A farsa da auto-ajuda

A farsa da auto-ajuda

Das transnacionais às grandes empresas de comunicação – passando pelos parlamentares oportunistas e chegando aos megapelegos no movimento operário – todos dizem agir em defesa do "pobre". Através de seus gerentes ou de campanhas publicitárias mentirosas, convocam o povo para uma espécie de esforço comum – prometendo uma selecionada melhoria de vida e de prazeres. É como se a história das conquistas do povo devesse alguma coisa ao entendimento com as classes exploradoras, e que a realidade nua e crua não fosse dividida entre poucos opressores e muitos oprimidos.

Os magnatas das grandes editoras e livrarias apreciam responder por uma fatia dessa farsa da Nova Ordem fascista. O grupo dominante do mercado editorial brasileiro enriquece apostando na infelicidade, no desespero, na alienação e em toda sorte de picaretagemOs magnatas das grandes editoras e livrarias apreciam responder por uma fatia dessa farsa da Nova Ordem fascista. O grupo dominante do mercado editorial brasileiro enriquece apostando na infelicidade, no desespero, na alienação e em toda sorte de picaretagem comercial, como os chamados livros de auto-ajuda. Suas características são bastante conhecidas. Massiva e longe ecoam as recomendações de celebridades que os mantenham como livros de cabeceira.

"Goste do seu trabalho, seja qual for". "A solução dos nossos problemas está dentro de nós". "Se dois homens clamam pela sua ajuda, e um deles é seu inimigo, ajuda-o em primeiro lugar".

De acordo com quem as escreve – e segundo quem as veicula por aí, imprimindo, encadernando e vendendo a bobagem ao distinto público — máximas como essas existem para ajudar as pessoas a ultrapassar as adversidades do dia-a-dia, "crescer na vida", "aproveitar as oportunidades", "obter sucesso".

Simples como colher feijão? Nem tanto.

Magia da empulhação

O maior sucesso de vendas desse tipo de literatura até hoje registrado no Brasil, obviamente ainda não guardava a classificação auto-ajuda, foi O poder do pensamento positivo (1952), com 20 milhões de cópias em todo o mundo, do ianque Norman Vincent Peale (1898-1993), um pastor nova-iorquino.

A editora responsável pelo título, a Pensamento-Cultrix, completou 100 anos em junho, com direito a comemorações no Museu da Língua Portuguesa (o livro foi escrito por um gringo), em São Paulo. Leva também o seu selo, uma espécie de precursor de infelicidades literárias no país, o Almanaque do pensamento, publicado pela primeira vez em 1912, onde, entre um aforismo e outro, era possível encontrar ajuda até mesmo para tirar manchas de roupas e saber as fases da lua.

Outra figura da empulhação positivista é Dale Carnegie (1888-1955), também ianque. Esse disseminador de tolices imperialistas começou ministrando aulas para adultos e, em 1912, criou o Treinamento Dale Carnegie, para enganar empregados, empreendimento transnacional, hoje inclusive líder mundial em treinamentos empresariais.

Para virar sucesso, deram-lhe inicialmente colunas em jornais especializados em conselhos positivistas, além de programas de rádio. Como fazer amigos e influenciar pessoas; Como evitar preocupações e começar a viver; Como falar em público e influenciar pessoas no mundo dos negócios; Como desfrutar da sua vida e do seu trabalho; O líder em você; Administrando através das pessoas; Lincoln — esse desconhecido; Como venceram os grandes homens.

Logicamente que toda essa literatice foi despejada nas colônias do USA, com estrondoso aparato publicitário, do México à última ilha ao sul do Chile – enquanto que os melhores autores nacionais, nos diversos países da América proletária não encontravam recursos para vender 100 mil exemplares internamente.

O investimento maior nesse tipo de leitura produzido por um brasileiro, no período "pós-abertura", chegou com "obras" como Diário de um mago e O alquimista, de Paulo Coelho – por magia marqueteira da editora Rocco, no final da década de 1980 e início dos anos 1990. Em Diário…, Paulo Coelho chega a propor algumas medidas práticas de auto-ajuda, como o "exercício da crueldade", que consiste em cravar a unha do dedo indicador na raiz da unha do dedo polegar toda vez que um "pensamento negativo" passar pela cabeça do "orientado". Segundo o orientador, que nenhum hospício acolheu, dessa forma o sofrimento espiritual estaria sendo refletido no campo físico e, assim, os pensamentos ruins iriam embora…

Paulo Coelho transita entre os estúdios da Rede Globo – onde escreve novelas – e os encontros mundiais de confraternização de empresários, banqueiros e gerentes, o que revela uma fina sintonia entre as picaretagens literárias e o poder econômico responsável pela opressão dos povos.

