A autoridade das massas

A autoridade das massas

Para negar a capacidade das massas de governar o seu próprio destino, como também a sua liderança no processo revolucionário, várias teorias são propaladas pelas classes dominantes, afirmando que tudo quanto o povo realiza não passa de desordem e caos.

Os reacionários e oportunistas em geral julgam ser o povo ignorante e inábil, incapaz de construir uma nova sociedade. Isso explica a defesa que fazem do oportunismo eleitoreiro e da preferência que dão à democracia representativa, supostamente um sistema no qual, em nome das massas, tudo deve ser tolerado.

Ao contrário, quando as massas passam para a resistência ativa à opressão e exploração, assoma-se a suas mentes tudo o que de melhor foi aprendido durante sua prática social. Dá-se, então, uma mudança no comportamento das massas que, até então, a tudo obedeciam. Ocorre a passagem da condição de classe em si para a da classe para si, termos que exprimem a mudança de maturidade do proletariado e de independência política numa determinada etapa histórica. Sempre que as massas trabalhadoras se vêem em condições de tomar a iniciativa e as decisões, imprimir seus valores e princípios, logo se avizinham enormes sucessos.

Salpicada de exemplos, até mesmo a historiografia oficial é obrigada a confessar passagens como da revolta de escravos liderada por Espártaco, na Antiguidade. No Brasil, não há como negar centenas de movimentos populares que alcançaram êxitos, ainda que passageiros. Essa historiografia conduzida pelas classes dominantes apenas notifica (esquivando-se de explicar) a maneira como os quilombolas da república independente de Palmares governavam e produziam — quando o Brasil ainda era colônia de Portugal — ou desenvolvimento e o progresso alcançado pelos camponeses que habitavam Canudos, entre tantas outras.

O talento do proletariado moderno para exercer sua autoridade foi revelado já na primeira grande onda da revolução proletária, com a Comuna de Paris, em 1871. O sucesso, ainda que temporário dos comunardos, mostrou pela primeira vez ao mundo que os proletários eram capazes de governar. Seguiram-se outros grandes êxitos como a Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, a Revolução Chinesa de 1949 e a Grande Revolução Cultural, além de milhares de passagens de menor envergadura, mas que dispensam do convívio de sua organização — uma vez alcançado o nível superior de sua consciência —, vigaristas políticos, sacerdotes e quaisquer outras sanguessugas humanitárias, proxenetas, social-democratas, etc.

No entanto, interessam aqui as pequenas manifestações em que as massas revelam sua imensa capacidade cognitiva, de discernimento e direção.

A literatura progressista e revolucionária registra, em depoimentos, reportagens, romances, contos, poemas, prodigiosos momentos de inabalável autoridade, atestando que, por maiores que sejam a opressão e exploração sofridas pelas massas, ao elevar-se a consciência de seu papel histórico, nada lhes subtrai a concepção de justiça, exceto aquela formada pelo decadente direito burguês.

A vez do mujique

Juracy Camargo, em O teatro soviético (Companhia Editora Leitura, Rio de Janeiro), relata alguns esclarecimentos que o grande escritor socialista Máximo Gorki prestava aos seus compatriotas quando foi deflagrado o movimento que levaria à revolução bolchevique. Juracy explica que, ainda dentro do tumulto infernal, Górki ia respondendo serenamente a perguntas dos “representantes de uma sociedade que consentia, sem o menor protesto, que o povo fosse constantemente massacrado e mutilado, às vezes por mero passatempo.”

Certa vez, uma dama escreveu sobre um papel perfumado:

— “Que foi feito do bom povo russo?” “Porque se transformou subitamente em fera voraz, ávida de sangue?”

Também um conde exclamou:

— “Esqueceram-se de Cristo, desonram suas doutrinas!”

Brustein de Tambov perguntou:

— “Isso o satisfaz?” “E a influência da escola e da igreja?”

A todos o velho Górki respondeu:

— “Senhores e senhoras: chegam, enfim, os dias de expiação para vossa indiferença criminosa diante dos sofrimentos do povo. Tudo o que agora sentis é apenas o que mereceis. Não posso dizer-vos senão uma coisa: que se cumpra mais profundamente, mais intensamente ainda, todo horror desta vida que haveis criado com suas próprias mãos. Senhora: quereis saber o que foi feito do bom povo russo? Isto: perdeu a paciência. Por espaço de anos e mais anos suas costas humildes suportaram todo peso da vida dos poderosos. Mas agora não pode mais.

Que fez a senhora para que sucedesse outra coisa? Tratou alguma vez de lhe incutir a menor noção de sensatez? Deitou-lhe na alma alguma semente de bondade? Quando ia ao campo, passava junto dos mujiques olhando-os desdenhosamente, como se fossem de raça inferior. Mas eles compreendiam. São seres bons e sensíveis por natureza, mas vós quisestes transformá-los em homens maus.

Que fez a senhora por eles? Tratou de melhorar-lhes o sentimento? Não desejou a senhora alguma vez que fossem mais inteligentes? O mujique era para a senhora uma besta de carga. Não podeis, portanto, agora, estranhar que se porte como um animal feroz. O homem maltratado cedo ou tarde se vingará. O homem de quem não se tem piedade não pode conhecer esse sentimento. Querida senhora: em Kiev, o bom povo russo atirou Brodski, o conhecido e opulento industrial, pela janela de sua própria casa, para esborrachar-se em plena rua. Mas respeitou um canário que cantava na gaiola. Isso quer dizer que no coração deles existiam sentimentos compassivos, mas não para o homem que não o soube merecer. A senhora escreve cartas, logo é instruída. Deve ter lido livros que descreviam a vida dos mujiques.

