Sem dúvida, a existência do imperialismo capitaneado pelo USA, aponta para a destruição da Humanidade e ele não pode voltar atrás. Pela sua própria natureza, ele se alimenta de desordens, fracassa, e novamente provoca mais desordens. Até o dia da sua derrota final não fará outra coisa, já se disse.
A principal condição que facilita a liberdade de manobras das potências imperialistas é a ausência de uma direção revolucionária, capaz de reunir os trabalhadores do mundo inteiro para opor uma tenaz e definitiva resistência ao Imperium. E o principal perigo para o desenvolvimento da direção revolucionária dos trabalhadores no mundo é representado pelo oportunismo e o revisionismo. Ambos se transformaram na grande e indispensável arma do imperialismo contra os povos, de tal forma que sem ela não teria surgido, na primeira metade do século passado, a sua corrente nazi-fascista e muito menos o atual e sofisticado fascismo.
Nos países da América Latina, ao esgotar-se o antigo populismo e, depois, esvaziado o discurso francamente reacionário do período do gerenciamento militar, sobrevive nos movimentos de massas as vanguardas oportunistas, ainda assim, “lideranças” que se desmascaram rapidamente e de pronto necessitam ser recompostas. Um grande número desses quadros oportunistas emergiu dos escombros deixados pelas operações de extermínio de lideranças autênticas. Entre os oportunistas, muitos chegaram a ter um passado honroso e a ser reconhecidos como verdadeiros combatentes. Há os que sofreram terríveis perseguições e podem exibir currículos de ex-presos políticos, ex-exilados; radicais ou moderados de diferentes origens, organizações e correspondentes inspirações políticas. Todavia, traem seguidamente as massas, mesmo quando ninguém os obriga a fazê-lo.
Do sul do Rio Bravo à Terra do Fogo sucedem-se ondas de movimentos de massas. As que são conduzidas pelos cartéis do oportunismo e do revisionismo não ultrapassam o alambrado das lutas espontâneas e desembocam na armadilha eleitoreira. A falsa esquerda, fingindo contestar programas “neoliberais” e de “globalização”, arrasta as massas justamente pelo caminho da chamada Terceira Via, que beneficia o capital financeiro mundial e as classes contra-revolucionárias nativas. Fluem teorias como as “governança democrática”, “alternância do poder”, “terceira via”, “nova alternativa partidária”, “modelo democratizante”, “planejamento participativo”, “outro mundo é possível”, “socialismo com democracia”, “negociações entre ricos e pobres”, “inserção social dos excluídos” etc. — ao que não falta a última grande bajulação, dirigida por um preposto de nacionalidade brasileira ao capital financeiro mundial em tom solene e a plenos pulmões: “Proponho criar de uma CPMF para ajudar os pobres do mundo”.
Colóquios do entreguismo
Diante da necessidade de desviar as grandes explosões de massas — mobilizações gigantescas contra as guerras de agressão movidas pelas grandes potências em todo o mundo, as demonstrações de greves econômicas do proletariado, e as crescentes concentrações e choques entre o povo e a polícia — o imperialismo patrocina encontros de cúpula, marchas humanitárias e espetáculos diversos com os grandes astros da eloquência social arregimentados na falsa esquerda.
As agendas presidenciais dos países colonizados revelam um tempo cada vez mais premido por compromissos contraídos nas diferentes partes do mundo, com uma interminável sucessão de reuniões de cúpula e outras conferências de representantes delegáveis. Um presidente, por exemplo, vai a um encontro em Windhoek (na Namíbia), que imediatamente é sucedido por outro, em Miami, este pelo de Cancun, depois novamente Washington para uma nova audiência com o patrão. Segue-se uma reunião na Bolívia, a de Monterrey (México), a de Havana, a de Bombaim (na Índia) etc., etc. Dos sacerdotes subjetivistas da Terceira Via e das King Ongs, presidentes ou não, todos têm viagem marcada, ininterruptamente. São os fóruns: “social mundial”, “europeu”, “encontro alternativo” etc.
Em particular, os encontros de cúpula não escondem ser reuniões de gerentes regionais, cuja pauta é preenchida com relatórios que estimam a credibilidade de cada filial (país) ao assegurar ao capital estrangeiro o ingresso nos setores estratégicos da economia, a rapina das mais preciosas reservas de matéria prima, o direito de levar às últimas consequências a exploração do proletariado e do povo em geral. Tudo com livre trânsito e fácil retorno, razão pela qual as gerências reivindicam investimentos e prestígio. A simulada autonomia administrativa dos gerentes chega a ponto de exigir — nesses encontros que até previamente podem merecer a denominação de consenso (de Cuzco, de Buenos Aires, pouco importa) — maior comedimento por parte de um seu vizinho, mesmo sem a menor razão para tanto.
