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Nikita Kruschov discursa no XX Congresso do PCUS: restauração do capitalismo se inicia na União Soviética
Em meados dos anos de 1950 e início dos de 1960, o cenário internacional era de elevada tensão. Os imperialistas, já sob a hegemonia ianque, com a estratégia de Guerra Fria, realizavam todo tipo de provocações e ameaças terroristas de uma guerra nuclear.
O grande dirigente comunista Josef Stalin falecera no dia 5 de março de 1953. Uma contracorrente revisionista, que vinha acumulando forças na direção do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) desde o período de reconstrução com o fim da Grande Guerra Pátria, sentiu-se bastante encorajada com sua morte. A agudização da luta de classes na URSS, seus desafios e as dificuldades da liderança em manejá-la nessas condições de extrema tensão, criaram terreno fértil para o oportunismo e a capitulação.
Os preparativos para o XX Congresso do PCUS (fevereiro de 1956) foram marcados por uma aguda luta surda no interior do Birô Político e do Secretariado do Comitê Central. A forma sigilosa, suspeita e misteriosa de como isto teria ocorrido, isolada do restante do partido e das massas soviéticas, favoreceu decisivamente os renegados e traidores do socialismo. Dito congresso aprovou as teses pacifistas e de renúncia à luta de classes e à ditadura do proletariado, desembocando no golpe de Estado que expulsara do Partido e Estado soviéticos os mais devotados comunistas.
Um novo revisionismo tomara de assalto a URSS e desencadeara a restauração capitalista. O Movimento Comunista Internacional se dividiu, mergulhado em confusão, e isso impactou fortemente todos os partidos comunistas dos diferentes países.
XX Congresso do PCUS
Durante a realização do XX Congresso do PCUS, Nikita Kruschov apresentou seu famigerado “informe secreto” sobre os “crimes de Stalin”, no qual enlameou a imagem do grande dirigente comunista e construtor do socialismo para atacar Lenin e o Leninismo, formulando uma nova linha geral para o movimento comunista internacional. Esta nova linha revisionista seria sintetizada no XXII Congresso do PCUS, em 1961, no que o Partido Comunista da China resumiu e desmascarou como os “dois todos” e as “três pacíficas”.
A partir de 1956 a URSS se converte de país socialista num sistema, como predissera Lenin, socialista em palavras e imperialista de fato, um país social-imperialista. Pela primeira vez na história o revisionismo passa a contar com uma retaguarda estratégica, o controle de um grande Estado.
A nova linha geral lançada por Kruschov procura converter partidos comunistas e países aliados à URSS em pontas de lança de políticas de domínio, rivalizando com o imperialismo ianque na arena internacional, como se desenvolverá nas décadas seguintes: num continuado jogo de pugna e conluio nas disputas pelas esferas de influência no mundo.
Para o proletariado, ao perder o poder na URSS e nos países de Democracia Popular, a base de apoio central da revolução proletária mundial desloca-se para a China Popular, cujo partido comunista, dirigido por Mao Tsetung, repelindo o revisionismo moderno de Kruschov e todo oportunismo, ergue ainda mais alto as bandeiras vermelhas do marxismo-leninismo e da revolução proletária.
O PCCh reservadamente combate as teses kruschovistas, alertando para o precedente perigoso que criavam. Em outubro de 1956 realiza seu VIII Congresso, tendo como questão central avançar ou não na construção socialista. Subterraneamente, as teses kruschovistas influenciaram suas decisões e teorias oportunistas ganharam expressão no interior do partido. Liu Chao-shi é elevado ao comando supremo da China com derrotas principalmente na esfera ideológica, com a retirada das ideias de Mao Tsetung do pensamento guia do PCCh.
No entanto as ideias de acelerar a marcha da revolução e construção socialistas, com seu aprofundamento no campo, ganham força nas massas, fazendo surgir as Comunas Populares, agudizando crescentemente a luta de linhas.
