusão de conhecimento científico entre as massas.

Ex-aspirante a freira e viajando a São Paulo com as despesas pagas pela igreja Assembléia de Deus, a ministra defendeu a difusão da crendice criacionista nas salas de aula das escolas brasileiras, dizendo que ela seria tão legítima quanto a teoria científica da evolução.

Desta forma, Marina Silva avançou sobre o Estado laico, fez repercutir o obscurantismo e, de quebra, deu uma força ao movimento anticientífico que ora se reforça para contra-atacar, ou seja, para reagir à evidência ainda maior que o evolucionismo vem ganhando com a proximidade dos 200 anos de nascimento de Charles Darwin, a serem comemorados em 2009.

Na mesma semana em que Marina Silva apostolou o ensino de doutrinas obscurantistas nas escolas do nosso país, surgia no USA uma revista criacionista que reivindica o caráter de publicação científica, com o respaldo de pretensos acadêmicos que exercem a função de censores dos artigos enviados para publicação.

Ao contrário do que possa parecer, não se trata de mera provocação o fato de se reivindicar status científico a frases como, digamos, "haja luz!"; trata-se, na verdade, de uma campanha de marketing cuidadosamente concebida.
A publicação, denominada Answers Research Journal, foi criada pela mesma organização que no ano passado desembolsou 27 milhões de dólares para construir um museu do criacionismo no estado do Kentucky.

Ambas as iniciativas fazem parte de uma estratégia de enfrentamento desencadeada pelos criacionistas do USA contra os tribunais ianques, em nome da insistência de se ensinar histórias bíblicas como verdades históricas — e científicas — nas escolas de lá.

Criacionismo eleitoral

No USA, para o bem do seu povo trabalhador, recentes decisões judiciais praticamente enterraram as possibilidades de o criacionismo passar a ser ministrado de forma massiva nas escolas públicas em detrimento das teorias científicas sobre a origem das espécies, como queriam os obscurantistas mais ferrenhos.

Segundo o diretor de um observatório de educação sediado na Califórnia ouvido pela revista científica britânica Nature, publicações como esta nova revista pseudo-científica fazem parte de uma ofensiva movida pelos criacionistas do USA para tentar escorraçar a ciência dos currículos escolares de algumas localidades. Para isso, apelam à parcela da opinião pública que é adepta da crendice criacionista.

E lá esta parcela não é pequena. Segundo o editorial de uma edição deste ano da própria revista Nature, metade da população adulta do USA não acredita na teoria científica do evolucionismo. O criacionismo é muito forte em algumas regiões ianques mais reacionárias, provavelmente aqueles que sustentam o fundamentalismo religioso professado e praticado por Bush.

Recentemente, Mike Huckabee, um ex-pastor batista e pré-candidato à presidência ianque pelo partido Republicano, conseguiu sua única vitória nas prévias eleitorais do USA no conservador estado de Iowa.

Ele ganhou recorrendo exatamente a um discurso messiânico, apelando ao "espírito cristão" dos eleitores, e afirmando que seus correligionários deveriam comparecer às urnas "não armados até os dentes e dispostos a eliminar os adversários, mas de joelhos, clamando pela sabedoria de Deus".

Criacionista ardoroso, Huckabee instrumentalizou o obscurantismo e a cegueira religiosa muito presentes em Iowa para deixar seus adversários para trás.

Em um debate com os outros pré-candidatos republicanos, ele disse ser tolerante "com quem acredita ser descendente de um macaco", mas que este não era o seu caso. Esta arrogância, este orgulho de se posicionar contra as teorias científicas lhe rendeu votos, mas enfureceu os que viram nisso ameaças ao Estado laico.

Em outra ocasião, perguntado sobre qual seria a razão de sua crescente popularidade, Mike Huckabee saiu-se com esta pérola da ignorância:

— Só pode haver uma explicação, e ela não é humana. É o mesmo poder que permitiu que um menino com dois peixes e cinco pães alimentasse uma multidão de cinco mil pessoas. E essa é a única maneira que nossa campanha pode fazer o que está fazendo.

