
Ativistas, entre eles o fotógrafo Raull Santiago, carregaram um caixão simbólico em protesto contra a violência da PM nas favelas cariocas
No dia 11 de outubro, familiares de vítimas de violência policial e moradores do Complexo do Alemão realizaram uma manifestação pedindo paz no conjunto de favelas da Zona Norte do Rio. Os manifestantes criticaram as políticas de repressão do velho Estado que tem tirado a vida de jovens e trabalhadores nos bairros pobres da cidade. No maior Complexo de Favelas da América Latina, os constantes tiroteios entre traficantes varejistas e policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) têm seifado a vida de inúmeras pessoas do povo.
No dia 19 do mês passado, um homem foi baleado na barriga na localidade Largo do Cruzeiro. Segundo a assessoria de imprensa da PM, o homem teria trocado tiros com policiais. No entanto, moradores têm outra versão para o ocorrido. Segundo a população, o jovem de cerca de 20 anos saía de casa quando foi atingido. Até agora, nada foi divulgado sobre a identidade ou o estado de saúde da vítima.
Uma semana depois, o Jovem Marcos Vinícius Soares Heleno, de 17 anos, foi baleado por policiais na favela Nova Brasília, próximo a Praça do Terço, enquanto descarregava um caminhão de mudança. Moradores tentaram socorrer o rapaz, mas foram impedidos por PMs. Marcos Vinícius morreu a caminho do hospital. No dia seguinte, depois do velório do jovem trabalhador, moradores fizeram um protesto na Avenida Itaóca e foram duramente reprimidos pela polícia, que usou bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral.
— Algumas pessoas na comunidade disseram que viram um policial colocando a arma lá para dizer que ele era bandido. Uma moradora que presenciou o fato relatou ainda que viu um policial atirar no Marquinhos depois que ele foi atingido no testículo pela bala perdida — denunciou um amigo da família de Marcos Vinícius.
Apenas dois dias depois, um jovem de 15 anos foi baleado na perna na localidade Avenida Central, na favela Nova Brasília. O rapaz se encontrava em uma lan-house quando foi atingido. Segundo a mãe do jovem, Alexandrina da Cunha Rodrigues, o rapaz não tem nenhum envolvimento com o tráfico e trabalha como ajudante de pedreiro para ajudar a família. Nos dias seguintes, por conta dos tiroteios entre traficantes varejistas e policiais, quatro escolas e um Espaço de Desenvolvimento Infantil estavam sem atendimento no Complexo do Alemão, deixando 3.269 alunos sem aulas. No vizinho Complexo da Penha 2.203 alunos de três escolas, um Espaço de Desenvolvimento Infantil e uma creche também ficaram longe das salas de aula.
— Quando eram só os traficantes, os tiroteios só aconteciam nas operações da polícia e os fogos que o tráfico soltava alertavam a população, por mais que não fosse essa a intenção. Nós corríamos para colocar nossas crianças para dentro de casa. Hoje, bandidos e policiais começam a trocar tiros em plena luz do dia e eu não tenho outra alternativa que não prender meus netos em casa. Você não vê mais o povo na rua, bebendo sua cerveja, batendo papo na porta de casa. Hoje vivemos uma guerra. E a paz que eles prometeram? E a pacificação? Aqui, morre mais gente hoje do antes da ocupação — diz a aposentada e moradora do Complexo há 46 anos, Maria Carolina Serafim, de 69.
O ato do dia 11 de outubro foi organizado por vários coletivos e movimentos, entre eles o Coletivo Papo Reto, o Ocupa Alemão e a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. Os manifestantes deixaram o acesso a favela Nova Brasília e foram caminhando até a favela da Grota debaixo de um sol de 40 graus.
— A favela tem que estar junta. Porque senão nós vamos continuar passando por essa situação. Nosso sangue vai continuar escorrendo pelos becos e vielas. Chega de tantas mortes. O Estado tem que rever sua política de segurança pública. A ação dessa polícia está vitimando inúmeros moradores do Complexo do Alemão. Esse genocídio vai chegar a cada um aqui, independente da localidade onde mora. Nascer favelado é nascer com só uma certeza: tem que lutar para sobreviver. Nessa cidade sangrenta, violência dá ibope. Muito lucro e discurso em cima do sangue do pobre. Gritem, pois o povo está acordando. Nós só queremos viver! A favela quer viver! — grita o líder comunitário e integrante do Coletivo Papo Reto, Raull Santiago.
Entre os depoimentos, o mais emocionado foi o de Fátima Pinho, mãe de Paulo Roberto, assassinado por policiais da UPP em outubro de 2013 na Favela de Manguinhos.
— Meu filho foi espancado, sufocado e cruelmente assassinado pela polícia no ano passado. Quando eu cheguei lá, ele ainda estava vivo, agonizando. Meu último ano de vida tem sido muito duro sem o meu filho. Nós estamos perdendo nossos jovens. Cada vez menos vemos a garotada na rua, brincando, jogando bola. Meu filho mais novo sempre me pergunta: “Mãe, meu irmão vai voltar para casa?”, “Mãe, vou guardar um pão para o meu irmão tomar café com a gente”. Essa polícia veio para tirar a nossa paz. Veio pra trazer o ódio e o rancor para dentro da favela. Eles reclamam dos tiroteios, mas são eles mesmos que trazem essa desgraça para dentro da favela — diz Fátima emocionada.
Mais mortes em favelas militarizadas
Não foi somente no Complexo do Alemão que trabalhadores foram vitimados pelo estado de exceção imposto pelo gerenciamento Dilma/Pezão/Cabral aos moradores de dezenas de favelas do Rio de Janeiro. Nas últimas duas semanas, também na Favela do Metrô-Mangueira, conhecida pela ação dos tratores da prefeitura que despejou centenas de pessoas de suas casas com vistas a Copa, agora são só tiroteios entre policiais e traficantes que assolam a população. Na manhã do dia 20 de outubro, duas pessoas foram baleadas e outra morreu após um tiroteio entre PMs da UPP e traficantes varejistas. Os dois feridos foram encaminhados para o Hospital Souza Aguiar e passam bem.
Apesar de ocupado por policiais da UPP há três anos, o Morro da Mangueira hoje sofre com os constantes tiroteios entre traficantes de facções rivais que também trombam com a polícia vez ou outra pelos becos e vielas. Quem está sempre no fogo cruzado são as dezenas de milhares de trabalhadores que moram na comunidade. E não é só por lá que moradores têm vivido a duras penas depois da instalação das Unidades de Polícia Pacificadora. Nas últimas semanas, tiroteios foram registrados nas favelas Fallet, Fogueteiro, São Carlos, São João, Matriz, Complexo do Lins, Maré, Caracól, entre outras.
Na Rocinha, Zona Sul da cidade, um homem foi encontrado morto na manhã do dia 19 de outubro. Próximo dali, o operário da construção Amarildo de Souza foi levado por policiais da UPP em julho de 2013 e nunca mais foi visto. Peritos da Polícia Civil realizaram uma perícia no local, conhecido como Terreirão, mas nada foi divulgado ainda sobre a vítima, encontrada com marcas de disparos de arma de fogo na barriga e nas costas.