Manifestação popular em Arequipa
Luis Arce Borja é um dos mais brilhantes e corajosos jornalistas dos últimos tempos. Ao abordar a política internacional e, em particular, acompanhar os rumos da revolução em seu país, o diretor do peruano el Diário surpreende pelas revelações trazidas em suas reportagens e nas precisas análises do processo de libertação dos povos. Contasse apenas com a inigualável confiança que deposita na revolução peruana, esse jornalista, ainda assim, não conseguiria desvendar, dentre outras, a trama das Cartas da Paz, cuja autoria, a reação internacional (inclusive os revisionistas de toda ordem), atribui, de forma caluniosa, ao Dr. Abimael Guzmán, o Presidente Gonzalo. Acontece que o Dr. Abimael Guzmán encontra-se desaparecido, há onze anos, nos cárceres administrados pela linhagem de gangsters, nativos e estrangeiros, como Fujimori, Montesinos, entre outros, enquanto o governo de Toledo e os capitulacionistas, mesmo agora, se recusam a indicar o paradeiro do mais importante prisioneiro político do mundo.
No entanto, Luís Arce Borja desmonta, uma a uma, as peças do Estado semicolonial e semifeudal do Peru. Expõe seu funcionamento e as razões pelas quais, mesmo diante de tantas perdas, o Partido Comunista do Peru tornou-se invulnerável e a vitória da revolução, do ponto de vista estratégico, irremediavelmente consumada.
O jornalista, exilado em Bruxelas e que continua condenado à prisão perpétua em seu país, explica a falência ideológica, política e militar do imperialismo no Peru, e das classes contra-revolucionárias internamente associadas ao imperialismo. De seu extenso artigo, publicado no início do ano, AND divulga alguns trechos imprescindíveis para a compreensão das lutas que se desenvolvem naquele país.
Desde 1821, a chamada "República do Peru" tem sido somente um butim, distribuído em fatias entre as potências estrangeiras e os grupos locais de poder. A crise peruana não tem fim, e o seu despencar aluvial liquida até mesmo os sonhos dos pobres do Peru. Os banqueiros, industriais, latifundiários, grandes comerciantes, as elites militares, os hierarcas da Igreja, juízes, parlamentares, partidos políticos e as grandes transnacionais afincadas neste país constituem o que há de mais ultrapassado e amaldiçoado pela população.
Neste quadro sombrio, a cada dia, milhares de cidadãos perseguidos pela fome fogem para o estrangeiro. Segundo cifras oficiais, 2,5 milhões de peruanos sofrem o exílio da pobreza. A cada dia, os pobres do Peru pagam mais de 5 milhões de dólares pelo serviço (juros) da dívida interna (o Estado dedica 2 milhões de dólares ao ano para este fim, o que significa 20% de seu orçamento nacional e a terceira parte dos ingressos por exportações). Os miseráveis do Peru (os que nada têm para comer), além de pagar a dívida externa, entregam com sua miséria cerca de 5 milhões de dólares diários para manter as criminosas forças armadas e policiais do país (o governo investe cerca de 2 milhões de dólares anuais nesta rubrica, um total em que não estão contabilizadas as verbas secretas com que manejam os militares). Em resumo, o Estado inverte cerca de 40% de seu orçamento anual em pagamentos da dívida e em despesas para manter um gigantesco aparato militar, porém, sem dúvida, este governo, assim como os anteriores, nunca empregou mais de 200 milhões anuais para aliviar a fome e a pobreza de milhões de peruanos.
O Peru se quebra em pedaços, e nada pode deter esse processo. O que fazer diante dessa situação? Se pedirmos eleições para mudar os governantes, seremos afastados uma vez mais. Se nos pomos a rezar, apenas faremos o padre contente.
