A desgraça do “grande irmão”

A desgraça do “grande irmão”

O escritor inglês George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903-50) surpreendeu boa parte do mundo ao lançar o romance Nineteen Eigthy Four, ou 1984, em que previa, com minúcias de detalhes, o surgimento de uma nova sociedade controlada menos pela força bruta e mais pelos sofisticados produtos da indústria da tecnologia, e abordava, de forma impressionantemente lúcida e pioneira, a presença entre nós de um big brother, ou "grande irmão", nos vigiando o tempo todo, num tempo que já chegou para ficar.

A presença desse nefasto "irmão", representado por lentes, câmeras ou "olhos mágicos" é visível nas ruas, bares, bancos, cinemas, supermercados, livrarias, shopping centers e noutros cantos e lugares, menos, talvez, no pequenino Reino de Butão (Druk Yul), de 47 mil km2 e 2,1 milhões de habitantes.

Em Butão, localizado no centro-sul da Ásia, entre a Índia e o Tibete, o bicho televisão só chegou há coisa de cinco anos, ainda assim, de forma discreta e restrita.

Enquanto hoje a Inglaterra discute a proibição da venda de cigarros, em Butão, um dos oito países sem relações diplomáticas com os Estados Unidos, e cuja capital é Timfu, isso é realidade concreta desde dezembro do ano passado.

A mim me parece que tão grave quanto o surgimento do "grande irmão" é a sua popularidade crescente, sem falar da admiração e êxtase que desperta num público heterogêneo que não se dá conta, aparentemente, da sua real existência e perigo que porta. Curioso é que esse público se multiplica tão depressa quanto uma praga sem cura. Quer ver? Ligue a tevê, sempre vazia e banal, para constatar o óbvio ululante. Isso nos Estados Unidos, Holanda, Argentina, África do Sul, Itália, Bélgica, Grécia, Polônia, Dinamarca, Espanha, Austrália, Alemanha, Suécia, Suíça, Portugal…

A pergunta é: como pode milhares e milhares de pessoas, de todos os sexos, raças e nacionalidades, se excitarem tanto a ponto de fazerem qualquer coisa para participar de um programa que se propõe claramente a exibir suas intimidades durante todas as horas do dia e da noite? Qual a fantástica razão leva essas pessoas a trocarem uma vida simples por uma vida agitada e fugaz? Também vejo como grave o fato de essas pessoas passarem de uma hora para outra da condição de caça a caça à procura do seu caçador, em cujos braços permutam afagos e prazeres por vantagens financeiras. É o fim. Algum mágico, feiticeiro, psiquiatra ou aplicado estudioso do comportamento humano talvez nos dê de pronto uma resposta plausível para explicar o que leva um professor universitário trancar-se por mais de dois meses numa casa com desconhecidos, entre os quais uma bailarina de sambas sem expressão, uma empresária da beleza (?), um engenheiro mecânico, uma estudante de Direito, um médico-cirurgião, um consultor da área de informática, uma produtora de eventos, um jogador de futebol e sei lá mais quem para fazer o que.

Só arrisco a dizer uma coisa: que são uns tolos e sem perspectiva de vida. De vida saudável, melhor dizendo. Ou saudável ou de bom tom é alguém se deixar levianamente observar por meio mundo em cada gesto mínimo que faça? Só se lhe faltar um parafuso na cachola ou entender que a vida humana se resume apenas a um tantinho assim de fama e dinheiro.

Eu, hein!

 

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