As tolices proferidas com ênfase e persistência pelos participantes não devem ser levadas em conta. Nem vem ao caso o fato do autor de um pronunciado desses dispor ou não de passaporte acadêmico. É inevitável que o progressivo exercício da política de subjugação nacional — com as mais diversas formações intelectuais que possam ostentar os representantes de qualquer semicolônia que se preze — lhes tragam excitações seguidas de situações embaraçosas. Afinal, são todos quadros formados na alienação com obrigações inerentes ao cargo, por natureza, alienado. Além disso, nada deve ser mais difícil que agradar aos patrões, já que a burguesia financeira mundial, em reuniões de verdadeiro poder decisório, mal termina um acordo de partilha, estabelece novas regras e novas partilhas, e em cada potência imperialista, frações da burguesia mais poderosa buscam se impor umas sobre as outras.
Nas colônias e semicolônias ocorre o mesmo com as suas burguesias nativas, quando burocrática e compradora. Por isso, cada gerente representa como pode o personagem dignatário, equilibrado… o político apolítico.
Mas que negociações?
Os monopólios de comunicação, por sua vez, fazem o que podem por esses prepostos em cada país da América Latina, como se eles fossem figuras protagônicas, e não secundárias, na direção política do “hemisfério ocidental”. Ao mesmo tempo, essa própria imprensa notifica que as conversações sobre a Alca avançam de forma proveitosa. Afinal, é o que informa Washington.
De que forma Bush esteve acuado em Monterrey, tal como anunciaram? De que chancelaria partiu alguma medida realmente objetiva impondo respeito à nação, exigindo que o imperialismo recuasse? De que representante transmitiu a decisão, a mais acanhada que fosse, de expulsar de seu território uma única corporação estrangeira que cause dano à economia de sua nação? Em que momento foi estabelecido que o processo de implantação da Alca seria interrompido? E que fossem devolvidas as empresas de valor estratégico? Qual deles proclamou um basta à fraudulenta dívida externa? Quem anunciou a anulação de, ao menos, um acordo com o USA lesivo ao interesse nacional?
Nas poucas vezes que esses gerentes visitam seus países de origem, o fazem para editar Medidas Provisórias ou coisa do gênero — que é a forma com que eles governam — implantar legislações antiproletárias e antinacionais, impor maquinismos de empobrecimento, criar e aumentar impostos, assegurar o desemprego e ampliar o efetivo policial. São usuários e reincidentes de todo matiz imperialista na economia, na política, na ideologia. Se algo lhes faz descontentes no tal “hemisfério ocidental”, talvez seja a ansiedade de mudar-lhe o nome para Alca.
O patrão sempre irritado…
Claro, os encontros de cúpula conhecem a “oposição”, como a dos “alternativos”, constituída pelas ONGs da burguesia européia, com sua social-democracia e toda a picaretagem mais a que tem direito. Finge contestar as reuniões de cúpula, a efetivação da Área de Livre Comércio das Américas e apóiam o Mercado Comum da América do Sul, como se ele fosse antagônico à Alca e não a sua porta de entrada. Também procura deter as rebeliões na Bolívia e legalizar o caráter de classe do Estado boliviano com uma Constituinte. Proposta idêntica, no Brasil, todos os dias é repetida nas emissoras de The Globe.
Tanto os encontros de presidentes quanto os fóruns “alternativos” das correntes em disputa, grupos que — unidos, ostentam cada um sua bandeira dissidente — propõem humanizar a fera, combater seus excessos, redimir o povo e diminuir as “diferenças” sociais. Esperneiam, mas os beneficiados também: no mesmo estilo. Nada além do socialismo “alternativo”, com “democracia” e críticas à social-democracia apenas quando ela é “institucional”. Porque isso faz parte do mesmo jogo. E esse é o problema.
Ninguém ignora que o patrão maior interviu na Cúpula das Américas, em Monterrey. E interviu porque, se ele aprecia o trabalho dos oportunistas, não significa que tolere a mínima modificação nos planos de implantação da Alca, ou qualquer conversa mole de prepostos que, num descuido, possa retardar, abrandar ou desviar a atenção dos projetos de governabilidade neste continente; permita afrouxar as rédeas da administração imperialista na retaguarda estratégica do USA. E com os falcões adestrados no ambiente da paranóia anticomunista, sentindo-se ameaçados internamente, tanto mais em plena campanha eleitoral, as correções se fazem com duras ameaças aos gerentes.
Aí estão os resultados da perturbadora resistência no Iraque; no Afeganistão; o eclodir inesperado de movimentos de massas de maior expressão na América Latina; a guerra popular no Peru; o crescente sentimento antiimperialista nesta América proletária e em todas as partes do mundo, enquanto o Plano Colômbia parece não amedrontar nenhum dos movimentos consequentes.
A gente de Bush precisa jogar duro e não vacila. Faz lembrar que a fração mais reacionária da todo-poderosa burguesia ianque — ainda que siga fortalecendo a imagem dos representantes oportunistas mais competentes — não confia que eles possam sustentar a tal governabilidade por muito tempo.