Em cena na peça Dor e Amor, de Bráulio Pedroso
Nascido em Alegrete-RS, em 19 de outubro de 1940, Paulo César de Campos Velho, aos 16 anos iniciou, em Porto Alegre, a carreira de ator, adotando como nome artístico Paulo César Peréio, um antigo apelido.
Ao longo de seus 47 anos de carreira, Peréio participou de mais de 70 filmes, além de inúmeras peças de teatro e trabalhos na TV, dos quais se destacam as novelas O Salvador da Pátria, Mandala, Partido alto, Gabriela e Simplesmente Maria.
No cinema destacam-se os clássicos Os fuzis, de Ruy Guerra (1963); Terra em transe, de Glauber Rocha (1967); Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor (1973); Vai trabalhar, vagabundo, de Hugo Carvana (1973); A dama do lotação, de Neville D'Almeida (1975); A queda, de Guerra (1976); Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, de Hector Babenco (1977); Tudo bem, de Jabor (1978); Chuvas de verão, de Cacá Diegues (1978); Eu te amo, de Jabor (1980); Bar Esperança, o último que fecha, de Carvana (1982) e Dias melhores virão, de Diegues (1989).
Entre os prêmios que recebeu estão o Kikito de Ouro de melhor ator, no Festival de Gramado, por sua atuação em Noite (1985), e melhor ator coadjuvante em As aventuras amorosas de um pandeiro, de 1979. Foi agraciado também com o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília, por sua atuação em Chuvas de verão, de 1978.
Seu interesse em tornar-se ator, o levou a participar, e a vencer, alguns concursos de auditório em rádios de Porto Alegre. O desejo, transformado em consciência, ajudou Peréio a chegar ao teatro, onde sua carreira consegue ser mais extensa que no cinema.
O Arena, uma grande escola
"Eu me interessei e procurei alguém que pudesse me ajudar. Assim, me aproximei de um vizinho que fazia teatro e, através dele, fiz um teste e entrei para uma peça. Logo, ainda em Porto Alegre, fundei um grupo de teatro chamado Teatro de Equipe, que tinha como modelo o Teatro de Arena de São Paulo", conta o ator, que mais tarde foi trabalhar no próprio Teatro de Arena.
"O Teatro de Arena criou uma dramaturgia no Brasil. Dali surgiram peças brasileiras com um tipo de teatro de influência naturalista." Fundado em São Paulo, em 1953, o Teatro de Arena teve como principal característica a nacionalização do palco brasileiro, onde jovens atores representavam e discutiam concretamente a vida do povo brasileiro.
"O palco deve ser um reduto de debates e discussões s
obre temas fundamentais do ser humano"
A partir da estréia de Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1958, um farto estoque de peças surgiu no Arena, em meio a um estrondoso sucesso de público e casa cheia, como Arena conta Zumbi, A semente, Roda-viva, Revolução na América do Sul, entre outras. O Arena também foi o primeiro grupo teatral da América Latina a utilizar a cena circular — envolvida pelo público —, dispensando os grandes cenários e atuando em locais improvisados. Além disso, influenciado pela obra brechtiana, o grupo se preocupava em conceber um teatro político em que o espectador se deparasse com a realidade feita das mais agudas contradições sociais. E não bastava revelar a esse espectador o rosto inteiramente descoberto, "puro e terrível" do capital, mas elevar seus sentimentos ao nível do raciocínio.
A estréia oficial de Peréio como ator se deu no Rio de Janeiro, em 1958/9, no Teatro Jovem, com a peça Esperando Godô, de Samuel Beckett. Na peça, o ator atuou ao lado de Paulo José, Lineu Dias e Mário de Almeida. "Também fizemos espetáculos de poesias dramatizadas", lembra.
Produzindo e aprendendo
Paulo César Peréio conta que um ator quase não se envolvia com cursos, entrando em cena porque tinha "jeito para o negócio", e aprendendo no próprio palco: "mais tarde tive oportunidade de frequentar cursos de teatro, mas me encontrava tão envolvido no procedimento profissional, que mais parecia uma convivência com professores; entre eles Eugênio Kusnet, Klaus Viana e Fauzi Arap."