Cronologia

No USA, a reação criacionista à teoria científica da evolução humana remonta aos tempos do próprio Charles Darwin.
Já no fim do século XIX e início do século XX, com o maior desenvolvimento de áreas como a biologia e a astronomia, as escolas ianques passaram a ensinar conteúdos considerados contrários aos preceitos da fé cristã. Os criacionistas exigiram providências, e vários estados do USA adotaram leis anticientíficas.

Em março de 1925, o estado do Tenessee proibiu, através de uma lei conhecida como Butler Act, o ensino de "qualquer teoria que negue a história da Criação Divina do homem como é ensinada na Bíblia, e ensinar em vez disso que o homem descendeu de uma ordem inferior de animais". Um professor chegou a ser condenado em um processo que ficou conhecido como "julgamento do macaco".

Em 1957, durante a Guerra Fria, a União Soviética lançou ao espaço o Sputnik, o primeiro satélite artificial e um marco da ciência moderna. O USA, ferido e assombrado pelo fantasma da ignorância, ensaiou sacudir a poeira do misticismo dos currículos de suas escolas. Foram escritos novos livros didáticos, que foram supervisionados pela Fundação Nacional para a Ciência.

As leis antievolução começaram a ser revogadas, mas só em 1968 a Suprema Corte do USA aboliu completamente a proibição ao ensino das teorias evolucionistas nas escolas ianques.

Na década de 1980, os criacionistas sofreram novas derrotas nos tribunais ianques.

Em 2005 houve uma decisão igualmente importante, que significou um novo revés para os arautos do obscurantismo: um tribunal da Pensilvânia declarou inconstitucional o ensino de teorias antievolucionistas em escolas do USA. Foi o desfecho de um processo movido por pais de alunos de uma escola da Pensilvânia, depois que, em 2004, os professores do distrito escolar de Dover foram obrigados pelo respectivo conselho de educação a desqualificar a teoria desenvolvida por Darwin.

Mais do que isso, os alunos foram incitados à leitura de um livro chamado Sobre Pandas e Pessoas, considerado uma obra de referência para o reacionarismo criacionista. Uma referência mais especificamente para a versão renovada da teoria anticientífica, chamada "desenho inteligente", conceito atrás do qual os obscurantistas se entrincheiraram depois das sucessivas derrotas judiciais que sofreram.

O que se chama de "desenho inteligente" não é nada mais do que, nas palavras do diretor do Museu de História Natural da Universidade de Kansas, "criacionismo vestido com smoking barato".

Mas é através da nova idéia de "desenho inteligente" que os velhos criacionistas tentam agora atribuir ares de ciência justamente à natureza anticientífica daquilo que apregoam.

O embuste do ‘criacionismo científico’

O "desenho inteligente" é uma corrente criacionista que surgiu no USA por volta de 1920, quando as teorias anticientíficas desta espécie se desdobraram em diversas vertentes que mal escondiam a pressa atrapalhada dos obscurantistas de adaptar suas lendas às descobertas da ciência moderna.

Um exemplo foi o "criacionismo do dia-era", segundo o qual os sete dias que, segundo o mito, deus levou para criar o mundo significam na verdade uma escala de milhões de anos. Outro foi o "criacionismo da terra jovem", segundo o qual a explicação para a existência dos fósseis é o dilúvio bíblico.

Diante das evidências científicas cada vez mais contundentes sobre a evolução, os criacionistas reagrupados na estratégia do "desenho inteligente" defendem a idéia de que houve a influência de uma inteligência superior na criação do céu, da terra, do mar, e das criaturas que neles habitam — inclusive nós, humanos.

Esta tentativa de emplacar um "criacionismo científico" tem seu eixo exatamente na campanha para incluir essa pregação cristã em currículos escolares laicos, ou pelo menos para deixá-la em pé de igualdade com o ensino da teoria da evolução.

O termo original, intelligent design, foi estrategicamente escolhido para cumprir a própria natureza marqueteira desta atualização do criacionismo. Em inglês, a palavra design significa "projeto" — além de "desenho". Projeto enquanto desígnio, imperativo divino. A expressão God’s design significa "desígnio de Deus".

Os adeptos do "desenho inteligente" contam até com um órgão especializado em demonstrar esmero para comprovar cientificamente suas crendices, o Discovery Institute, com sede na cidade de Seattle. Um falso esforço obviamente destinado não ao fracasso, que não é disto que se trata, mas sim à difusão do obscurantismo.

