Saques nas ruas do Uruguai: um em cada dois uruguaios está desempregado
Montevidéu (Uruguai) – A atual crise financeira, que há quatro anos teve início no Uruguai, com uma grave recessão econômica, levará o PIB do país a uma queda de 11% de acordo com dados do FMI. Este salto na crise uruguaia, ocorrido em 2002, reflete o agravamento da crise geral do sistema capitalista mundial, que tem golpeado duramente diversos países da América Latina.
Segundo o analista Ricardo Cohen, da Casa de Cultura José Artigas, do Uruguai, em janeiro deste ano “o risco país foi de 300 pontos; em 30 de julho chegou a 3090 e em fins de agosto, apesar da ‘ajuda’ do FMI de 1 milhão e 500 mil dólares, chegava a1800 pontos”. Isto, porque exatamente em janeiro estalou a crise bancária na sucursal do Banco da Galicia, do Uruguai, onde estavam depositados 12 milhões de dólares de origem argentina. Embora o Banco Central uruguaio tenha dado então garantias para suas operações no país, quando ocorre o corralito argentino, esta sucursal ficou sem dinheiro para devolver a seus depositantes, criando assim uma situação crítica com o início de uma corrida aos bancos, principalmente dos depositantes argentinos, que tinham lá depositados cerca de 7 milhões de dólares – quase a metade do total de depósitos do país.
Em seguida, para agravar mais ainda o quadro, aconteceram desfalques em vários bancos, entre eles o desfalque que é dado pelo grupo Rohm no Banco Central, de aproximadamente 150 milhões de dólares. Por sua vez, o grupo Peirano-Velox, que controla grande parte dos bancos gestionados no Uruguai, fez um desfalque de 600 milhões de dólares, e depois mais um outro, ainda maior, envolvendo a Argentina e o Uruguai.
Atualmente, o FMI está forçando a liquidação de quatro grandes bancos estatais no Uruguai já que é grande, e evidente, o interesse do capital financeiro internacional em ter o controle destes bancos.
O desenlace desta crise é incerto e já custou a cabeça do Ministro da Economia, que caiu no mês de julho, e também as dos diretores do Banco Central, que estão sendo investigados pela justiça. Três integrantes da familia Peirano estão sendo processados e já se encontram presos. Para Ricardo Cohen, “o Estado uruguaio encontra-se às vésperas de uma interrupção nos pagamentos de seus compromissos, não só da dívida externa como também a nível dos pagamentos de seus fornecedores de insumos. Em 1º de setembro suspenderam-se todos os pagamentos deste tipo até novo aviso” .
Inflação e rendição orçamentária
Cohen afirma que “no final de junho, depois de dez anos de aplicação de uma política monetária na qual se fixava, por parte do Banco Central, o preço do dólar, este passou a flutuar livremente. Neste momento, o dólar, que estava em 17pesos, chegou a 32 pesos. Isto também provocou um aumento nos preços. O FMI espera que este aumento seja em torno de 40% este ano e 50% no ano de 2003. Mas o certo é que, a nível popular, isto é sentido de maneira bastante forte e muitos preços, como o da carne, da farinha e vários outros produtos básicos chegaram a duplicar; o mesmo acontece com a gasolina, que no mês de agosto subiu três vezes, passando de 15 pesos a 22 pesos”.
Em contrapartida, o governo de Jorge Batlle e seus aliados praticamente congelaram os salários dos funcionarios públicos, rebaixando-os, de fato, em 8% e reduzindo, em 28%, os investimentos. Tentam diminuir o déficit fiscal, que chegou aos 4% nos últimos quatro anos, mas longe disso, já se espera mais de 5% para este ano. Segundo Ricardo Cohen, esta rendição orçamentária se dá “sob forte pressão do FMI e do imperialismo ianque que, tradicionalmente, tem sido o maior credor da dívida uruguaia. E esta rendição é o terceiro ajuste deste ano, que sucede aos ajustes de janeiro e maio, e se dá ao mesmo tempo em que se vota a Lei de Fortalecimento Bancário e a de Reativação Produtiva – que já foi sancionada, e que simplesmente faz algumas quitações de impostos da indústria da Construção e mantém alguns benefícios dos exportadores – junto a um conjunto de leis que estão por ser aprovadas, que são parte da carta de intenção recentemente firmada com o FMI. Ou seja, são leis que privatizam as principias empresas públicas, como a de combustíveis e de água; já se obteve uma vitória parcial no que se refere à telefonia, ainda que já tenham se instalado 15 empresas de longa distancia e várias em telefonia celular. Uma lei sobre o Banco Hipotecário que o funde com o Banco da República, lhe tira toda a condição de operar em dólar e lhe impede a venda de casas cooperativas”.
Dívida externa e PIB
A dívida externa uruguaia, que era de 700 milhões de dólares no começo da ditadura, em 1973, passou a 7 bilhões de dólares com a reinstalação da “democracia”, em 1985. E chegou a 16 bilhões hoje, representando 100% do PIB, de acordo com os dados de Ricardo Cohen.
“O risco país levou a que grande parte desta dívida seja de altos interesses e prazos menores e, ainda, a que se possa dizer que até o momento, o Uruguai está se responsabilizando por suas obrigações internacionais. De fato, há uma situação próxima de interrupção dos pagamentos, inclusive dos salários”, prossegue Cohen. O certo, segundo ele, é que estão ocorrendo grandes quedas nas exportações que, dificilmente, superarão os 2 bilhões de dólares neste ano. Há também no Uruguai uma queda bastante visível no turismo, que sempre foi uma grande fonte de divisas para o país, principalmente do turismo argentino. No caso das exportações, quem mais sentiu a queda foram aqueles setores vinculados à região, em particular à Argentina. Agora, com a desvalorização, algumas exportações para a Europa estão sendo impulsionadas.