Individualismo: a regra

Ainda que tenha catalogação própria na maioria das bibliotecas do país – inclusive na Biblioteca Nacional – a chamada literatura de auto-ajuda não se enquadra em qualquer gênero literário. Não se trata de livro didático ou pedagógico. Não é obra de referência. Não é livro técnico ou científico. Não é algum tipo de ficção: nem romance, conto, novela etc. Não é um gênero; é um filão de mercado.

Afinal, o que a farsa da auto-ajuda tem a ver com literatura, além de se materializar como escrita literária e tomar a forma de livro? Francisco Rudiger, professor da faculdade de comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi um dos primeiros a examinar a fundo o tema no Brasil. É de 1995 seu livro Literatura de auto-ajuda e individualismo:

– É chamada de literatura apenas porque se trata de livros e, portanto, algo que pode ser lido. O fenômeno não tem um significado literário, propriamente. As obras desse gênero se caracterizam por apresentar conselhos e regras de comportamento. A qualidade do texto costuma ser muito pobre. O importante, nele, são os segredos que pretende revelar aos interessados. Os autores não são escritores, mas pretendidos gurus modernos.

Francisco Rudiger chama a atenção para a ambiguidade dos livros de auto-ajuda porque, se de um lado prega a aceitação da ordem imperialista como ela é, por outro estimulam o leitor a sair da passividade para a qual o imperialismo o condena. Porém, como? Não saindo, já que o enfoque não é político, mas individualista. É o mesmo que procurar saída no fundo.

Auto-ajuda se ajuda

Todo ano, desde 2004, no mês de julho, autores badalados do mercado editorial brasileiro e do resto do mundo desembarcam na pequena cidade de Parati, no Sul Fluminense, para um tête-à-tête literário – sofisticando o trivial.

É a Festa Literária Internacional de Parati, a FLIP. Ao lado da Bienal do Livro, que este ano acontece mais uma vez em setembro, no Riocentro, Zona Oeste do Rio de Janeiro, o evento é considerado uma conquista dos livreiros nacionais, com a presença de gente premiada até com o Nobel de Literatura. Os organizadores alardeiam como a maior atração da festa o sadio e democrático contato direto entre o público leitor (quem tem dinheiro para ir) e as que consideram personalidades.

O contato acaba em mero autógrafo no livro comprado dos próprios organizadores, e a maior atração costuma ser um nome evidente da literatura contemporânea, invariavelmente com direitos de exploração da obra vendidos para a Companhia das Letras. Este ano o oba-oba foi em torno do sul-africano vencedor do Nobel em 2003, J. M. Coetzee, um dos principais nomes do catálogo da editora.

Noves fora, os encontros Vips periodicamente realizados para promover livros de maior ou menor qualidade, a rotina da elite editorial brasileira é a produção em série de uma fórmula que acredita ser infalível: a literatice de teor picareta. Somente em 2007 foram lançados quase 200 títulos para abarrotar as iluminadas prateleiras de auto-ajuda das maiores livrarias do país. O professor Francisco Rudiger ironiza:

– A literatura de auto-ajuda funciona, sim. Mas não como ela promete. A eficácia do gênero está em promover o seu próprio consumo.

Algo semelhante ao que observa Leonardo Simmer, dono de uma jovem e pequena editora carioca, a Multifoco, que existe desde o ano passado e tem 15 livros no catálogo, entre romances, contos e poesia:

– Na maior parte das vezes, as grandes editoras não escolhem o que publicam pelo valor literário. Os critérios são outros. Quem é o autor? Qual o potencial de venda da personalidade? Qual o potencial de venda do tema? A qualidade do texto e o que é dito passam a ser meros detalhes. Claro que as grandes casas são obrigadas a manter em seus catálogos alguns grandes nomes, já que isso é importante para sua imagem. Também é importante observar o contexto social. Assim como proliferam as igrejas evangélicas e seitas das mais diversas, que prometem mais dinheiro e felicidade, também há uma proliferação não só de leitores de auto-ajuda, mas também de autores de auto-ajuda, que buscam enriquecer em um mundo de miséria.