"Houve um período do teatro brasileiro, décadas de 50/60 principalmente, que existiam pessoas espetaculares, grandes mestres, como Fausi Arap. Trabalhei com o Fauzi e tenho impressão que muita coisa que desenvolvi em artes dramáticas foi graças a ele. É claro que tínhamos estilo semelhante, tanto que Eugênio Kusnet criou o seu método, segundo ele, inspirado no Fauzi Arap e também em mim", comenta Peréio, acrescentando que recebeu, ainda no rascunho, o método de Eugênio Kusnet: Método da Ação Inconsciente, que depois se transformou em livro.
"Eugênio Kusnet tinha uma escolinha no Teatro de Arena de São Paulo. Ele era russo e foi contemporâneo de Constantin Stanislavki, nascido inclusive na mesma Kiev da heróica Ucrânia. Ensinava inspirado em Stanislavki, antes de criar o seu próprio método", diz Peréio ressaltando que apesar da inspiração ser evidente ninguém estabelece sistemas interpretativos como formas rígidas ou engessadas, levando em consideração o uso da técnica para uma boa, plausível e confiável interpretação.
O ator e diretor de teatro Eugênio Kusnet, (1898-1975) foi um dos poucos artistas no Brasil a juntar, de forma satisfatória, os conceitos de interpretação de Stanislavki — segundo os quais o ator deve buscar inspiração na emoção e na dramaticidade —, e de Bertolt Brecht — que defendia uma atuação marcada pela racionalidade, pelo distanciamento (ou "estranhamento"), colocando a narrativa em primeiro plano. Como ator, participou da mudança no estilo de encenação teatral no Brasil na década de 50, quando texto, diretor e atores eram conjugados em uma unidade artística.
Esse diretor teve grande influência na carreira de Peréio, que se orgulha de ter convivido e trabalhado com ele na peça Os inimigos, de Máximo Gorki, no Teatro Oficina, em São Paulo.
Escolhendo personagens
Peréio, mantendo a coerência entre as suas opinião e atitude diante da vida, "escolhe" os personagens que interpreta: "Acredito que não tenho me comportado de uma maneira frívola em relação à política, história, cinema, teatro, televisão, minha carreira e tudo que está a minha volta. Portanto, quem encara essas coisas com frivolidade não me chama para um trabalho. É desta maneira que escolho indiretamente um personagem", explica.
"Na década de 70 fiz muitos filmes contra a ditadura e no meu trabalho sempre veio implícito que eu era alguém — não um simples procedimento ideológico, coisa com a qual sempre impliquei — mas que pensava nos rumos do meu país e do mundo de uma forma geral. Sempre fui favorável a um tipo de idéia e defendi isso", acrescenta o ator, que chegou a ser diretor do Centro Popular de Cultura da UNE (CPC). Mais do que isso, Peréio foi um militante do Partido Comunista, antes e depois do golpe de 1964.
O valor monetário da arte
Sendo um combatente chamado a expressar abertamente os ideais da liberdade, Peréio conheceu a prisão no período do gerenciamento militar no Brasil. Acidentes de trabalho à parte, Peréio é um desses milhares de artistas aptos a responder, sob diversos aspectos, o quanto se deve pagar para assistir a verdade, inclusive do ponto de vista monetário. Se para o repressor o preço da liberdade "é a eterna vigilância", um de seus vizinhos, o artista "neutro", ao sustentar a valorização do espetáculo através de ingressos caríssimos, consegue transformar até mesmo a mais feroz crítica ao explorador num "conselho de amigo".
O preço do ingresso mais "compatível", sempre foi sinônimo de casa cheia — em se tratando de bons espetáculos, óbvio — e não é aí que reside a inviabilidade de uma temporada. Além disso, o povo jamais reivindicou a encenação de um texto desmascarando a miséria, onde a remuneração do elenco, técnicos, diretor, etc., os levasse à situação dos personagens que, na peça, representam as vítimas do poder econômico. Para o povo é indispensável que seu trabalho seja pago com a elevação da sua vida material e intelectual.