Em 1957, Mao Tsetung publicaria uma de suas mais importantes obras teóricas, A justa solução das contradições no seio do povo. O PCCh publicará a resolução político-teórica Sobre a experiência histórica da Ditadura do Proletariado e, posteriormente, Outra vez sobre a experiência histórica da Ditadura do Proletariado. Obras que tratam da luta de classes nas condições do socialismo, à luz das experiências soviética e chinesa, das diferentes naturezas das contradições que se dão entre o proletariado/massas populares e seus inimigos (antagônicas) e das que se dão no seio do povo (não antagônicas), assim como os métodos correspondentes de tratar e resolver cada uma delas.
Dessa forma, primeiro internamente e logo publicamente, o PCCh denunciou o conteúdo do relatório e as formulações do XX Congresso do PCUS como uma contracorrente revisionista, oposta ao socialismo e à revolução proletária, no que ficou conhecido como a “grande polêmica”.
O revisionismo de Kruschov, mais do que uma simples continuação do iniciado anteriormente por Earl Browder nos EUA e por Tito na Iugoslávia, é uma síntese completa de todo o revisionismo moderno. Seu aparecimento, como definira o PCCh, é antítese do avanço da revolução proletária no mundo. É correspondência direta da reação imperialista ao equilíbrio estratégico com o socialismo no mundo alcançado pela revolução proletária, após a grande vitória soviética na II Guerra Mundial e o triunfo da Revolução Chinesa em 1949.
O impacto no PCB
No Brasil, a notícia do XX Congresso chegara primeiro pelas mãos do Departamento de Estado ianque e pelos jornais Estado de S. Paulo e o Diário de Notícias, que publicaram na íntegra o dito relatório de Kruschov. O PCB primeiramente negou a veracidade do relatório, mas após o retorno de Diógenes Arruda, que fora delegado do partido ao congresso, confirmaria sua legitimidade.
Com os informes do XX Congresso, ressurge a linha liquidacionista no interior do PCB, capitaneada por Agildo Barata, que propugna a substituição do partido comunista por uma organização de frente democrático-burguesa, que lutasse por um governo nacional-democrático. Imediatamente, a maioria da direção do PCB cerra fileiras, defendendo a unidade do partido e rechaçando o liquidacionismo.
Este acontecimento será da maior importância, pois nele se manifestará um fenômeno comum e pouco compreendido na luta de linhas nos partidos comunistas e que Mao definiria por “uma luta de linhas oculta outra”. Diante da manifestação de uma linha abertamente liquidacionista, Prestes chama o partido a centrar na luta contra ela, quando seguramente este não era o perigo principal para o partido, dado que a imensa maioria da direção e dos comitês a rejeitavam. Com isso, o debate sobre as formulações do XX Congresso, seu oportunismo e revisão do marxismo-leninismo, é praticamente inexistente. Exemplo disto é o fato de que Pedro Pomar, como parte da delegação do PCB ao VIII Congresso do PCCh, ao retornar encontrará os debates praticamente encerrados.
Dessa forma, a luta contra o liquidacionismo se desviará de toda e qualquer atenção em compreender o que se estava processando a partir das formulações kruchovistas. Na verdade, a essência das formulações liquidacionistas não eram mais do que a manifestação do revisionismo moderno no país. Pois que, desde então, o que estava em jogo era a existência do partido comunista enquanto um verdadeiro partido marxista-leninista para fazer a revolução, ou sua transformação em mais um partido da social-democracia, reformista burguês, um partido revisionista sob a legenda de partido comunista.
Na realidade, o XX Congresso do PCUS veio apenas respaldar teoricamente a linha reformista já defendida pelo grupo de Prestes, que se gestara desde 1945, e sua adesão ao browderismo (ver AND n° 82).
