A crise das eleições e a eleição da crise

A crise das eleições e a eleição da crise

A divulgação das pesquisas de intenção de voto para a sucessão presidencial no final do mês de maio foi precedida por uma onda especulativa no mercado financeiro, com alta do dólar e queda das bolsas. Esta onda seria conseqüência da existência de pesquisas dando conta de que Garotinho já teria ultrapassado Serra na disputa pelo segundo lugar na sucessão presidencial, e que diante disto a banca financeira internacional estaria elevando o "risco Brasil", ou seja, rebaixando a credibilidade do país honrar compromissos e garantir o capital nele "aplicado".

FHC e Malan, arrostando um nacionalismo roto, falso e envergonhado, então logo trataram de "defender" o país, para que a impostura de se apresentar à nação como grande estadista indignado não ficasse exclusivamente nos discursos de Lula e Ciro Gomes. "Análise apressada", "distante da realidade", "a estabilidade não corre risco com a sucessão presidencial", "ingerência externa", foram os argumentos utilizados com maior ou menor ênfase pelos quatro. Conquanto cada qual com interesses específicos próprios, as diferenças no acento e manejo destes argumentos pelos quatro devem ser creditadas antes ao ambiente em que foram sacados do que realmente a alguma diferença substancial.

Opções sem opção

Primeiro foi o "menino de ouro" dos agiotas internacionais, o presidente do Banco Central Armínio Fraga, o escalado para, em entrevista amena e despretensiosa no Programa do Jô, justificar a apreensão do "mercado financeiro internacional". Depois o próprio Malan foi à TV dizer que são os candidatos que deixam o mercado nervoso. Só faltou receitar como calmante para o mercado, a nomeação de Serra pelo FMI.

O que realmente ocorria no início de maio, período em que a grande imprensa acordou não divulgar pesquisas eleitorais (informação veiculada pela própria imprensa em pés de páginas ou artigos), era um esforço concentrado para recompor a fragmentada base governista, atraindo pelo possível e concreto soçobro do próprio sistema o PFL para a aliança PSDB-PMDB. Tratava-se então de ganhar tempo, aplicar e verificar a eficácia da tática de aterrorizar as classes dominantes e seus setores para lograr mais uma vez necessária união circunstancial. E as denúncias contra um dos tesoureiros de José Serra, Ricardo Sérgio, escalado para financiar, via Banco do Brasil, os consórcios que abocanharam o filé das estatais e pegar o troco para as despesas miúdas da quadrilha, nada mais significaram do que uma tímida tentativa do PFL de desgastar o "adversário" para valorizar seu possível apoio.

Divulgadas as pesquisas do final de maio, Lula em primeiro, subindo, Serra e Garotinho empatados em segundo, estacionados ou descendo; bolsas em queda e dólar em alta; crescimento do desemprego e queda do "investimento" estrangeiro. É o próprio FHC que se vê na obrigação de assumir e impulsionar a "linha catastrófica", alertando que "o Brasil, pode sim, se transformar em uma outra Argentina", enquanto os marqueteiros de Serra investem para maquiá-lo com olhos azuis, cabelos lisos e loiros, tentando desvincular sua imagem da crise, mantê-lo em evidência na imprensa e conseguir alguns pontos nas pesquisas que o permitissem respirar e reverter a desesperadora situação de sua candidatura.

Na base de tudo isso, que a grande imprensa caracteriza como crise de governo ou da candidatura governista, e que não passa de uma crise de superfície, está a verdadeira, profunda e real crise do sistema representativo. Não apenas as eleições no Brasil como as últimas ocorridas pelo mundo, provam isto.

Crise social, econômica, política e moral

México, Equador, Peru, Chile, Venezuela, Paraguai, Colômbia, Uruguai, Argentina, Brasil, tiveram nos últimos anos governos das mais diferentes matizes, após os regimes militares. Em todos estes países, do ponto de vista social, aumentou a concentração de riquezas, a pobreza, a miséria e a fome; os parques industriais se tornaram ainda mais obsoletos e o que tinha de mais desenvolvido foi desnacionalizado; os serviços públicos, saúde, educação e transportes, bem como as tarifas de água e energia, tiveram seus preços elevados às alturas e retrocederam no atendimento às camadas empobrecidas da população. Todos seguem o modelo ditado pelo FMI, em que pese, por exemplo, o discurso nacional-reformista populista burguês de Hugo Chaves na Venezuela.

Do ponto de vista econômico, não existe nenhuma diferença de conteúdo nas políticas aplicadas nestes países. As quimeras, câmbio fixo ou flutuante, o momento certo para flexibilizar; a porcentagem alcançada no esforço para alcançar superávit primário; a velocidade no processo de privatização, nada disso, apesar do que pretendem os analistas burgueses, pode explicar o sucesso de uns e o fracasso de outros. Mesmo porque o fracasso é regra geral.

