Governo tenta ignorar a brutal repressão ocorrida durante a VIII marcha indígena
A necessidade de justiça que o povo boliviano tem caminha lado a lado com sua necessidade de libertação. Ambas são objetivos fundamentais de um processo de transformação que o povo boliviano continua esperando com paciência e luta. A indignação popular pelos grandes delitos estatais tem sido uma constante na história republicana do país e isso não mudou na atual gestão, que protagonizou o maior escândalo dos últimos tempos com o caso conhecido como “rede de extorsão”, que operava dentro do Ministério de Governo.
Os fatos confirmam as informações expostas em nosso artigo anterior (Novo Escândalo desmascara Evo Morales, AND n° 101). Os funcionários de alto nível conheciam o trabalho da equipe de advogados do Ministério de Governo e os protegeram. A equipe de advogados era a cabeça da perseguição política contra pessoas e dirigentes críticos ou opositores, assim como também era utilizada para resolver as pugnas entre os militantes do MAS. Tudo isso apareceu nas declarações de funcionários implicados no caso da “rede de extorsão” e também veio à tona nas declarações públicas de algumas vítimas, inclusive do próprio MAS, que relataram com riqueza de detalhes como se exercia esta perseguição judicial sem nenhum tipo de provas, pressionando promotores e juízes.
Na verdade, estes são os indícios que foram mostrados à opinião pública e o que revelou a “investigação” até o momento. Não somos tão ingênuos para acreditar que isso é tudo e tampouco acreditamos que a comissão de promotores, que têm alguns de seus membros acusados de pertencer à “rede de extorsão”, chegue ao fundo dos fatos e entregue algo de “justiça” ao povo.
A dinâmica política confirma nossa hipótese de que o governo se viu obrigado, por pressões internas e externas (além de pugnas internas) a prescindir de sua equipe jurídica que foi sua ponta de lança na política de perseguição. O governo ofereceu suas cabeças e entregou-as como prêmio de consolação em troca de que as autoridades de nível superior não fossem tocadas. O governo fez tudo que estava a seu alcance para evitar que os ministros (e talvez o próprio Evo) não fossem associados com este grupo “extorsivo”, apesar dos indícios.
Foi o próprio Evo Morales em pessoa quem saiu para fechar a porta diante de qualquer insinuação de que as altas autoridades estavam envolvidas com os advogados processados, inclusive expulsando a seus próprios militantes, como a presidente da Câmara de Deputados, Rebeca Delgado, por dizer que a investigação só está acusando funcionários médios e que se deveria investigar os que deram as ordens.
A Ministra da Transparência, Nardy Suxo, lançou a sutil ameaça de investigar os que haviam denunciado aos advogados, afirmando que eles também haviam cometido delitos. A ministra teve que retratar-se, mas Evo Morales transformou essa ameaça em realidade ao ordenar que o senhor Otreicher, vítima da extorsão dos advogados do Ministro de Governo, seja investigado por sua fortuna, e acusou os advogados do empresário, sem nenhuma prova, como é de costume, de serem agentes da embaixada ianque.
Como era de se esperar, o governo não demorou a mostrar sua teoria conspirativa. Evo acusou a direita, a embaixada ianque e seus funcionários de serem agentes da CIA. Chamou-os de infiltrados, lacaios do imperialismo, etc, porque a maioria das denúncias e depoimentos são de funcionários de seu governo. Esta “grande” explicação dos problemas governamentais saiu do escritório da vice-presidência e mostra todo seu desprezo pelo povo ao imaginar que uma explicação tão vulgar possa ser tomada como verdade.
Em outras destas cínicas justificativas, os ministros recorreram a outro argumento já usado: os funcionários que cometeram perseguição, extorsão, chantagem e ameaças, eram “funcionários de fachada”, algo similar ao que argumentaram quando o próprio Ministério de Governo descobriu que o chefe de inteligência antidrogas, General Sanabria, era um narcotraficante internacional. Neste caso, também disseram que Sanabria era um funcionário de baixo nível.
O que não explica o argumento dos gestores do “processo de mudança” é como os funcionários de fachada tinham tanto poder para conseguir que o sistema judiciário funcionasse de acordo com seus interesses. Na realidade, para que isto acontecesse, os “funcionários de fachada” deveriam gozar de todo o respaldo das autoridades estatais, o que por si, converte-os em “funcionários de confiança política” das mais altas autoridades do gerenciamento Morales.
Toda esta campanha tem sido realizada com o objetivo de frear qualquer tentativa de orientar a “investigação” para cima da pirâmide governamental. Na hora de defender aos ministros de Estado, Evo Morales se transfoma no campeão da presunção da inocência, o que não acontece quando se trata de cidadãos comuns e correntes, ou supostos opositores, porque o governo e o Estado os atacam com força, fazendo falsas acusações e inventando provas, massacrando e condenando-os.
O governo se fechou com seus militantes e quer acabar com o tema, investigando inimigos por todos os lados e inventando novas “redes de extorsão”. No fundo, estão tentando fazer com que o tema seja esquecido como aconteceu com a investigação da repressão à VIII marcha indígena da Terra Indígena e Parque Nacional Isiboro Secure (TIPNIS).
A prática política do velho regime, agora renovado e maquiado como “plurinacional”, continua sendo a mesma dos governos conservadores. O poder judiciário sempre apresentou lealdades a cada nova gestão e o poder judiciário (advogados, promotores e juízes) sempre esteve disposto a fazer o “trabalho sujo” de cada governo. Os que antes eram juízes e promotores durante os governos de Ação Democrática Nacionalista, Movimento Nacionalista Revolucionário e Movimento de Esquerda Revolucionária, são agora servis ao MAS de Evo Morales, são os mesmos que estiveram sempre dispostos a realizar todas as baixezas necessárias exigidas pela nova gestão em troca de desfrutar dos espaços de poder como se fossem partes de uma fazenda do Estado semifeudal.