Com a Declaração de Março de 1958, ficará clara a unidade entre as posições de Barata e de Prestes. Barata defendia a necessidade de “lutar para dar à nossa Pátria um governo nacionalista, democrático e progressista, que seja a expressão das forças integrantes de um amplo movimento patriótico” (Barata, 1957). Na Declaração de Março de 1958, esta questão aparece da seguinte forma: “A derrota da política do imperialismo norte-americano e de seus agentes internos abrirá caminho para a solução de todos os demais problemas da revolução nacional e democrática no Brasil” (grifo nosso). Isto para estabelecer um “governo nacionalista e democrático” através da conquista de espaços, da luta pacífica e das eleições.
Após a saída do grupo liquidacionista, em março de 1957, Prestes, alinhado com a direção kruschovista (que havia destituído os quadros da esquerda Molotov, Malenkov e Kaganovitch do Presidium do PCUS), impõe um golpe na direção do partido. Durante a reunião do Comitê Central de agosto de 1957, destitui Grabois, Amazonas, Arruda e Sergio Holmos da Comissão Executiva, colocando em seus lugares Marighella, Mário Alves, Giocondo Dias e Calil Chade. Com isso, prepara terreno para impor e sacramentar uma nova linha oportunista de direita a todo o partido.
Para justificar tais medidas, Prestes manobra a luta interna do partido, jogando toda a responsabilidade pelos erros cometidos em Diógenes Arruda, que então exercia a função de responsável de organização do Comitê Central. Vincula ainda Arruda à Grabois, Amazonas e Pomar, a fim de estigmatizá-los por sectarismo, mandonismo e por um suposto esquerdismo, tudo atribuído a um também suposto “stalinismo” do período do Manifesto de Agosto de 1950 ao IV Congresso.
A Declaração de Março de 1958
A declaração programática de março fora preparada por uma comissão secreta composta por Jacob Gorender, Mario Alves, Armênio Guedes, Dinarco Reis, Orestes Timbaúva e Alberto Passos Guimarães, e apresentada de surpresa em reunião do Comitê Central em março de 1958. Submetida à votação no CC, votaram contra a mesma Mauricio Grabois e João Amazonas, e abstiveram-se Calil Chade e Sérgio Holmos (Pedro Pomar, neste período, não integrava mais o Comitê Central. Ver AND n° 83).
A declaração é a primeira síntese das formulações revisionistas no movimento comunista brasileiro e será a base e mãe de todas as posteriores formulações do revisionismo e reformismo em nosso país, desde as teses do V Congresso de 1960 até as “novidades” elaboradas pelos que hoje se abrigam nas siglas PCBrasileiro e PCdoB.
Afirma o caminho da transição pacífica para a “revolução anti-imperialista e antifeudal”, “através da acumulação, gradual, mas incessante, de reformas profundas e consequentes na estrutura econômica e nas instituições políticas, chegando até a realização completa das transformações radicais (…). Sob a defesa da chamada “teoria das forças produtivas”, renega por completo a hegemonia do proletariado: “Nas condições presentes de nosso país, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo”. Ao mesmo tempo em que usa a consigna de “revolução antifeudal” nega a participação dos camponeses de fato, afirmando que tal frente incluiria ainda “setores de latifundiários que possuem contradições com o imperialismo norte-americano”. Ainda em consonância com o “desenvolvimento econômico”, a declaração afirma que, na sociedade brasileira, a democratização seria uma “tendência permanente“.
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Capa de A Classe Operária com a resposta do PCdoB a Kruschov
Note-se que as concepções reformistas assumidas pelo grupo de Prestes convergiam com o incremento do capitalismo burocrático, particularmente no pós-guerra, quando a grande burguesia burocrática consolida o controle do aparelho de Estado. Isso se explicita no apoio ao desenvolvimentismo do governo JK, que com seu “plano de metas” alavanca os capitais ianques no país, principalmente no setor automotivo.