Aparentemente há apenas uma diferença entre os criacionistas e os adeptos do "desenho inteligente".
Os primeiros dizem acreditar que de fato um deus criou o mundo em seis dias — incluindo Adão e Eva — e depois descansou, em um entendimento literal da Bíblia.

Os segundos não negam que as espécies evoluíram, mas dizem que a evolução começou a partir de uma idéia original, de um ato fundador, da vontade de um criador que, com seus desígnios, teria dado uma espécie de pontapé inicial.
Na verdade, um chega para atualizar o outro; o segundo é a roupa nova do primeiro. Num e noutro, o misticismo permanece — e prevalece — para prejuízo do esclarecimento proporcionado pela ciência e do conhecimento científico que pode e deve ser utilizado em prol da emancipação humana.

Criacionismo e anticomunismo

O fundamentalismo criacionista é de matriz ianque, mas seus males ecoam em todo o mundo. Fora do USA, a ministra Marina Silva não é, portanto, uma pregadora no deserto, por assim dizer. A ex-governadora do Rio de Janeiro Rosinha Matheus está aí para provar.

Quando esteve à frente do governo fluminense, Rosinha enfiou no currículo do ensino básico algo chamado "reflexões sobre a criação de Deus como um ato de amor", o que significa ensinar para as crianças que, se for menino, veio do barro e, sendo menina, veio da costela de Adão.

Na época, diante das críticas ao obscurantismo enquanto política educacional do estado, a então coordenadora de educação religiosa da Secretaria de Educação, Edilea Santos, chegou a debochar publicamente do povo, dizendo que o criacionismo não fazia parte do programa mínimo de aulas, "mas, se o professor quiser falar sobre isso, não temos como saber. Quando ele fecha a porta da sala, só Deus é testemunha".

Na Europa, a infiltração do fundamentalismo criacionista está acontecendo por intermédio de obscurantistas turcos. O líder do criacionismo neste país, o escritor Adnan Oktar — que usa o pseudônimo Harun Yahya — mantém contatos com criacionistas ianques, e, desde o início de 2007, um livro de sua autoria vem sendo remetido em grandes quantidades pelo correio, e por remetente anônimo, para bibliotecas da França, Espanha, Inglaterra e Alemanha.
Trata-se do livro Atlas da Criação. Os exemplares enviados são edições de luxo, com quase 800 páginas, o que indica um alto custo de produção e envio, e evidencia que há alguém por trás financiando em surdina esta campanha anticientífica. No livro, a legenda de uma foto dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York diz o seguinte: "aqueles que perpetuam o terror no mundo são na realidade darwinistas".

No meio da literatice obscurantista que recheia o Atlas da Criação, pode-se ler que o objetivo de seus propagadores é "denunciar as relações ocultas entre o darwinismo e ideologias sangrentas como o fascismo e o comunismo".
Em 1980, na própria Turquia, durante conflitos políticos ocorridos pouco antes de um golpe militar, a reação tentou desqualificar movimentos comunistas turcos perante uma população altamente religiosa, desencadeando uma campanha que espalhou a idéia de que o trabalho de Charles Darwin era um complemento ao trabalho de Karl Marx, autor do Manifesto Comunista.

Mas, diante da apropriação que o capitalismo fez da teoria da evolução de Darwin para utilizá-la contra as massas, este episódio soa apenas anedótico. O "darwinismo social" é uma das empulhações mais racistas e agressivas já difundidas pela burguesia contra o povo trabalhador.

O "darwinismo social" tenta aplicar a teoria da seleção natural desenvolvida por Darwin às relações sociais humanas. É utilizado pelos poderosos para tentar ludibriar o povo, dizendo que o proletariado é o responsável por seu próprio estado de pauperização, precarização e subjugação, eximindo assim a burguesia da exploração e da opressão que exerce sobre as massas.

O povo, no entanto, não pode se deixar iludir: é preciso recusar o obscurantismo criacionista, e ao mesmo tempo estar atento para os usos torpes da ciência com o fim de voltá-la contra o proletariado. É tempo de o progresso científico e o conhecimento humano serem direcionados única e exclusivamente em prol das massas!

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