A crise acaba com o capitalismo?

A crise acaba com o capitalismo?

Ninguém que tenha apreço pelo bem comum suporta o capitalismo, sistema cuja característica é não estabelecer limite algum à concentração da economia por grupos privados.

2 Eliminá-lo não implica, porém, excluir a propriedade privada dos meios de produção. Esta pode existir em sistema não-capitalista, se não estiver cartelizando os mercados e não ocupar setores de grande porte, como a infraestrutura e as indústrias de base, nem atividades estratégicas, como bancos, inteligência e defesa.

3 O que não é realista é falar em acabar com o domínio capitalista, que envolve seu corolário imperialista, sem desmontar as bases de seu poder. Para afastar o ressurgimento daquele domínio, a sociedade, através do Estado, tem que manter a vontade de impedir a concentração do capital e dispor dos meios para isso.

4 Do contrário, não se extingue a opressão concentradora e saqueadora, nem o controle total do processo político pela oligarquia, como ocorre nas principais sedes imperais (anglo-americanas), nos satélites europeus e asiáticos, e em áreas de dominação colonial, entre as quais o Brasil.

5 A essa tirania global, a oligarquia dá nomes enganosos, como “nova ordem mundial”, “governança global”.

Totalitária, fala em democracia, enquanto manipula e compra eleições, além de organizar golpes de Estado. Faz intervenções genocidas, dizendo defender direitos humanos.

6 O capitalismo tem menos virtudes do que lhe atribuem, inclusive Marx e seguidores. Como exponho em “Globalização versus Desenvolvimento”, o desenvolvimento econômico e tecnológico dos países que o alcançaram, se deveu à direção do Estado, a investimentos deste e à proteção a empresas privadas nacionais, formadoras da economia de mercado.

7 Esta não deve ser confundida com a superestrutura concentradora, isto é, o capitalismo. Este a explora e suga, até destruí-la, ao longo do processo de concentração, que acaba com o desenvolvimento, viável quando e onde a economia de mercado é combinada com a direção do Estado e empresas estatais nos setores em que a concorrência dificilmente pode estar presente.

8 Em suma, os que têm vontade e descortino para trabalhar pelo bem comum, devem ter consciência que o problema reside na concentração econômica, e que esta tem de ser evitada. Se todos os meios de produção são estatizados também há concentração.

9 Esta, nas mãos do Estado, teve, entretanto, papel positivo, ao habilitar países grandes, populosos e dotados de recursos naturais, como a Rússia e a China, a liberar-se da espoliação pelo capital estrangeiro e a defender-se de agressões imperiais. Depois, desenvolveu indispensáveis capacidades nucelares e balísticas, e o equilíbrio no poder mundial estabelecido pela União Soviética viabilizou a independência de muitos países, entre os quais a Índia, a Argélia, e a própria China.

10 Que a União Soviética tenha sido desmembrada e que a China tenha mudado de curso, não altera o fato crucial de esta e a Rússia serem, hoje, as únicas potências em condições de dissuadir a oligarquia anglo-americana de novas guerras imperiais e genocidas.

11 A crise provocada pelo capitalismo (o que não é o mesmo que crise capitalista), é imensa e cada vez mais profunda, como ilustra o estoque de US$ 600 trilhões em derivativos, títulos, na maioria, podres. Além disso, gerou dívidas nacionais imensas, como a dos EUA, muito maior em proporção do PIB, que a da Grécia, objeto de tanto estardalhaço.

12 A dívida somente dos EUA, Japão, Reino Unido e União Europeia soma US$ 45 trilhões. Os bancos centrais começam a livrar-se dos títulos do Tesouro dos EUA, e o dólar está desacreditado, por mais que a oligarquia manipule os mercados. Pior, a depressão segue, com crescente desemprego e perda de proteção social, trazendo miséria e sofrimentos indizíveis a centenas de milhões de pessoas.

13 Vários analistas estão escrevendo sobre a crise “do capitalismo”. Sobre esse ponto, as coisas precisam ficar claras. Muitos creem que a crise possa, por si só, implicar o fim do capitalismo, com a ideia subjacente de que, quando a acumulação capitalista se torna extrema, abrem-se as portas para a revolução que o suprimirá.