Tal incremento era tomado como processo de desenvolvimento nacional, que convertera o país da condição semicolonial em país dependente. Nos anos seguintes, esta subserviência às teses desenvolvimentistas se aprofundará, comprovando o fato de que o oportunismo serve à grande burguesia burocrática, tomada erroneamente como burguesia nacional.
O desenvolvimentismo, ao invés de se opor ao imperialismo, é parte integrante da política de dominação que, através de seu suporte interno, as frações compradora e burocrática da grande burguesia local, aprofunda seu domínio sobre o país. Isto porque se serve das condições semifeudais no país, condição para manter represado o desenvolvimento das forças produtivas, particularmente no campo, concentrando a propriedade da terra, ao mesmo tempo que mantém uma economia camponesa arruinada, produtora de matérias-primas e gêneros de primeira necessidade, assegurando a baixa remuneração da força de trabalho no país.
Politicamente, subordina o proletariado à grande burguesia burocrática, através da velha (e tão atual) cantilena oportunista da existência de um “governo em disputa”, ou seja, que este estaria conformado por um “setor entreguista” ao lado de um setor “nacionalista burguês”, cabendo aos comunistas, é claro, apoiar o aspecto progressista do governo.
O combate mais contundente à Declaração de Março de 1958 foi feito por Mauricio Grabois, que abriu a polêmica em torno da preparação do V Congresso com o artigo Duas concepções, duas orientações políticas, de 1960, onde afirma: “(…) No essencial, tal documento defende uma linha oportunista de direita (…) Tal disposição de forças corresponde a uma revolução exclusivamente nacional. Portanto, a solução da questão agrária deixa de ser uma das tarefas da revolução (…) Sem forjar a aliança com estas massas, o proletariado não assegura a sua hegemonia no movimento revolucionário.” E refutando a tese da transição pacífica, sustenta que: “nada ainda tem comprovado que o caminho da revolução brasileira seja o caminho pacífico“.
Assim desencadeou-se importante luta ideológica em defesa do partido e do marxismo-leninismo. Aos poucos se forma no Comitê Central um núcleo marxista-leninista que combate o reformismo, mas ainda de forma insuficiente, não compreendendo este reformismo como a forma de expressão do revisionismo moderno no partido.
V Congresso (1960)
A luta ideológico-política se aprofunda no processo de preparação do V Congresso, conformando-se dois campos opostos no Comitê Central. Neste período, mais da metade dos artigos publicados na imprensa partidária condena a linha de direita. Entre os dirigentes que se posicionaram contra a tese-guia do V Congresso estavam Mauricio Grabois, Pedro Pomar, João Amazonas, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli, Calil Chade.Este será o período mais rico de lutas internas travadas no PCB até então, pois com elas se estabeleceu a base da separação entre marxistas-leninistas e reformistas.
Nas críticas às formulações do V Congresso, a corrente de esquerda mantém no fundamental a linha da revolução nacional-democrática com as mesmas distorções da concepção dos anos de 1940, combatendo apenas o reformismo e a completa omissão sobre o campesinato na declaração. As limitações da compreensão por parte da esquerda ficarão claras na VI Conferência (1966) como veremos adiante.
Em Quem falsifica? Quem deturpa? (resposta a artigo de Jacob Gorender), Grabois aprofunda sua crítica e aponta que, ao invés de conduzir à independência nacional, este “desenvolvimento capitalista” resulta em “maior exploração das massas e que conduz ao fortalecimento da dominação imperialista” (grifo nosso).
Ainda segundo Grabois, tal formulação se encontrava calcada na incompreensão sobre o caráter de nossa sociedade e fundada na revisionista “teoria das forças produtivas“, que criou raízes profundas no movimento comunista em nosso país, segundo a qual a condição para o proletariado tomar o poder seria o desenvolvimento das forças produtivas com o capitalismo.
