A arte de alegrar o povo

ze do acordeom

A arte de alegrar o povo

Como tantos outros brasileiros que lutam com dificuldade pela sobrevivência, algumas vezes não conseguindo, o estofador José Adriano se viu em uma situação difícil, chegando a passar fome, e descobriu que a música que tocava por lazer, seria sua única fonte de renda, transformando-se no Zé do Acordeom, tocando em ônibus no Rio. Com sua arte reconhecida pelo povo, Zé conseguiu se reerguer e hoje toca em escolas, bares, festivais no Rio e fora dele.

ze do acordeomZé do Acordeom é um artista popular que aprendeu a tocar seu instrumento ainda na infância, sozinho, somente por observação. Natural de Petrópolis, ele é o mais velho de uma família de oito irmãos. Ainda solteiro, seu pai havia prometido que daria a sanfona de oito baixos que possuía, para o primeiro filho que lhe nascesse, sendo Zé o privilegiado.

— Aos cinco anos comecei a explorar o instrumento, escondido do meu pai e assim que consegui tocar uma música, mostrei para ele, que de tão emocionado chorou. A partir daí não parei mais de tocar. Lá em Petrópolis me apresentava em um programa de rádio chamado 'Clube do Guri', e aos 13 anos, em uma apresentação na rádio, ganhei um acordeom de 48 baixos, e só foi aumentando — conta Zé.

Ainda adolescente, chegou a cursar acordeom com o professor Jorge Santos, mas não pensava em ser músico profissional, tanto que se especializou em estofador e veio morar no Rio, montando uma pequena empresa.

— Fazia sofás e vendia para tudo quanto é canto, mas infelizmente tive um sócio que me deu prejuízo, e acabei perdendo toda a minha freguesia, ficando cheio de dívidas, sem lugar para morar, perdendo os três acordeoms que tinha, e chegando a passar fome — diz.

— Consegui ficar instalado em um quarto de hospedaria que cobrava sete reais por dia, mas chegou uma hora que também não podia pagar. Não tinha de onde tirar dinheiro. Foi exatamente neste momento que, indo ao Centro da cidade tentando encontrar tecido para forrar sofás, vi um acordeom exposto em uma loja — continua.

Zé se lembrou que poderia ganhar seu sustento tocando, já que certa vez havia vindo ao Rio se inscrever em um programa de auditório, acabou perdendo todo o dinheiro que tinha e teve a idéia de abrir seu acordeom e tocar em pleno calçadão da praia de Copacabana, o que, em poucas horas, fez com que ganhasse, das mãos de pessoas que passavam pelo local, mais que o valor que havia perdido.

— Peguei dinheiro emprestado com o patrão do meu filho e comprei o acordeom e comecei a tocar no mesmo dia. Num primeiro momento fiquei sem saber se abria e tocava ali mesmo, se ia para uma praça ou para um botequim, até que me veio aquela intuição: no ônibus. Entrei no primeiro que passou, falei para o motorista que estava desempregado, com fome e sem um centavo, ele liberou imediatamente — descreve.

— Em um curto trajeto consegui ganhar cinquenta reais. Desci na Presidente Vargas e a primeira coisa que fiz foi entrar em um restaurante e comer até ficar barrigudinho, e estava com tanta fome que me deu até sono. Depois fui para a hospedaria e pude pagar os atrasados. Isso foi há nove anos, e a partir daí nunca mais parei de tocar. Um ano e quatro meses depois, pude alugar um apartamento onde estou até hoje — continua.

Tocando nos ônibus Zé acabou conhecendo muita gente, e entre os passageiros, uma produtora que o levou para participar de alguns programas de televisão e por conta disso teve participação no filme Meteoro, no documentário Brasil é o bicho e no curta metragem Quando um burro fala, sempre tocando o seu acordeom, mostrando sua arte.

Para aperfeiçoar a sua técnica, conhecer teoria musical e poder ler partituras, que ele desconhecia totalmente, Zé do Acordeon ingressou na Escola Portátil de Música, que considera importantíssimo dentro do universo da música brasileira.

— Estudei com a professora Bia e o professor Cristóvão Bastos, duas pessoas fantásticas. Apresentei-me no 'bandão' da Escola, que acontece todo sábado, mas infelizmente tive que sair por falta de tempo, porque trabalho muito aos sábados, que é o dia que a Escola funciona — explica.

Viagem ao som do acordeom

Zé costuma tocar vários tipos de música como samba, choro, MPB e o tradicional forró, artistas conhecidos como Chico Buarque, Paulinho da Viola e Altemar Dutra, além de música francesa, portuguesa, espanhola, italiana e muito mais.

— Normalmente as pessoas me pedem para tocar as músicas que querem, e algumas vezes se levantam e começam até a dançar, outras ficam batucando. Também têm algumas que lembram de algo que passou em suas vidas e choram, outras ficam mais felizes ainda e riem, algumas pessoas cantam, enfim, tem de tudo. Certa vez eu toquei só samba enredo dentro de um ônibus e acabou virando um carnaval tão animado que até o motorista começou a se remexer (risos) — fala.

— Quando ninguém pede música, toco aquilo que me 'dá na telha'. Às vezes começo com um samba, depois uma valsa, depois um choro e daí por diante. Só cantar que eu não gosto muito. Acho até que tenho uma boa voz, mas nem começo para não pedirem que eu continue. Gosto mesmo é de tocar. Tenho de cabeça umas 2.500 músicas — afirma.

Segundo Zé, além do dinheiro, que é necessário para sua sobrevivência, o que mais gosta ao tocar seu acordeom é de poder fazer as pessoas felizes.

— Por várias vezes nos ônibus me disseram 'você alegrou o meu dia' ou 'você salvou o meu dia hoje', ou até 'você me deu um grande presente no dia de hoje'. Isso para mim é mais do que ganhar um dinheiro — diz emocionado.

O seu trabalho no ônibus é muito bem aceito, e Zé conta que quando apareceram os poucos que reclamaram, alegando que ele estava atrapalhando a viagem, tiveram que descer por não aguentar a pressão que fizeram os outros passageiros unidos em seu favor.

— Certa vez um passageiro chiou e o todo o povo do ônibus foi para cima dele dizendo que se estava de mal com a vida não podia obrigar os outros a ficarem também. Ele desceu no próximo ponto, com muita vaia. Outra vez um senhor pediu que o motorista parasse na delegacia de polícia. Então o policial entrou no ônibus e perguntou se eu estava incomodando e todos responderam que quem estava incomodando era justamente o homem que reclamou e não deixaram o policial me botar para fora — conta com alegria.

A área de atuação de Zé do Acordeom expandiu e atualmente quase não tem tempo para tocar em ônibus, com muitas apresentações em escolas, festas juninas, casamentos, aniversários, festivais, e outros eventos, dentro e fora da cidade. Também é músico contratado do Bar da Graça, no Jardim Botânico, zona sul do Rio, onde toca todas as sextas-feiras. E pretende gravar seu primeiro disco em breve.

— Estou decidido a gravar um cd porque as pessoas me pedem muito, em toda parte que me apresento. Pretendo escolher um bom repertório e fazer um trabalho bonito — declara.

Quem desejar contratar esse artista popular deve ligar para: (21) 8822-7348 e (21) 9118-9900.

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