A heróica bandeira de 35

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A heróica bandeira de 35

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São transcorridos já 69 anos da deflagração da Insurreição nacional e libertadora de 1935, esse movimento sobre o qual os setores mais reacionários das classes dominantes, os oportunistas e revisionistas lançam todas as maldições.
Definitivamente, a Insurreição de 35 é tema proibido, caluniado, temido. O movimento foi cunhado com o epíteto de intentona — que quer dizer plano delirante e fadado ao fracasso. Vão mais longe: a isso agregam as mais terríveis calúnias como traição aos camaradas de armas e à pátria (logo quem!), de estarem a serviço de Moscou etc. Imputaram aos insurretos todas as qualidades que exatamente seus inimigos cultuavam.

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Rebeldes do 3º RI a caminho do presídio da Ilha Grande, 1935 (Rio de Janeiro)

Gerações ainda repetem as versões difamantes por nunca lhes serem dadas a conhecer a história de seu país, tanto nos períodos de “democratização” quanto nos de “redemocratização”.

Mas, entre tantas análises honestas e destemidas, uma das mais significativas sobre esse episódio de nossa história é a de Pedro Pomar, sob o título de A gloriosa bandeira de 35*, artigo dedicado, então, aos 40 anos da Insurreição Nacional Libertadora. Todavia, fosse publicado, ocuparia várias páginas de nosso AND ainda mensal, pelo que nos resta conformar-nos em lembrar algumas de suas passagens.

Dizia Pomar que a Insurreição tinha promovido a “primeira tentativa da história brasileira de instaurar um governo popular e revolucionário com a finalidade de sacudir o jugo do imperialismo, liquidar o sistema do latifúndio, garantir um regime de democracia, progresso e cultura para as grandes massas”. Recorda que os círculos imperialistas mais reacionários, temerosos diante do avanço das revoluções proletárias e dos movimentos de libertação nacional, tanto mais que se acentuava a crise geral do capitalismo, recusavam-se a negociar a paz e optavam pela ditadura terrorista: o fascismo.

As demais potências imperialistas viam os planos militaristas do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães consolidados com a sua subida ao poder em 1933, como algo alvissareiro. Acreditavam ser possível adiar a inevitável derrota geral do capitalismo porque, vencida a guerra, o socialismo seria suprimido, as riquezas produzidas pela URSS de Stálin e o seu povo se tornariam presas das potências imperialistas. Sob a hegemonia do III Reich repartiriam o botim. E como a URSS de Stálin era a base socialista mais avançada, os bandidos imperialistas tinham em conta que, por várias décadas, os povos do mundo não seriam capazes de esboçar uma resistência significativa ao imperialismo.

A demagogia nazista, ao assenhorar-se do poder, de pronto especializou sua ditadura terrorista nas campanhas de extermínio físico e espionagem. Primeiro, tirou a vida dos próprios alemães que lhes faziam oposição, começando pelos comunistas e se estendendo aos judeus. Coube historicamente ao imperialismo — na Alemanha, Itália e Japão — tomar a iniciativa militar naquele momento para ampliar seus domínios na Ásia e na África.

Em julho e agosto de 35, no Congresso da III Internacional, George Dimítrov “fez uma completa caracterização do fascismo” — que não dizia respeito apenas à corrente nazista — e conclamava o proletariado e os povos do mundo a combaterem a ditadura terrorista que assumia os mais variados codinomes.

A marcha do fascismo

Pomar dizia que no Brasil latifundiário e semifeudal, Vargas representava a aliança entre a oligarquia latifundiária e a parte da burguesia mais ligada ao imperialismo. Deduz que o intento da fração conduzida por Vargas, na sua primeira administração, em de fato modernizar a economia, levava em conta, nesses termos, não destruir a oligarquia latifundiária, mas harmonizar sua presença na sofisticada exploração da fase imperialista; semicolonial como cabia ao Brasil. Como os dois setores eram ligados ao imperialismo, antigas e novas “dívidas” seguiam regiamente pagas. Para aliviar os incômodos dos grupos econômicos estrangeiros e de seus sócios internos, escolhia-se agravar as condições materiais das massas.

Lembra Pomar, em 35 o governo dessas oligarquias “iniciou negociações para subscrever acordos comerciais na base de moedas compensadas” com a Alemanha e a Itália. Se restringiam as liberdades democráticas propostas pela Revolução de 30. O Partido Comunista do Brasil — PCB — vivia na clandestinidade, ao contrário dos integralistas de Plínio Salgado, reunidos na AIB e outras. Em abril daquele ano foi aprovada a primeira Lei de Segurança Nacional, tornando inúteis a Constituição e o parlamento.