O PCCh sintetizou assim esta questão: “O problema de se o proletariado pode ou não tomar o poder não se determina em absoluto pelo nível das forças produtivas, mas sim, objetivamente, se existe ou não uma situação revolucionária, e no subjetivo se ele conta ou não com um partido comunista armado com o marxismo-leninismo-pensamento Mao Tsetung, o qual dirija de maneira acertada as amplas massas revolucionárias em uma luta heroica pela conquista do poder“.
Pedro Pomar em seu artigo Análise marxista ou apologia do capitalismo?, publicado na Tribuna de Debates do V Congresso do PCB (jornal Novos Rumos de 6 a 12 de maio de 1960), afirmava: “o centro dos debates deve girar, a meu ver, em torno da linha geral e da tática (…) Enquanto não derrotarmos as concepções de direita, no terreno ideológico, político e de organização, não avançaremos no caminho da revolução, nem tampouco teremos êxito no combate às concepções de direita, tão entranhadas no Partido“.
Pomar destaca que, apesar das teses do V Congresso avançarem na conceituação da burguesia brasileira ao separá-las em duas partes, sendo uma genuinamente nacional e a outra atada ao imperialismo, adotam critérios subjetivistas para a definição de seu papel. “O grau de concentração de capitais não é, assim, o fator decisivo que divide a burguesia brasileira“. “Nem como camada, nem como setor, porém essa burguesia [grande, nota nossa] não deve ser confundida com a burguesia nacional, que é fundamentalmente a burguesia média, aquela que não possui ou quase não tem laços com o imperialismo e os latifundiários e enfrenta as dificuldades da dominação imperialista“.
A fim de assegurar maioria de delegados ao V Congresso, o grupo de Prestes comete todos os tipos de violações aos princípios do centralismo democrático. Exemplo disto é a atuação de Prestes no Comitê Distrital do Tatuapé-SP. Tal comitê, então dirigido por Pedro Pomar e José Duarte, era uma das principais bases operárias do PCB, e importante centro de resistência às posições oportunistas. Prestes participa pessoalmente do Congresso Distrital do Tatuapé, usando toda sua autoridade pessoal para impedir a eleição de Pomar como delegado e destituir o histórico dirigente operário e comunista José Duarte da direção daquele comitê distrital.
Luis Momesso relata em seu livro sobre José Duarte que, após a longa intervenção de Prestes e as intervenções dos presentes, José Duarte tomou a palavra e, com olhar fuzilante, com voz pausada e dura disse:”Pensei que vocês tivessem vindo aqui para fazer autocrítica porque destruíram a imprensa do partido e acabaram com a juventude comunista, enveredaram pelo reformismo e liberalismo burguês. Dizem que eu sou sectário e que não compreendo a política, mas o que ocorre é que vocês traíram a revolução proletária e querem transformar nosso glorioso partido num partido burguês qualquer“.
Derrotado politicamente, Prestes utiliza-se do centralismo para destituir José Duarte, mas não consegue impedir a eleição de Pedro Pomar por ampla maioria. Pomar, junto a outros quadros, serão importantes tribunos dentro do V Congresso contra as posições reformistas-oportunistas. No Congresso, apesar da oposição do grupo de Prestes, são eleitos suplentes do Comitê Central: Pomar, Carlos Danielli e Ângelo Arroio.
Manipulado pela direção prestista, o”V Congresso aprova as teses oportunistas e afasta do quadro de membros efetivos do Comitê Central os que resistem à sua orientação. Mas a luta travada pelos marxistas-leninistas dá frutos: desperta grande número de militantes para o combate às concepções errôneas e aguça seu espírito critico“. O V Congresso afastou do Comitê Central doze de seus membros efetivos, num conjunto de 25, além de vários suplentes.
Logo, em agosto de 1961, sob o pretexto de garantir a legalização do partido, o grupo de Prestes, que já controlava a direção do PCB, sumariamente adota novos Programa e Estatutos, modificando o nome para Partido Comunista Brasileiro e retirando as referências ao marxismo-leninismo, ao internacionalismo proletário e ao objetivo do socialismo.