"Na década de 70 fiz muitos filmes contra a ditadura
e no meu trabalho sempre vejo implícito que eu era alguém,
não um simples procedimento ideológico,
mas pensava nos rumos do meu país e do mundo"
Na relação entre arte e povo, Peréio é um tenaz defensor de ingressos a preços compatíveis com a renda do trabalhador brasileiro, utilizando-se, para isso, dos mais diversos recursos, como por exemplo, de espetáculos organizados em temporadas populares, sem prejudicar os trabalhadores da arte e o próprio empreendimento. Em hipótese alguma isso encerra a questão da sobrevivência da arte nos dias atuais — tanto mais que as relações da arte com a economia mundial na fase mais degenerada são conflitantes — e o comodismo que defende a impossibilidade de encenar boas obras para o povo não se justifica. "Há pouco, produzi um espetáculo de teatro e o exibi por toda a periferia do Rio de Janeiro a preços populares. Mas para continuar um trabalho como esse, é necessário que exista um Estado que tenha obrigação para com a arte, bem como contar com governos que se preocupem em divulgar a cultura, porque a identidade cultural de um país é o seu próprio povo fazendo a cultura."
Além da criação de meios que facilitem o acesso do povo aos espetáculos, Peréio defende também a necessidade do palco ser usado como um reduto de debates, de discussões sobre os problemas essenciais, candentes e fundamentais da vida humana, de agir politicamente. "Isso é algo político e não é necessário fazer uma peça falando apenas de política para alcançar essa forma. Acredito que se pode perfeitamente fazer um espetáculo romântico e, ao mesmo tempo, agir politicamente", afirma.
Circuitos também aproximam
Paulo César Peréio tem trabalhado intensamente no teatro e no cinema. Recentemente atuou no Teatro Oficina, na peça As bacantes, do grego Eurípides.
No momento, suas brilhantes atuações podem ser apreciadas num circuito de sindicatos do ABC paulista. O ator utilizou o recurso de gravação de vozes de personagens para uma peça de Samuel Beckett, e que vem sendo reproduzida em diversos locais. "É um texto bem poético do Beckett. Durante o espetáculo, um ator fica no palco fazendo as expressões, enquanto três caixas de som, cada uma significando um personagem, são ligadas alternadamente. Gravei os três personagens", diz.
"Após percorrer o circuito dos sindicatos e das associações de segmentos profissionais, é possível que a peça viaje para o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Fiz também outros espetáculos desse tipo, usando a voz", acrescenta Paulo César Peréio que, reconhecidamente um grande ator, é dono de uma das vozes mais requisitadas por publicitários de todo o país.
"Acredito que não tenho me comportado de uma maneira frívola
em relação à política, história, cinema, teatro, televisão,
minha carreira e tudo que está a minha volta.
Portanto, para quem encara essas coisas com frivolidade
não me chama para um trabalho.
É dessa maneira que escolho indiretamente um personagem"
Peréio também não pára de aparecer nas telas de cinema. Somente no ano passado participou de doze curtas metragens e quatro longas, que ainda não foram lançados. São eles: Harmada, de Maurice Cappovila; O piadista, de Sérgio Resende; O apostador, de Gilberto Loureiro e O homem do ano, de José Henrique Fonseca.
Foi em razão disso que a sua atuação na TV diminuiu. Não lhe sobra tempo, porque, do ponto de vista profissional, "o problema é que, normalmente, quando alguém vai atuar em uma novela, por exemplo, tem que esquecer de outros trabalhos pelo menos por meio ano, e isso eu não quero no momento. Mas é claro que posso fazer algum trabalho na televisão." Peréio chegou a comandar um programa na TV Bandeirantes, chamado Variety — 60 minutos.
Atualmente Paulo César Peréio está sendo homenageado em um documentário para o cinema chamado: Peréio, eu te odeio que, apesar do título hostil, é uma declaração de amor ao artista. O longa-metragem, que tem a direção do gaúcho Allan Sieber, está sendo preparado e deve estrear em breve pela Toscographics Desenhos Animados. Ele falará da vida de Peréio através dos depoimentos de diretores, artistas, família e amigos. É uma justa homenagem a quem tanto acrescentou à dramaturgia nacional.