Mercosul
Ricardo Cohen destaca que, “além das questões estruturais da dominação imperialista, onde os principais são os ianques, mas participam todos, somos um país onde 14 dos 16 milhões de hectares cultiváveis se dedicam à produção extensiva; somos um país dependente, de capitalismo atrasado, com tudo o que isto significa. Há que destacar que na década de 90 sofremos um profundo retrocesso no aparato produtivo do país. O principal golpe sofrido pela industria nacional na década passada aconteceu com o ingresso de nosso país no Mercosul, que é uma integração dos monopólios imperialistas que operam na região, especialmente os europeus, já que nossa economia exporta especialmente para esta região. Os russos foram importantes compradores na época da União Soviética, mas perderam muitos pesos nestes anos e quase nao existem relações comerciais com eles hoje.”
Para Cohen, esta “integração”, que supostamente abriria um mercado de 200 milhões de pessoas, significou a destruição praticamente imediata de setores inteiros da indústria uruguaia, como nos casos das industrias têxteis, de aço, madeira, vidro entre outras. “Outro golpe importante se dá com o que significaram sete anos de atraso cambiário imposto pelo FMI, que junto à abertura indiscriminada ao exterior trouxe desvantagens para as exportações e serviu somente à burguesia importadora. E agora o governo dos ianques impulsionam a ALCA. Os sociais-democratas e os revisonistas se opõem à ALCA de alguma forma, mas seguem apoiando o Mercosul”, ressalta ele.
Desemprego e pobreza
No anos 90, o desemprego no Uruguai estava em torno de 8% e hoje, de acordo com os dados oficiais, chegou a 17% o que equivale a 300 mil trabalhadores, sendo que a cifra do chamado sub-emprego é de 30 a 40%. Isto significa dizer que 700 mil trabalhadores – que representam a metade da população economicamente ativa no Uruguai – enfrentam graves problemas de emprego. Por outro lado, há um descenso permanente dos salários dos funcionários públicos, com o congelamento e corte de convênios. Se, por um lado, no setor público existe a pressão permanente das privatizações, por outro, no setor privado, existe o aumento generalizado do desemprego, o arrocho salarial e o incremento da flexibilização, da desregulamentação e da terceirização.
No Uruguay existem hoje cerca de 800 mil aposentados e pensionistas, sendo que 60% das aposentadorias não superam o valor de 100 dólares (o equivalente à aproximadamente 300 reais). O salário mínimo uruguaio, neste momento, é de 150 dólares (cerca de 450 reais).
Neste período, a cesta básica esteve em torno dos 1000 dólares (3 mil reais). Com a desvalorização, que foi de 90% nos últimos dois meses, superando a inflação, a cesta básica chegou a 800 dólares (2 mil e 400 reais). Segundo Ricardo Cohen, isto explica porque “50% das crianças no Uruguai vivem abaixo dos níveis de pobreza e a miséria tenha dado um salto entre os fenômenos sociais: um em cada seis uruguaios vive em assentamento, um em cada dois não tem trabalho estável e, por tanto, têm graves problemas de alimentação, saúde, moradia, etc. Esta é a base que explica também os saques recentes, que levam a um proceso de aumento da deliquência, que é a resposta desesperada dos setores mais empobrecidos”.
Crescem as lutas operárias e populares
“Este ano houve mais de uma dezena de mobilizações centrais, passeatas ou atos que contaram com a participação de dez a vinte mil pessoas e aconteceram três mobilizações com a participação de cerca de 50 mil pessoas, em particular na Concentração para o Crescimento, de 16 de abril, realizada em conjunto pela Central Operária (PIT-CNT) e a Federação Rural e 20 Câmaras Patronais, de pequenos e médios proprietários.Houve três paralisações gerais de 24 horas e outras 5 paralisações parciais. Isto se deu no mesmo momento em que acontecem importantes conflitos na área de saúde; a luta dos operários da Coca-cola contra as demissões; marchas por trabalho etc”, prosseguiu o representante da Casa de Cultura José Artigas.
A Federação de Estudantes Universitários do Uruguai (FEUU) está comandando uma greve geral, por mais recursos para a educação, desde o dia 11 de agosto passado. Esta greve se desenvolve com três ocupações de faculdades e com permanentes mobilizações nas ruas.
Cohen destaca que “caracterizamos a atual situação como um novo nível de lutas operárias e populares, que se dá em luta contra o reformismo e o revisionismo, que hegemonizam. O movimento operário, todavia, não rompe espontaneamente com a direção reformista,no entanto esta direção já não pode seguir com a sua tática principal de plebiscitos sem tentar, ainda que com consignas equivocadas, dar alguma resposta, com o que têm levantado como consigna central do movimento, a luta contra a atual política econômica. Ainda assim, propõem diálogos, ganhando tempo, de fato, para as eleições de 2004, quando, supostamente, poderá triunfar a Frente Ampla. O classismo no movimento operário e popular está muito golpeado e dividido; as correntes trotskistas e anarquistas que atuam dentro do movimento levam à dispersão e travam o desenvolvimento de uma posição classista e combativa, que ataria importantes setores das massas”.