Em reação ao golpe, um grupo de dirigentes e militantes publica Em defesa do Partido, uma carta assinada por cem destacados militantes, que ficou conhecida como a “Carta dos Cem”. O texto denuncia os ataques ao partido pelos revisionistas e identifica essas posições como tendo suas raízes no XX Congresso e na corrente liquidacionista de Barata. O Comitê Central prestista reage punindo aqueles militantes e, no final de 1961, expulsa Grabois, Pomar, Amazonas, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli, Calil Chade, entre outros.
Cisão e a reconstrução de 1962
Diante da destruição orgânica, coube à fração proletária assumir a reconstrução do partido comunista em nosso país. Em fevereiro de 1962 realiza-se a V Conferência Nacional (extraordinária) do Partido Comunista do Brasil. Na conferência é aprovado um Manifesto-Programa e é eleita uma nova direção central, composta por oito membros do antigo órgão dirigente e diversos militantes com mais de 20 anos de atividade partidária ininterrupta. Para diferenciar da agremiação de Prestes, que mantivera a sigla PCB, os marxistas-leninistas, mantendo o nome internacionalista de Partido Comunista do Brasil, seus Estatutos e órgão central, adotam a sigla PCdoB.
A cisão de 1962, ainda que não tivesse uma clara compreensão do revisionismo moderno, é a primeira a ser realizada nos partidos comunistas no mundo capitalista após seu surgimento com o XX Congresso do PCUS. É um importante marco histórico, pois encerra um longo período de convivência entre marxistas e revisionistas dentro de uma mesma organização, desde o congresso dos bolcheviques de 1912, liderados por Lenin, que se separou organicamente dos mencheviques e de outras frações oportunistas do Partido Operário Social Democrata da Rússia.
Ainda que seus atores não se dessem conta de que esta luta era parte de uma luta muito maior contra todo revisionismo moderno, se identificariam crescentemente com ela, fazendo com que pouco a pouco compreendessem a real dimensão de seu conteúdo. O Manifesto-Programa ainda apresenta ambiguidades decorrentes desta incompreensão. Ao mesmo tempo que rechaça a “transição pacífica“,afirmando que”as classes dominantes tornam inviável o caminho pacífico da revolução“, segue considerando que a”União Soviética marcha para o comunismo“, e ainda de que era necessário um combate sistemático ao “culto a personalidade“.
Vejamos que a identificação dos problemas de direção como sendo devido a um suposto “culto à personalidade” (como fora odiosamente atribuído a Stalin pelo revisionista XX Congresso) impediu os revolucionários de compreender a fundo a verdadeira natureza dos problemas que marcaram a direção do partido durante sua existência. Os desvios de tipo mandonista de cima a baixo e deformações imitativas, nada tinham a ver com a direção de Stalin, mas eram derivadas de incorretos métodos de direção, resultantes de desvios pequeno-burgueses na direção do partido, sendo necessária uma profunda autocrítica através de um sistemático processo de retificação. Mesmo com a reconstrução de 1962, desvios deste tipo se mantiveram, impedindo a luta de linhas vital para o desenvolvimento partidário e forja comunista.
Nesse período o Partido Comunista do Brasil reconstruído, o PCdoB, devido à herança oportunista, manifesta nas ambiguidades de suas formulações, busca alinhamentos internacionais de forma aleatória com o próprio PCUS e o PC cubano, os quais o rejeitaram. Após uma maior aproximação com o PCCh toma conhecimento da implacável luta contra o revisionismo moderno que se estava travando, elevando sua compreensão sobre a natureza e significado dessa enfermidade. O jornal A Classe Operária chegou a publicar algumas das cartas da polêmica entre o PCCh e o PCUS desde o XX Congresso e iniciada publicamente em julho de 1963.
