Um dos principais mitos em que se apoiam os atuais defensores de uma intervenção militar no Brasil é a ilusória ideia de que durante o regime militar-fascista (1964-1985) não havia corrupção no gerenciamento do velho Estado e de que, quando muito, os eventuais escândalos que conseguiam romper as mordaças da censura, institucionalizada no período, não passavam de casos isolados.
Getúlio Gurgel
General reacionário Figueiredo e Alfredo Stroessner (gerente de turno do Paraguai, 1954-89)
Documentos recentemente revelados pelo monopólio de imprensa, provenientes dos arquivos do Ministério Público Militar (MPM) e do Supremo Tribunal Militar (STM), contendo incontáveis casos de corrupção cometidos por militares entre os anos de 2014 e 2017, lançam luz sobre o assunto1. Pelos dados apresentados nestas matérias, estima-se que, no período, pelo menos R$ 191 milhões tenham sido desviados das Forças Armadas em crimes envolvendo aproximadamente 431 militares.
Ainda que a corrupção esteja longe de ser o problema mais importante do país ou o maior dentre os incontáveis crimes cometidos pelos milicos de ontem e hoje, faz-se necessário trazer à tona e analisar cuidadosamente estes fatos envolvendo as reacionárias Forças Armadas para evidenciar a sua natureza semicolonial e serviçal da grande burguesia e do latifúndio, assim como para demonstrar o caráter estrutural da corrupção no capitalismo burocrático engendrado no Brasil pelo imperialismo, principalmente do USA.
Esquemas de corrupção no regime militar
É extensa a lista das escusas práticas patrimonialistas envolvendo agentes do regime militar e as reacionárias classes dominantes que deram sustentação interna ao regime militar. No dia 01/08/1976, o jornal O Estado de São Paulo publicou a matéria intitulada “Assim vivem os nossos superfuncionários”2, de autoria de Ricardo Kotscho, na qual são apresentadas as absurdas “mordomias” usufruídas por políticos e altos funcionários em Brasília. Os fatos descritos na ocasião são em tudo semelhantes aos “escândalos” diuturnamente repetidos pelo monopólio de imprensa, envolvendo a chamada “classe política” nos gerenciamentos de Lula/Dilma/PT e do canalha Temer/PMDB/PSDB e sua quadrilha.
Dentre os esquemas de corrupção durante o regime militar, citamos dois dos mais conhecidos. Hidrelétrica de Itaipu: a maior produtora de energia elétrica do mundo, foi, provavelmente, a obra em que mais se desviou verba pública durante o regime militar. Há fortes indícios de que, em 1979, o embaixador José Jobim fora assassinado pelo regime na tentativa de esconder esquemas de corrupção envolvendo a construção da hidrelétrica3.
Transamazônica: outra obra faraônica bilionária e inconclusa, iniciada no gerenciamento Médici (1969-1974). O projeto previa a ligação do Cabedelo, na Paraíba, à cidade de fronteira Benjamin Constant, no Amazonas. A ideia era seguir até o oceano pacífico pelo Peru e o Equador. No fim, a Transamazônica terminou 687 km antes, em Lábrea (AM), e, claro, sem asfalto. Nem por isso, deixou de custar mais de 1,5 bilhões de dólares à época.
Uma extensa lista de obras do período seguiu o mesmo modus operandi: Usina Hidrelétrica de Tucuruí/PA, Usina Nuclear Angra I, Ferrovia do Aço, Ponte Rio-Niterói, etc. Dezenas de empresas, nacionais e estrangeiras, apoiaram diretamente o regime militar beneficiando-se das escusas relações estabelecidas com o mesmo.
Levantamento da Comissão Nacional da Verdade publicado em 20144 apresenta o nome de mais de 80 dessas empresas, das quais destacamos as multinacionais do setor automobilístico: Volkswagen, Chrysler, Ford, General Motors, Toyota, Scania, Rolls-Royce e Mercedes Benz. Já entre os políticos que operavam os esquemas, vemos que o regime militar foi uma verdadeira escola de formação de corruptos, de onde saíram figuras nefastas como Paulo Maluf, ACM, Sarney, Delfin Neto5, entre tantos outros.
As benesses das empreiteiras
Além das multinacionais do setor automobilístico, parte significativa dos esquemas de corrupção durante o regime militar tem em comum a participação das mesmas empreiteiras que hoje figuram como protagonistas da Operação “Lava Jato”. A estruturação do oligopólio das empreiteiras, comandado pela “big three” – Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht – coincide com o período de consolidação do capitalismo burocrático no país entre os anos de 1930, 1940 e 1950 e foi exponencialmente impulsionado após o golpe de 19646.
No objetivo de dotar o país da infraestrutura mínima necessária para ampliar a inversão de capital monopolista transnacional e, portanto, aprofundar o domínio e saqueio semicolonial do país pelo imperialismo, principalmente ianque, estas empresas foram responsáveis, durante todo o período do regime militar, pela construção de grandes obras como rodovias, aeroportos, usinas, ferrovias, hidrelétricas, etc., tudo isso usando expedientes ilícitos como fraudes em licitações, superfaturamento e formação de cartel.
O silêncio sepulcral da Globo a este respeito é mais uma demonstração de seu apoio irrestrito ao regime militar fascista que infelicitou o nosso país durante longos vinte e um anos.
Os ‘privilégios’ da milicada golpista
Mesmo após o fim do regime militar, os milicos não perderam seus privilégios e, muito menos, a sua influência. Pelo contrário, nos últimos tempos assistimos a um recrudescimento de sua intervenção política em meio ao aprofundamento da crise moral do velho Estado e de suas instituições.
Desta maneira, não apenas se mantêm impunes pelos crimes cometidos durante os anos em que gerenciaram o velho Estado como, recentemente, sancionaram sua autoimunidade por crimes cometidos contra civis, ao poderem ser julgados nestes casos apenas por tribunais militares, sobejamente conhecidos por seu corporativismo. Além do que, apesar de parlamentares militares da reserva e seus representantes no parlamento burguês defenderem ardorosamente em seus discursos o fim dos “privilégios”, particularmente dos servidores públicos, não apenas seguem de fora dos ataques contidos na contrarreforma da Previdência como mantêm intactas as poupadas aposentadorias (entre outras mordomias) das viúvas dos generais e dos próprios gorilas de pijama. Da mesma forma, seguem impunemente atolados até o pescoço no mar de lama da corrupção, que é o próprio modus operandi da política oficial no país, como demonstram as denúncias acerca do recebimento de propina da JBS de Joesley Batista pelo militar da reserva Bolsonaro/PSC7.
2 – https://mordomias.wordpress.com/a-denuncia-da-mordomia/
3 – https://www.documentosrevelados.com.br/geral/corrupcao-na-construcao-da-usina-de-itaipu-pode-ter-motivado-a-morte-do-embaixador-jose-jobim/
4 – https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/08/politica/1410204895_124898.html
5 – http://www.ligaoperaria.org.br/1/?p=9982
6 – https://apublica.org/2017/04/entrevista-traz-analise-e-historias-de-corrupcao-na-ditadura-militar/
7 – http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/05/1886798-qual-partido-nao-recebe-diz-bolsonaro-sobre-propina-a-radio.shtml