Não fosse a sistemática desinformação, os brasileiros deveriam saber que não basta eleger um presidente honesto, competente e corajoso, para reverter o processo de dominação e de ruína do País. A corrupção sistêmica invade as estruturas de poder, como um câncer em contínua expansão, e só poderá ser debelada mediante profunda reorganização institucional.
Esse processo perverso suprime as perspectivas de vida dos brasileiros, a não ser a de lutar — em vão, na maior parte dos casos — por condições toleráveis de sobrevivência. Muitos, pela mera sobrevivência.
A vida torna-se ainda mais precária, em razão da insegurança pública, dada a freqüência diária dos assaltos, uma espécie de tributo extorquido pelos fora da lei. Há, ademais, o mega-assalto praticado por meio dos tributos oficiais, dilapidados no pagamento de juros, por efeito de taxas sem paralelo no Mundo. Outras portentosas sangrias são as realizadas através: 1) dos preços de exportação dos recursos naturais; 2) do superfaturamento das importações e das despesas pagas no exterior a título de serviços; 3) da perda dos milhões de brasileiros que emigram.
O quadro foi-se agravando desde 1982, quando o Brasil ficou sem divisas para prosseguir servindo a dívida externa, originada pelo modelo econômico imposto ao País por meio da crescente apropriação do capital e dos mercados por empresas transnacionais. Daí formou-se a também desnecessária dívida interna, hoje superior a R$ 1 trilhão.
Até final dos anos 70, o governo federal fez investimentos importantes em infra-estrutura, que explicam as taxas apreciáveis de crescimento do PIB. Mas, devido ao modelo dependente, desde meados dos anos 50, esses investimentos eram programados conforme os interesses das empresas mundiais de bens de capital favorecidas pelos planejadores do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e associadas aos bancos comerciais de seus países. Com isso, os recursos financeiros do País passavam, cada vez mais, a ser consumidos pelo serviço da dívida, de sorte que os investimentos foram minguando.
Eles haviam propiciado aos bancos comerciais mundiais, a partir de 1974, a expansão do mercado de crédito, que praticou juros reais toleráveis até agosto de 1979, quando o Federal Reserve Bureau dos EUA (FED) decretou brutal elevação das taxas, a qual incidiu sobre a maior parte da dívida externa brasileira.
A essa altura os empréstimos internacionais já não mais financiavam investimentos: eram tomados para, acrescidos de novas taxas e comissões, rolar dívidas anteriores. Estas haviam crescido com o acúmulo de déficits nas transações correntes, causados: 1) por investimentos públicos feitos da forma comentada, os quais, ademais, ao gerar economias externas em favor dos investimentos diretos estrangeiros (IDEs), reforçavam o poder destes sobre o mercado; 2) pelo fato de os IDEs e os investimentos das empresas locais também implicarem importações de bens de capital, insumos e supostos serviços, acentuando a dependência tecnológica; 3) pela crescente concentração do mercado em mãos das transnacionais.
Daí o Brasil, o México e a Argentina, vítimas desse modelo, afundarem na inadimplência. Depois, quando da reestruturação da dívida, em 1983, cederam às condições do "sistema financeiro internacional". Dos três, apenas a Argentina tentou algo diferente, mas, sozinha, recuou. A subserviência do Brasil foi total, havendo o ministro Delfin Netto levado ao extremo de estatizar a dívida, antes majoritariamente privada.
A concentração dos mercados sob as transnacionais e a dependência tecnológica fomentada pela política econômica acarretaram, portanto, que esta, a partir de 1982, fosse totalmente controlada por entidades como o Banco Mundial, o BID e o FMI. Isso, por sua vez, determinou um acúmulo de medidas depressivas: 1) diminuição dos investimentos públicos; 2) políticas monetária e fiscal repressivas: a) para as empresas privadas locais, enfraquecidas pelo encolhimento do mercado, pelas vantagens das transnacionais, pela elevação das taxas de juros reais e por restrições ao crédito; b) para as estatais, ademais forçadas pelo "governo" a arcar com o custo da contenção da inflação, reduzindo os preços reais de seus produtos e serviços.
A resultante queda de seus lucros serviu ao falacioso argumento da ineficiência, na campanha pelas privatizações. Estava em marcha a demolição do que restara de poder econômico em mãos brasileiras. O máximo que importantes capitais brasileiros conseguem é ser acionistas sem controle sobre as empresas que capitalizam. É o que ocorre com os fundos de pensão das estatais, usados, desde os mandatos de FHC como massa de manobra para negócios deploráveis para o País como as privatizações e as doações de campanha em favor de políticos, tanto do PSDB como do PT, ademais de partidos adjacentes ora a um, ora a outro desses principais aparelhos agenciadores da entrega do patrimônio do País.
Expropriados pelo capital estrangeiro, os empresários brasileiros tanto grandes, como médios e pequenos, foram ludibriados pelo discurso ideológico que aponta o Estado como oponente da empresa privada. Ora, na realidade, em todos os países que se desenvolveram, os investimentos e a política do Estado foram fundamentais para o crescimento das empresas privadas e da economia nacional.
No Brasil os benefícios e subsídios estatais foram sendo açambarcados pelas transnacionais. O crescimento da economia, que chegou a ser grande, foi estancado mediante o processo acima descrito. A temida expropriação por parte de um regime comunista não ocorreu, mas, em lugar dela, nossos empresários foram, em sua maior parte, expropriados pelo capital estrangeiro. Eles e grande parte da opinião pública, adrede manipulada, acreditaram naquele discurso ideológico ou se mantiveram passivos por temor de represálias de um Estado que havia mudado de classe dominante.
Este foi de tal maneira intenso que, apesar da resistência de muitos brasileiros conscientes, o País assistiu à mais impressionante série de negociatas registrada na história, ou seja, às privatizações, um jogo de cartas marcadas em favor de transnacionais, cujas matrizes no exterior concentram o poder sobre o mercado brasileiro. São elas que decidem quanto e quê produzir, a que preço, ou seja, tudo que os livros de economia dizem ser decidido pelo mercado.
Doutor em Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento. Editora Escrituras: www.escrituras.com.br