Já no segundo semestre de 1963, viajam as primeiras turmas para realizar cursos de formação preparatórios na China, sob a direção de Mauricio Grabois. Dentre eles estavam Osvaldo Costa (Osvaldão), Giancarlo Castiglia, Piahuí Dourado e outros (todos militantes que, posteriormente, tombariam em combate na Guerrilha do Araguaia).
Resposta a Kruschov
Em 1963, Kruschov, em uma carta do PCUS dirigida ao PCCh, acusa os dirigentes comunistas brasileiros de serem um grupo “antipartido” incitado pelos chineses e cita nominalmente Mauricio Grabois e João Amazonas. O PCdoB publica uma carta aberta com o título Resposta a Kruschov assinada pelo Comitê Central, cuja autoria é atribuída a Mauricio Grabois, denunciando as posições revisionistas adotadas pelo PCUS e seus correligionários no Brasil, fazendo a defesa do marxismo-leninismo e do PCCh. Esta carta, como demarcação de posição, fora um importante marco, tanto no interior do PCdoB, quanto para a confrontação ideológica que se dava no mundo.
O golpe de Estado fascista de 1964
Em 1º de abril de 1964, irrompe o golpe de Estado militar-civil, patrocinado diretamente pelo imperialismo ianque, depondo o presidente João Goulart. Jango, enquanto representante da burguesia nacional, assumira após a renúncia de Jânio Quadros. Um grande movimento de massas, dirigido por forças nacionalistas e democráticas, encabeçado por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande Sul, garante a posse de Jango.
No Nordeste, as Ligas Camponesas, que haviam sido criadas em janeiro de 1955, aumentavam enormemente sua influência e organização, com a palavra ordem de “reforma agrária na lei ou na marra”, e ameaçavam seriamente as oligarquias latifundiárias. As Ligas, sob a influência crescente da vitória da Revolução Cubana em 1959, passaram a ser alvo de grande preocupação das classes dominantes e do imperialismo.
Jango assumira um programa de reformas de base, cujo eixo era a reforma agrária e manteve uma postura mais conciliadora durante o governo. Entretanto, em 1964, diante da crescente mobilização popular e do acelerado agravamento da situação política, com conspirações abertas para derrubar seu governo, define por apoiar-se na mobilização popular para concretizar seu programa de governo e deter o golpe. Para isso organiza o famoso Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, a 13 de março de 1964, que reúne mais de 200 mil pessoas, conclamando o povo a apoiar seu governo. Dias antes Jango já assinara um decreto, desapropriando terras às margens das rodovias e ferrovias federais e encampando as refinarias particulares.
As reformas de base e os possíveis desdobramentos da mobilização popular chocavam-se frontalmente com os planos do imperialismo ianque e das classes dominantes locais. Diante do golpe, Jango recua e impede seu dispositivo militar de reagir, renuncia e se exila no Uruguai.
Prestes, em sua euforia reformista, afirmara dias antes do golpe que o PCBrasileiro estava praticamente no poder, que os reacionários estavam derrotados, defendendo que a mobilização de massas e o dispositivo militar de Jango impediria qualquer tentativa golpista.
Suas teses acerca da democratização crescente da sociedade brasileira caíram completamente por terra no dia 1º de abril. Assim ficara comprovada aos olhos de todos a impossibilidade de qualquer conquista democrática significativa pela via pacífica, o que logo geraria novas rupturas no partido de Prestes.
Em O golpe de 1964 e seus ensinamentos, o PCdoB reafirma a defesa da luta armada. A questão da violência revolucionária passa a ser um importante ponto de unidade, ainda que houvessem grandes discrepâncias quanto ao conteúdo e forma de que tal luta deveria se revestir. Já em março de 1966 o PCdoB assume um papel ativo na luta ideológica, publicando carta aberta a Fidel Castro, intitulada O Marxismo-Leninismo triunfará na América Latina,onde critica firmemente a adesão de Castro ao revisionismo moderno e seus ataques ao PCCh e à República Popular da China.