As forças armadas haviam sufocado algumas rebeliões. Oficiais aderiam ao integralismo (seguido pelo clero, vale lembrar) e ao comando chegavam “fascistas notórios”, fato que não perturbava as divergências entre as classes dirigentes. O proletariado nas cidades e os camponeses ampliavam as suas organizações, enquanto que os setores progressistas da população inquietavam-se diante do avanço do fascismo.

Foi nesse contexto de polarizações que surgiu a Aliança Nacional Libertadora — ANL, cuja iniciativa pela formulação de uma linha e um programa político que correspondessem aos interesses do povo brasileiro, partiu do PCB, com seu indubitável prestígio entre as massas, pela sua coragem, lealdade e uma imbatível lógica que erguia a bandeira da emancipação das classes oprimidas e da independência nacional. A ANL havia se tornado, desde fins de março de 1935, uma poderosa frente que “englobava vários agrupamentos políticos, nomes expressivos no parlamento, na cultura” etc.

O programa da ANL

Assim, Pomar resume os pontos programáticos da ANL:

1Suspensão em definitivo do pagamento das dividas externas, sob o fundamento de que já haviam sido pagas há muito;

2Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas, ‘arapucas’ para as quais o povo trabalhava sob terrível exploração;

3Proteção aos pequenos e médios lavradores; entrega da terra dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores que as cultivavam, visto serem seus únicos e legítimos proprietários;

4Gozo das mais amplas liberdades pelo povo, nele incluídos os estrangeiros; e

5Constituição de um governo popular orientado somente pelos interesses do povo brasileiro.

O entusiasmo das massas ultrapassava as expectativas. Somente no Rio de Janeiro ingressaram 50 mil pessoas nas fileiras da ANL. Os comitês de propaganda se transformavam em caravanas que percorriam o país levando programas, notícias e propondo comícios que se realizavam com enorme afluência e ânimo patriótico. Simultaneamente, multiplicavam-se as “organizações do proletariado, surgiam centros da intelectualidade em defesa da cultura, associações femininas, entidades juvenis”. Novos horizontes abriram-se para as forças progressistas.

O governo tramava um golpe mortal contra a ANL, desde a sua fundação.A ANL foi fechada em julho pelo governo, mal completara três meses de funcionamento.

Conta Pomar que protestos e providências jurídicas não foram suficientes para deter o ato ilegal a mando das oligarquias contra-revolucionárias, do imperialismo e dos setores abertamente fascistas. A nata da reação fortaleceu a criação dos ridículos bandos integralistas, criou uma polícia política especial, encarregada de conduzir o terror entre o povo, enquanto o Exército e a Marinha expurgavam praças e oficiais suspeitos de serem antifascistas.

A situação se tornara insustentável econômica, política e culturalmente. A reação tramava novos golpes contra o povo brasileiro, ambiente que revelava ensaios de verdadeiros massacres. Recuar seria o sinal verde para que os fascistas promovessem sua campanha de aniquilamento entre as massas. A direção do PCB acreditava que “o nome de Prestes galvanizaria o Exército”. Então, o Partido “apressou o desfecho da ação armada e lançou a palavra de ordem de Governo Nacional Popular Revolucionário, com Prestes à frente”, relata Pomar.

Hora marcada, o povo

“A 23 de novembro irrompeu em Natal, Rio Grande do Norte, a sublevação dos soldados, cabos e sargentos do 21º BC, ali aquartelados. Diversos setores da classe operária e do povo, que já vinham realizando greves e manifestações reivindicatórias e antiimperialistas, juntaram-se imediatamente aos rebeldes”. Por fim, venceram os insurretos e foi instaurado naquele dia o primeiro governo popular e revolucionário no Brasil.

“Compunham o novo governo: o sapateiro José Praxedes, encarregado de aprovisionamento; o sargento Quintino Clementino de Barros, da Defesa; o funcionário público Lauro Cortes do Lago, do Interior; o estudante João Galvão, da Viação; e o funcionário dos Correios e Telégrafos José Macedo, das Finanças. As medidas iniciais adotadas pelo governo revolucionário destinaram-se a baratear os preços dos gêneros alimentícios e das tarifas dos transportes, a moralizar a administração pública, a mobilizar forças para o prosseguimento da luta armada.”, prossegue Pomar.