Que caminho tomar? Não há esperanças no caminho da direita e seus partidos políticos. Eles têm governado o país devastadoramente, há 181 anos, e são uma ameaça à integridade do Peru como nação. As esperanças de uma transformação estão ainda mais reduzidas, pelo que no Peru se chama "esquerda", além daquelas organizações que, inclusive, se autodenominam marxistas-leninistas Pátria Roja, Partido Unificado Mariatéguista – Pum, Unir, Vanguarda Revolu-cionaria. Essa esquerda medíocre, colaboracionista e servil, é responsável, tanto como a direita, pelos sofrimentos e o calvário dos pobres do país", afirma Luís.
Protesto popular em Lima
O Estado como butim
Para Luís Arce Borja, "a corrupção do Estado segue de vento em popa, como na época de Alberto Fujimori. Alejandro Toledo não só manteve o lacre deixado pelo regime anterior, como segue aplicando o mesmo método de governar, caracterizado pela vida opulenta à custa do dinheiro do país, o roubo, o suborno e a chantagem. A primeira coisa que fez ao instalar-se no palácio do governo foi dispor, para si próprio, de um soldo de 18 mil dólares mensais, enquanto a maioria dos peruanos se extingue na pobreza ou na miséria extrema (o soldo de Toledo equivale a 153 salários básicos dos trabalhadores que têm a sorte de contar com um emprego fixo).
A corrupção oficial se expressa também na aliança política que tem propiciado a Toledo repartir a torta do Estado. Os aliados do novo governante são os mesmos que sustentaram e colaboraram com o regime anterior. Antigos funcionários e altos dirigentes do fujimorismo são, agora, ministros, assessores e responsáveis de diversas instituições do Estado. O criminoso ex-presidente Alan Garcia Perez é um destes.
Crise e fome para milhões
A corrupção do Estado e a pobreza de milhões de peruanos caminham juntas. Se Fujimori resultou num pesadelo para os pobres do Peru, Toledo não é diferente e a miséria vai crescendo sem parar. As principais vítimas são as crianças das localidades menos favorecidas.
O efeito da bancarrota econômica do país se reflete no crescimento do sistema do trabalho servil, fora de qualquer regulamento de trabalho. Entre as mulheres pobres, 40% se vêem obrigadas a trabalhar gratuitamente em casas de famílias, apenas para receber, em troca, um pouco de comida (Red Internacional do Social Watch, 2000). De cada 100 habitantes, pelo menos 12 buscam seus alimentos nas redes assistenciais, que no Peru são conhecidas como "restaurantes populares". Em todo o Peru há mais de 5 mil restaurantes que entregam cerca de um milhão de rações ao dia. Esses restaurantes atuam como organismos estritamente assistencialistas (promovidos pelas organizações não governamentais — as ONGs, os municípios, o Estado, a Igreja e os partidos políticos, são utilizados eleitoralmente), sem futuro para os pobres e servem para manipular (leia-se chantagear) e captar o voto da população pobre. O crescimento da pobreza segue par a par com as riquezas que um número reduzido de pessoas adquire. Assim, apenas 2% da população concentram cerca de 80% dos recursos e riquezas do país. A miséria não deixa de aumentar, apesar dos diversos regimes que propuseram resolver este flagelo dos peruanos.
Bancarrota da produção
O efeito mais brutal e demolidor da quebra do sistema produtivo do país se manifesta no setor agrário e na população camponesa. Essa crise faz com que nenhum produto seja rentável, salvo a folha de coca, que enriquece, não só os bandos do narcotráfico, assim como os que dirigem o Estado e os bancos peruanos. Segundo um informe da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura), de 1993, a agricultura peruana tem o mesmo nível de desenvolvimento agrário que o Afeganistão e Haiti. Com efeito, a agricultura peruana — por seu potencial natural, deveria ser uma reserva alimentar dos 25 milhões de peruanos — se encontra em uma situação de ruína total. Os especialistas assinalam que em 58,2% das terras cultivadas é empregada a chaki taclla, uma ferramenta da época dos incas, construída de madeira e que serve para abrir sulcos na terra. Neste instrumento artesanal se utiliza a força dos pés. O trator é utilizado somente em 5,2% das terras e, em 36,6% restantes, se empregam o cavalo e o boi.