As Saraivas e Sicilianos da vida, como a Livraria Cultura, que atualmente aposta na idéia marqueteira de "supermercado cultural", estão repletas de títulos como Você já se abraçou hoje?, O que aprendi com meu carteiro sobre o trabalho e a vida? e O motorista e o milionário – isso para não falar da avalanche de escritores ianques de qualidade medíocre, como Dan Brown, autor de O Código da Vinci, mas que surge acompanhado de uma máquina publicitária estupenda, que faz sucesso antes de lançar o livro, que (anunciam) "vendeu milhares de exemplares na Europa e no USA", sem que um único livro tenha saído do prelo etc.

O problema é que a um dado momento, entre as classes exploradas, sempre uma delas no fogo das suas lutas se aproxima da ciência de seu tempo. Ela toma a ciência como guia para pôr abaixo o modo de produção que se tornou nocivo à esmagadora maioria da sociedade, para erguer um outro, revolucionário, único capaz de emancipar todas as demais classes oprimidas.

Os que vivem da exploração das massas sabem que aproxima o seu fim e são capazes das maiores insanidades para aliviar a agonia do modo de produção capitalista. Portanto, para os decadentes não basta a repressão física. Eles têm que lançar mão da cultura mais podre e desmoralizada buscando enganar as massas.

Quanto ao povo, ele só rejeitará inteiramente o lixo cultural que lhe impõem hoje quando o nível de suas lutas exigir uma literatura e arte que responda e corresponda às suas ansiedades, necessidades que estão além da luta por melhores salários, garantias trabalhistas e democráticas etc., mas principalmente signifiquem a construção do seu Poder. Vale dizer, de um mundo novo.

Erguer-se sobre os demais

A picaretagem batizada de auto-ajuda, porém, não vende apenas livros. Sua receita à base do "salve-se quem puder", "cada um na sua" etc., corresponde à mentalidade impregnada em tudo que o oligopólio dos meios de comunicação atira ao povo como se atirasse aos porcos.

Assim, longe das prateleiras das livrarias, esse "gênero" ajuda a vender também, por exemplo, um sem número de bugigangas anunciadas pela apresentadora Ana Maria Braga, nas manhãs de segunda à sexta-feira, na Rede Globo. Nesses dias em que vai ao ar, o programa Mais Você começa sempre com uma mensagem de auto-ajuda, sob um fundo musical melodramático, dirigida às "donas de casa do Brasil".

Aquela senhora fala de auto-estima e sobre enfrentar com coragem as agruras, como se as mulheres brasileiras precisassem ouvir bobagens que fazem um único e perverso sentido: encarar a opressão que pesa sobre elas no cotidiano, como um imutável e perpétuo papel, e não como algo a ser superado pela resistência, organização e transformação do modo de produção atual, caduco, podre.

Essas pílulas de auto-ajuda, auto-estima, alto-astral e tolices similares, acabaram sendo gravadas pela apresentadora em CD, ainda em 2003. Entre o teor das mensagens, destacou-se o incentivo a "encontrar prazer no que faz" e de "trabalhar com prazer", não importando que trabalho seja esse, quanto lhe pagam e muito menos em que condições é exercido – num claro incentivo à resignação diante da exploração.

Nas faixas do CD, nas manhãs de segunda a sexta ou nas páginas encadernadas pelas editoras endinheiradas, palavras como "persistência" são empregadas apenas para incitar a competição entre os trabalhadores, jamais para falar de sua união, ajuda mútua, luta e conquista de vitórias comuns.

Outro exemplo fora das livrarias foi a coleção Sucesso Pessoal. Trata-se de vários livretos que acompanharam o jornal Extra, do Rio de Janeiro, de domingo em domingo, durante alguns meses, e que prometiam aos leitores do jornal os segredos para vencer na vida.

Especialmente ao longo de todos esses domingos, as cartilhas de auto-ajuda, que vinham com o Extra, insultaram os trabalhadores, debocharam de sua dignidade e minimizaram seu esforço para manter a dignidade em meio à exploração generalizada. Segundo o jornal, o trabalhador foi até então um preguiçoso, incompetente e incapaz, até que levou para casa os seus exemplares das cartilhas de bobagens, lógico.

É preciso jogar no lixo a honra e o suor dos trabalhadores para assegurar a venda da coleção Sucesso Pessoal, como se as mais profundas questões sociais pudessem ser tratadas como uma coleção de selos trocados por panelas…

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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