A brilhante vida e obra de um materialista

Stephen Hawking lendo o nome das vítimas da guerra imperialista no Iraque. Londres, 2004

A brilhante vida e obra de um materialista

Stephen Hawking: opus aeternum*

Stephen Hawking, físico britânico mundialmente conhecido, faleceu no dia 14 de março deste ano. Sua morte foi muito divulgada pelo monopólio dos meios de comunicação. A maioria dessas matérias abordavam os trabalhos científicos de Hawking e aspectos de sua vida pessoal, poucas foram as que abordaram os ideais políticos e filosóficos do grande cientista.

Ian Waldie
Stephen Hawking lendo o nome das vítimas da guerra imperialista no Iraque. Londres, 2004
Stephen Hawking lendo o nome das vítimas da guerra imperialista no Iraque. Londres, 2004

Hawking nasceu em 8 de janeiro de 1942 em Oxford, Inglaterra. Concluiu o doutorado na Universidade de Cambridge em 1966 com uma tese intitulada Propriedades dos universos em expansão. De 1979 a 2009 ocupou a cátedra de professor de Matemática na Universidade de Cambridge, que pertenceu a Isaac Newton.

A maioria de seus trabalhos versava sobre cosmologia teórica e gravidade quântica (unificação da mecânica quântica com a teoria da relatividade geral). Desenvolveu teorias buscando solucionar os principais problemas da teoria do Big Bang para o início do Universo. Dedicou-se também ao estudo dos buracos negros e propôs, em parceria com James Bardeen e Brandon Carter, as quatro leis da mecânica de buraco negro, uma analogia com as quatro leis da termodinâmica. Realizou cálculos em que demonstrou que os buracos negros deveriam, termicamente, criar ou emitir partículas subatômicas, o que ficou conhecido como radiação Hawking.

O cientista britânico também se preocupou em popularizar a ciência se esforçando em tornar acessível para o público em geral os complexos conceitos da cosmologia. Escreveu vários livros, dentre os quais se destaca Uma breve história do tempo, de 1988, traduzido para 35 idiomas e com mais de 10 milhões de cópias vendidas. Nesta obra, Hawking respondia a perguntas básicas sobre o início, desenvolvimento e fim do Universo. Além disso, escreveu juntamente com sua filha Lucy, a coleção de livros infantis George e a chave secreta em que contam histórias de aventura e ciência.

Em toda a sua produção intelectual, Stephen Hawking pautou a elucidação dos mistérios do Universo e o combate ao misticismo e ao criacionismo. Dizia não haver nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana. Numa entrevista, comparou a ciência e a religião nos seguintes termos: “Há uma diferença fundamental entre a religião, que se baseia na autoridade, e a ciência, que se baseia na observação e na razão. A ciência vai ganhar porque ela funciona. A religião crê nos milagres, mas estes não são compatíveis com a ciência”. E mais adiante dizia: “Deus não tem mais lugar nas teorias sobre a criação do Universo devido a uma série de avanços no campo da Física”.

Hawking foi um homem integrado ao seu tempo e era extremamente politizado. Na juventude participou das jornadas dos jovens britânicos contra a Guerra do Vietnã. Era um ferrenho opositor da guerra imperialista no Iraque.Em 2004, participou do protesto na Trafalgar Square em Londres e em seu discurso disse ao público:“Esta guerra [do Iraque] tem como base duas mentiras. A primeira é que estávamos em perigo pelas armas de destruição em massa, e a segunda é que o Iraque tenha sido o culpado do 11 de setembro”. Neste mesmo ato, Hawking leu o nome das pessoas mortas no conflito e classificou de crime de guerra a tragédia das famílias iraquianas. Em declarações recentes classificou de abominável a guerra na Síria.

Recusou o título de Sir oferecido pela rainha Elizabeth II por, dentre outras coisas, discordar das políticas internas e externas do Reino Unido. Suas críticas se concentravam principalmente contra o investimento em empreendimentos bélicos e à cessão ao lobby das corporações de armamentos.

Em 2013, aderiu ao boicote acadêmico contra Israel não aceitando participar de eventos naquele Estado. Hawking era solidário ao povo palestino e contra as políticas reacionárias do regime sionista. Em 2009 afirmou que a “situação da Palestina é semelhante à da África do Sul antes de 1990 [durante o regime do apartheid] e não pode continuar”.

Em agosto do ano passado, denunciou os projetos de privatização do sistema de saúde britânico do Partido Conservador, da primeira-ministra Theresa May. Argumentou que isso iria representar a redução de salários dos trabalhadores da saúde e o fim das políticas de cuidados sociais. Sobre o arquirreacionário ianque Donald Trump dizia que se tratava de um “demagogo que apelava para o mais baixo senso comum”. Em uma entrevista em março do ano passado, disse que gostaria de visitar novamente o USA, mas que temia não ser mais bem-vindo no país.

O físico britânico tinha uma visão crítica do capitalismo. Costumava afirmar que a solução para as crises do capital e as suas consequências era o desenvolvimento de uma economia socialista visando organizar o mundo. Sobre o desenvolvimento da chamada “inteligência artificial”, atualmente propagandeada como machine learning, dizia: “Devemos temer o capitalismo, não os robôs. Se, no futuro, as máquinas produzirem tudo o que precisamos, o resultado vai depender de como as coisas são distribuídas. Todos podem desfrutar de uma vida de luxuoso lazer se a riqueza produzida for compartilhada. Ou a maioria das pessoas pode acabar miseravelmente pobres se os donos das máquinas continuarem se posicionando contra a distribuição de riqueza. Até agora, a tendência parece apontar para esta segunda opção, com a tecnologia conduzindo para uma desigualdade cada vez maior”.

Dentre as coincidências das datas de nascimento e morte de Hawking os monopólios dos meios de comunicação fizeram questão de destacar que ele nasceu 300 anos depois da morte de Galileu e morreu na data do 139º aniversário de nascimento de Einstein. Mas o dia do falecimento de Hawking coincidiu com a data de morte de outro grande gênio da humanidade: Karl Marx.

Esse texto é uma singela homenagem ao grande homem chamado Stephen Hawking, que observava as estrelas, mas não se esquecia de olhar para a Terra. E ao olhar para o nosso planeta se indignava com a injustiça e a desigualdade e acreditava na possibilidade de crianças, mulheres e homens viverem num mundo solidário e com oportunidades para todos. A vontade de viver de Hawking, que venceu por mais de meio século um diagnóstico que lhe dava alguns meses de vida, deve inspirar a todos aqueles que ousam “tomar o céu de assalto” e esculpem na pedra áspera do presente um futuro grandioso para a humanidade.


* Expressão em latim para “trabalhar eternamente”, significado próprio da vida e obra de Stephen Hawking.

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