O movimento se alastrou por algumas cidades do Rio Grande do Norte. Em 24 de novembro o 29º BC, próximo a Recife (PE) subleva-se, mas o levante foi parcial. Também os ferroviários da Great Western não conseguiram, da greve, passar às armas e, isolados, os insurretos do 29º BC foram obrigados a render-se.

No Rio de Janeiro, as forças reacionárias detinham o controle quase que absoluto do movimento, porque estavam informadas das possibilidades de levantes em vários pontos. Pelo lado do Partido “foi decidido lançar ao combate as forças sob sua influência”.

Relata Pedro Pomar: “Prenunciava-se, portanto, uma peleja duríssima. Ainda assim, na madrugada de 27 de novembro, efetivou-se o levantamento de numerosos contingentes de soldados e oficiais do 3º Regimento de Infantaria e do Regimento da Escola de Aviação, duas das mais importantes unidades militares do Rio. Os núcleos aliancistas e as células comunistas existentes nessas unidades executaram sem vacilações, com intrepidez, as diretivas do Partido e da ANL. Os combates, como se previa, foram violentíssimos. A reação concentrou rapidamente efetivos várias vezes superiores a fim de cercar e atacar os regimentos sublevados. O 3º RI, onde a refrega assumiu maiores proporções, ficou reduzido a escombros pelo bombardeio da artilharia e da aviação governistas. Após quase dez horas ininterruptas de luta, durante as quais procuraram romper valentemente o cerco inimigo, e sem receber o esperado apoio de outras unidades, os sublevados capitularam”.

Prossegue Pomar:

“Nesse mesmo dia 27, o movimento insurrecional do Rio Grande do Norte também cessou praticamente, ante o ataque de forças imensamente superiores, que convergiram de vários pontos sobre Natal e as outras cidades rebeldes. Alguns grupos guerrilheiros que ainda subsistiram no interior do Estado, sem experiência e sem confiança neste formidável método de luta, acabaram entregando-se ou dispersando-se.

Desse modo, após quatro dias, durante os quais despertaram a esperança e o entusiasmo das grandes massas exploradas e oprimidas, travaram batalhas heróicas enquanto se perderam vidas de companheiros queridos, os combatentes antifascistas, com os comunistas à frente, foram batidos, temporariamente postos fora de ação.”

Os revolucionários derrotados não foram respeitados como priosioneiros. Vários foram sumariamente fuzilados ao se renderem. Milhares de combatentes do povo foram arrastados para as prisões infectas, ilhas, navios, submetidos aos piores suplícios, onde muitos também sucumbiram.

Vargas obteve do Congresso o “Estado de sítio” extensivo a todo o país, desdobrando-se em outras infames medidas repressivas, ao que não faltou “um coro de calúnias com o propósito de difamar a conduta dos revolucionários; difundiram que haviam assassinado oficiais a sangue-frio, violentado moças…”, e alegações diversas, tão atrapalhadas, com que insultam, impunemente, o próprio Exército. Há mais: que o movimento não passara de um putsch, dirigido que foi pela III Internacional, a qual chamam de insensata e incompetente — como continua esbravejando essa pegajosa e servil manada de malfeitores filiada à reação: os dirigentes trotskystas, revisionistas e o clero especializado.

Explica Pomar, o Partido cometeu erros, destacando apenas dois deles: já que dirigia a ANL, o Partido não soube estendê-la ao campo e, mesmo, superestimou o prestígio de Prestes no Exército durante o chamamento à Insurreição.

O fato é que muitas infiltrações ocorreram após a derrota da Insurreição, fazendo o Partido enveredar pelo caminho “do social-reformismo”(na expressão de Pomar), dificultando inclusive a própria análise daquele movimento. Mas o Partido, mesmo perdendo seus quadros, tendo tantos outros incomunicáveis nos porões fascistas, tratou de suas feridas no único abrigo que lhe cabe — o campo de batalha — onde continuou liderando a campanha antifascista, como a mobilização para a guerra contra o Eixo, enquanto seus inimigos, como em 1940, saudavam a nova era hitleriana.


* O artigo A gloriosa bandeira de 35 apareceu em A Classe Operária, no 102, novembro de 1975, que Moacyr de Oliveira Filho — em Praxedes, um operário no Poder, Alfa-Ômega, São Paulo, 1985 —, atribui como de autoria de Pedro Pomar. A Classe Operária era o órgão oficial do Partido Comunista do Brasil, onde Pomar se tornou um destacado dirigente. Ele foi assassinado pelo Doi-Codi, em 16 de dezembro de 1976, na Lapa, um bairro de São Paulo.
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