Que fazer frente a esta situação?
O Peru, como nenhuma outra nação da América Latina, é um exemplo negativo do fracasso histórico de uma classe social dirigente (latifundiários e grandes burgueses), parasitária, que não tem sido capaz de pôr em marcha nem sequer (falando de capitalismo) um sistema econômico e político medianamente coerente. A crise do Estado é crônica e inerente às classes dominantes.
Favela em Cuzco
A mudança em favor dos pobres não resultará de um governo como o de Toledo ou de qualquer outro que surja das elites políticas do país. Não resultará, tampouco, de trapaças eleitoreiras e pseudodemocráticas. Não é possível viabilizar uma saída diante da crise peruana mantendo e sustentando os escombros do Estado atual. Nos Estados semelhantes aos do Peru, completamente dependentes das grandes metrópoles imperialistas e governados por minorias dominantes lumpesinadas e decadentes, não há a menor possibilidade de fazer sequer reformas sociais e políticas elementares que diminuam a miséria e o sofrimento do povo.
Aqui não se trata, como dizem alguns teóricos burgueses ou pequeno-burgueses, de humanizar o sistema, ou reestruturar o Estado e democratizar a sociedade, moralizar a administração, buscar uma equidade na distribuição das riquezas, ou institucionalizar a sociedade. Nenhum desses propósitos tem o mais elementar rigor teórico-político e não são mais que fraudes.
Enquanto se mantiverem o Estado e a sociedade atuais, os pobres continuarão sendo as principais vítimas dos grupos de poder local e das potências imperialistas. Enquanto não forem liquidadas as forças armadas criminosas, a polícia, o poder judiciário, o parlamento e outras instituições do Estado, os trabalhadores seguirão brutalmente explorados, embrutecidos, manipulados e reprimidos.
A grave e comovedora situação do país que temos descrito, mostra que o Peru segue reunindo todas as condições objetivas (situação revolucionária em desenvolvimento) para que as massas retomem o caminho da luta revolucionária pelo poder. A experiência de 20 anos de guerra popular, assim como a do Pensamento Gonzalo (o marxismo-leninismo-maoísmo aplicado à realidade peruana), constituem legados insubstituíveis que as massas e os revolucionários têm para retomar a iniciativa na guerra de classes, e pôr-se à frente das grandes lutas que irremediavelmente se avizinham.
O retrocesso da luta armada, e o refluxo das lutas classistas de massas, é temporal e transitório. Esse retrocesso — cujas causas principais foram a brutal repressão e o trabalho policial de capituladores (seguidores das Cartas da Paz) se insere na crescente crise do Estado peruano e abona o terreno em que o Partido Comunista do Peru retorna à cabeça da luta política, ideológica e militar."
Luís considera que o PCP, por cima dos problemas que atravessa, se mantém como a única organização política da revolução peruana, cujo valor histórico consiste em que, em nenhum momento, tem deixado de lutar pelo poder das massas e pelo socialismo. Seu programa, sua linha política e militar seguem vigentes, cuja validez tem sido provada em 20 anos de titânica luta revolucionária. O potencial político e militar não foi liquidado, nem pelos horrendos crimes, torturas cometidas pelas forças repressivas, nem pelas patranhas campanhas de desinformação que periodicamente montaram contra esta organização. Constitui um exemplo supremo que o PCP — reduzido a 10% de seu contingente (ver documentos do PCP, outubro de 2002), com uma baixa de mais de 90% de seus quadros históricos, e em uma situação extremamente difícil —, mantém-se à frente da luta de classes no país.
O PCP dá valor estratégico à luta que se desenvolve, principalmente no Alto Huallaga, Ayacucho e Junin. É certo que, apesar de não ter a envergadura de anos anteriores, essa luta se constitui num passo decisivo nos combates futuros contra o Estado semifeudal peruano e o imperialismo", conclui.