14 Não se trata de consequência inexorável, mas só de oportunidade, não tão fácil de ser aproveitada, tanto mais que a oligarquia tirânica vale-se, de modo crescente, há mais de um século, de técnicas da psicologia aplicada e de fantásticos meios da tecnologia da (des)informação e da comunicação social, para perverter, desmoralizar e anular a maior parte da humanidade, arrasando, inclusive, culturas nacionais, através desses meios.

15Assim, por mais desastrosos que sejam os efeitos da concentração econômica e do aviltamento das condições de vida dos povos, estes encontram hoje grandes dificuldades para liberar-se, não só devido à incorporação de tecnologia às armas da repressão e das agressões imperiais, mas também devido ao desgaste psicológico e cultural.

16 Os colapsos financeiros e econômicos criados pelo capitalismo têm sido terríveis para a humanidade, mas não para ele, já que a oligarquia se serve deles para aumentar ainda mais seu poder relativo.

17 Mais: a História, desde o Século XX, mostra que os casos em que o comando político escapou das mãos da oligarquia imperial, se deram em países onde não havia grande concentração capitalista, mas, sim, contextos de guerra e invasões sofridas por esses países. Parece também demonstrado não haver casos em que a estrutura econômica tenha sido substituída na vigência do regime político pré-existente.

18 Voltando à definição do capitalismo, o afastamento dele não implica que o Estado controle todos os meios de produção. Lenin, com a Nova Política Econômica, em 1921, procurou favorecer a economia de mercado, com empresas privadas, sem que o Estado perdesse seu poder político nem o comando da produção (economia).

19Alguns julgam que a China encetou, após 1977, o caminho do capitalismo, de Estado, ou controlado por grupos privados, formados por quadros políticos. Como quer que seja, obteve notáveis progressos econômicos e tecnológicos, e surge como superpotência.

20Conseguiu-o por não ter chegado à extrema concentração que caracteriza o capitalismo, inclusive mantendo os bancos sob controle estatal, e por ter assegurado que, apesar da abertura a investimentos diretos estrangeiros (IDEs), a economia não passasse ao comando das transnacionais.

21Estabeleceu e fez cumprir regras estritas para absorver capital e tecnologia. Esse feito, sem precedentes, deveu-se ao sistema político com direção centralizada, a salvo de eleições manipuladas pelo dinheiro.

22Os outros únicos países que haviam logrado incorporar significativamente tecnologia estrangeira em suas empresas foram Japão, Coréia do Sul e Taiwan, para o que desestimularam os IDEs e assim evitaram entrada expressiva deles em seus mercados, impondo, ao contrário, contratos de transferência de tecnologia.

23 A China conta com empresas nacionais de ponta em todos os setores, enquanto o Brasil quase já não tem marcas nacionais, pois entregou seus mercados às transnacionais, dando-lhes capital, e pagando por tecnologia jamais adquirida. Aqui prevalece o fetiche da falsa democracia, importada das potências imperiais, que promoveram os golpes de 1945, 1954 e 1964, com o apoio da mídia e da “União Democrática Nacional” – UDN, através de militares doutrinados com o “espectro do comunismo”.

24 Após esses golpes, foram instituídos subsídios e retirados óbices ao capital estrangeiro. JK ampliou esses favores. Sob o primeiro governo militar, Roberto Campos fez destroçar o grosso das empresas de capital nacional. Depois, novos subsídios à exportação em benefício das transnacionais (Delfim Netto).

25 Por meio de fraude em seu texto, a Constituição de 1988 favorece pagamentos da dívida pública inflada por juros e taxas. A seguir, mais crimes contra o País, com os desastrosos Collor (leis de desestatização e Lei Kandir) e FHC. Este fez a União gastar centenas de bilhões de reais para entregar, de graça, fabulosos patrimônios do Estado e das estatais ao capital estrangeiro. Nenhum desses fatores de destruição da economia foi removido por Lula nem pelo atual governo.

* Adriano Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento” – [email protected]

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: