A criminosa venda da água

A criminosa venda da água

De acordo com a Lei Federal 9.433 (art. 1º, II, art. 5º, IV), de 8 de janeiro de 1997, a água passou a ser considerada “um recurso natural limitado, dotado de valor econômico”. Ou seja: a água passou a ser mercadoria. E isso vale para qualquer água — conforme se verá adiante, na transcrição dos textos constitucionais concernentes. Para vender a água ao povo, esta famigerada lei engendrou as arapucas chamadas “Agências de Água” (art. 44, III). O fato da lei (em seu art.18) dizer que a outorga (aprovação, permissão) não implica alienação (cessão) parcial das águas — “que são inalienáveis” — e sim o simples direito de uso, não passa de jogo de semântica do legislador. No caso, o “direito de uso” é pago e, de fato, constitui venda.

As águas não voltam ao suposto dono, mas se transformam em mercadorias (verduras, legumes, grãos, forragens, água tratada, etc.) que são depois vendidas ao povo. A parte que se evapora — bastante considerável, principalmente nos sistemas de irrigação das lavouras — segue o destino dos ventos.

Na referida lei, a expressão “um recurso natural limitado” entrou por claro intuito demagógico, dando a entender que a água da terra está acabando e que são necessárias apressadas providências. E o arcabouço das “providências” está ali, bem armado através de seus 57 artigos, num emaranhado de normas com segundas intenções.

O que na verdade se verá de imediato é o aumento do custo de vida, de forma gradual, conforme prevê o plano arquitetado pela conhecida súcia que então governava o Brasil. Isto é mais do que óbvio, pois o agricultor que irriga suas lavouras, ao pagar pela água, repassará a despesa aos consumidores. Além disso, todos os cidadãos futuramente vão pagar mais caro pela água tratada. Por enquanto, pagamos apenas pelo tratamento.

A água é do povo

Contudo, a água é de todo o planeta. Não tem morada fixa em país algum. Tanto o ar quanto a água são bens da natureza. Nenhum deles pode ser tomado como mercadoria, por quem quer que seja. A Constituição diz que as águas são do povo. Logo, o governo está vendendo ao povo o que já pertence ao próprio povo. Eis um ato de grave traição.

A Lei 9.433/97 é uma sofisticada arma de assalto ao bolso da sociedade. Os supostos objetivos de “defesa do meio ambiente e do interesse público” não passam de embuste para tentar justificar o saque. Para a defesa do meio ambiente, já temos 37 leis, 10 decretos-leis e 200 decretos, aproximadamente, complementados por atos menores — além dos inúmeros acordos, protocolos e convenções internacionais.

E a famigerada lei foi precedida por ardilosa campanha na mídia venal, fazendo crer que o globo terrestre não mais se compunha de ¾ de água e ¼ de terra firme, e que dentro de pouco tempo estaríamos sem água para beber caso não fossem tomadas imediatas providências. Só não explicaram o que está sendo feito da água do planeta, o que está ocorrendo com ela, se está sendo decomposta por processos desconhecidos, ou emigrando para Marte ou Plutão. O certo é que a campanha já fazia parte daquilo que o governo estava planejando.

Essa lei foi aprovada por um Congresso submisso, movido por interesses escusos da camarilha que comandava o Executivo, então inteiramente subordinado aos desígnios de certos grupos estrangeiros. Embora sancionada por Fernando Henrique Cardoso, seu conteúdo foi introduzido em sua mente pelos lacaios do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Cardoso foi “vítima” de uma lavagem cerebral tão competente que age inteiramente de acordo com a nacionalidade dos que o sugestionaram. Foi cúmplice de uma poderosa gangue que vive de sugar os recursos dos países e consegue submetê-los através de um perverso processo de endividamento crescente.

O projeto da água foi arquitetado diante da certeza daquela gangue de que futuramente o dinheiro da arrecadação tributária mal daria para cobrir os gastos com parte dos juros das dívidas contratadas. Como o Governo necessita de recursos para cobrir suas despesas normais (e até para patrocinar suas campanhas na mídia), o jeito mais prático seria vender as águas dos rios, dos córregos, dos ribeirões, dos lençóis subterrâneos… Qualquer água! Uma fonte inesgotável de recursos. Um projeto de longo alcance, de implementação gradual para não causar impacto politicamente inconveniente. Assim, os juros ficariam com os impostos e as Agências de Água cobririam as despesas públicas.

O que diz a lei

Quanto às águas, a Constituição Federal estabelece:

Art. 20. São bens da União:

III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

Art. 21. Compete à União:

IXI – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

E mais adiante:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

É evidente que estas disposições constituem instrumento do Estado para a defesa do interesse público, não autorizando dotar a água de valor econômico — o que equivale transformá-la em mercadoria.

Face ao que foi exposto (considerando ainda que o “esquema”, por incrível que pareça, não conseguiu eleger José Serra), o novo governo tem obrigação de revogar a malfadada Lei 9.433; revogar in totum, pois toda ela gira em torno da venda das águas. É inconcebível que este governo esteja com a intenção de se aproveitar dela. E mesmo que não haja tal intenção, a coisa não pode simplesmente ficar como está, pois esta lei não é o que parece ser, podendo se converter em arma perigosíssima nas mãos de um governo salafrário.

É preocupante o fato de que o novo governo tenha “escolhido” para comandar o Banco Central um banqueiro ianque (o homem nasceu em Goiás, mas sua alma é de lá), com o objetivo já declarado de tornar aquela instituição um país independente dentro do Brasil.


*Muniz do Bomfim Borges é auditor fiscal do Estado, aposentado em Goiânia-GO.
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