E do ponto de vista político, se alternaram nos governos Alan Garcia, Fujimori e o "cholo de Harvard" no Peru; liberais e conservadores no Equador; o PRI perdeu as eleições no México; no Brasil, Sarney e Collor, da antiga Arena, e Itamar e FHC, do antigo MDB; na Argentina, Alfonsin, Menem e De la Rua; na Venezuela, Perez e Chavez; na Colômbia, Pastrana com discurso "negociar com a guerrilha", e agora Uribe, reclamando maior apoio dos EUA para dizimar os rebeldes, e etc.

Todos governos de turno, alguns mais outros menos capachos; alguns negociadores, outros assassinos sanguinários; nenhum alterou a estrutura do estado, nenhum exerceu poder de fato, pelo contrário, todos se submeteram ao modelo imposto pelo imperialismo ianque: eleições "livres" sob o controle do capital e dos meios de comunicação; economia dirigida pelo FMI; criminalização das lutas populares; Ministérios da Defesa e Polícias Federais sob o controle da CIA. Mesmo o nacionalista Hugo Chavez, da Venezuela, onde as massas nas ruas derrubaram o golpe descaradamente armado na embaixada ianque contra seu governo, voltou ao "poder" admitindo ter cometido erros e que não era corretamente compreendido pelos EUA.

A falência do sistema representativo no Brasil

Essa crise está baseada no fato de existir um poder central, o Imperium, com sua pauta inflexível de determinações e exigências aos governos vassalos e, por outro lado, para não dizer que não existe democracia, candidaturas variadas com promessas de melhorar o mesmo sistema de saúde, educação, transporte, habitação e o de emprego.

Todas as promessas feitas com a plena consciência de que serão, uma a uma, jogadas na lata do lixo. Foi assim com Collor, Itamar, FHC (nas duas gestões) e assim será com o próximo gerente.

O povo cada vez acredita menos e, por isso mesmo, com o voto obrigatório, se abstém ou protesta votando em branco e nulo.

Não se pode perder de vista o desmascara-mento dos oportunistas travestidos de socialistas ou trabalhistas que, no poder, têm se revelado verdadeiros cães de guarda do imperialismo, vide Jospin, Tony Blair e Schreider.

O povo se revolta com as falsas promessas e aí, ou derruba o demagogo enganador ou coloca em lugar da direita camuflada de esquerda, a direita autêntica.

Por incrível que pareça, esta é uma eleição em que todos apostam na crise. Seus programas estão voltados ao gerenciamento do mesmo sistema. Cada um repete a todo momento: "Eu posso ser um melhor gerente".

Portanto, os sintomas da crise do governo no Brasil são reflexos da crise na raiz do Estado. As pugnas entre as frações das classes dominantes, as dificuldades em se comporem e se acomodarem, decorrem, como em nenhum outro momento da nossa história, da necessidade destes extratos de classe controlarem o aparelho de Estado, como única condição de sobrevivência econômica e política.

A política do imperialismo ianque de concentração de riquezas, defesa de seus monopólios consubstanciada na prática do protecionismo, necessidade estratégica de fontes e reservas de matérias primas e energia, intervenção militar para assegurar seus interesses, não lhes permite mais compor com este ou aquele setor específico,

Nos países coloniais e semicoloniais, o que está reservado às classes dominantes nativas é, controlando o aparelho de Estado, salvaguardar os seus interesses no que for possível, desde que não comprometam o sistema financeiro "globalizado", e reprimir as massas que cada vez mais se levantam e lutam por seus direitos.

É justamente isso o que as frações da oligarquia nativa disputam no processo eleitoral em curso, mal comparando o cargo de acionista minoritário de uma massa falida em franco processo de liquidação fraudulenta, e a possibilidade de auferir dividendos milionários negociando prazos e ludibriando os outros correntistas.

Não tenhamos dúvidas: é isso que disputa o PT e a esquerda oportunista eleitoreira. Só que, enquanto FHC, Serra, ACM, Ciro, etc., disputam abertamente quem recebe a maior porcentagem, o PT promete, aos exploradores e explorados, que não vai ludibriar. Mas ao aceitar as regras do jogo, cumpre o histórico e nefasto papel dos oportunistas na história.

O vaticínio de FHC de que "o Brasil, pode sim, virar uma outra Argentina", em que pese toda a boçalidade e arrogância do desesperado cabo eleitoral de José Serra, não está longe da realidade, já que é ele, até dezembro, o piloto da crise.

Como nem Serra, Lula, Garotinho ou Ciro apontam para a superação da crise, há uma situação impar: uma eleição com um só partido e quatro sublegendas. Todos manterão a essência da política econômica e aumentarão a repressão contra o povo. Daí a crise do sistema representativo: o povo está vendo.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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