Que fez para aliviar-lhes os sofrimentos? A expiação está na ordem natural das coisas.”

Aço contra os oportunistas

A construção do socialismo ia a todo vapor. O povo russo dava mostras de uma heroicidade e abnegação nunca vistas. Mesmo assim, um determinado feito não era considerado o maior por muito tempo, pois a cada dia se superavam em obras e realizações magníficas, pelos quais as massas eram as responsáveis. Para essa grande obra, homens e mulheres de toda estirpe concorreram.

Dessa vez é Nikolai Ostróvski quem relata, em Assim foi temperado o aço (editora A Opinião, Lisboa, da série Romances do Povo), que Stálin convocou as massas — para combater a quadrilha contra-revolucionária, liderada por Trotski, com o apoio da Gestapo nascente e das demais organizações da repressão ligadas às potências imperialistas. Uma verdadeira mobilização nacional atendeu ao chamamento, inclusive um imenso contingente solicitou o ingresso nas fileiras do Partido, especialmente os operários. N. Ostróvski retrata um destes recrutamentos, ocorrido em uma fábrica no interior da Ucrânia:

“O terceiro a ir para a mesa presidencial foi Sakhar Brusjak. O velho silencioso, ajudante de Polientóvski, que já há muito era maquinista, terminava o relato de sua vida de trabalhador e, quando chegou aos últimos dias, disse em voz baixa, mas de maneira que todos ouvissem:

— Sinto-me na obrigação de acabar a tarefa na vez dos meus filhos. Eles não morreram para eu ficar quieto em casa com o meu sofrimento (seus filhos eram membros da Juventude Comunista — Komsomol —, na época da guerra civil na Rússia. Morreram defendendo o Estado Proletário. NE). Não soube preencher o vazio que deixou a morte deles, mas a do Chefe abriu-me os olhos. Não me interroguem acerca do passado pois a nossa verdadeira vida começa hoje.

Sakhar, emocionado com as recordações franziu o sobrolho, sombrio, mas quando sem ser ferido por qualquer pergunta áspera, o admitiram no Partido levantando unanimemente as mãos os olhos se iluminaram e a cabeça branca já não mais tornou a inclinar-se.”

O dia do macarrão

Jorge Amado, em seu Subterrâneos da Liberdade – A luz no túnel (III volume, editora Círculo do Livro, São Paulo), narra a reação — para alguns, inesperada — dos operários de uma grande fábrica que, submetidos a salários de fome, oprimidos de todas as formas, se alçam ao enfrentamento e ao repúdio às ações hipócritas dos industriais que lhes oferecem esmolas e os escravizam ao mesmo tempo:

“(…) Umas duas semanas já se tinham passado sobre o casamento e nas fábricas da Comendadora muito se comentava sobre a festa, a dinheirama gasta, as jóias oferecidas aos convidados, uísque e champanha correndo como água.

O próprio Shopel quem deu a idéia dos saquinhos com meio quilo de macarrão… onde faria imprimir em letras róseas: Aos nossos bons operários, lembrança do casamento de Paulo e Rosa da Torre Carneiro Macedo da Rocha…

— Um dinheirão, hein, comendadora? Isso é uma coisa de mãe para filho.(…)

— Que é que você quer, meu amor…A gente tem que pensar também nos operários, afinal eles estão ligados a nós.(…)

— Choverão bênçãos sobre a venerável cabeça da Comendadora — concluiu Shopel, untuoso.

Não choveram bênçãos. Os jornalistas convocados por Shopel contavam depois, e as fotografias o provavam, a reação inesperada e violenta dos operários quando os saquinhos de meio quilo de macarrão começaram a ser distribuídos, pouco antes do fim do trabalho do dia.(…) os jornalistas preparavam-se para ouvir dos operários — e principalmente das operárias — as palavras de louvor à comendadora. Os primeiros saquinhos foram entregues, uma chapa batida: uma loura bonita, datilógrafa, estendendo o saquinho para uma operária velhusca, mulata, quando se ouviu uma voz gritando:

— Isso é um achincalhe…

As empregadas que faziam a distribuição pararam surpresas, mas a voz do gerente ordenou-lhes continuar. Um operário havia subido sobre uma mesinha, dominava agora todo o atelier.

— Depois de ter gasto mais de mil contos em comidas e bebidas para encher o bandulho dos ricaços, mandam nos dar essa porcaria. Estão sugando o nosso sangue e querem…

Os fotógrafos faziam chapas. O operário elevou sua mão com o saquinho, atirou-o em direção aos jornalistas e fotógrafos:

— Engulam o seu macarrão e nos paguem salários que nos dêem para viver. Não queremos esmolas! E, de súbito, os saquinhos de macarrão começaram a voar de um lado para outro, atirados sobre as empregadas que os distribuíam, sobre os jornalistas, sobre o gerente. O macarrão se espalhava sobre o solo e sobre as máquinas, o gerente punha as mãos na cabeça.”

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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