Em Defesa da História (Zahar, 216 páginas) também poderia se chamar "Anticapitalismo", posto que se estrutura a partir da crítica radical ao pensamento pós-moderno, que decretou o fim da luta de classes. E poderia também se chamar "Em Defesa do Socialismo", já que pavimenta o caminho para se entender as relações reais de poder, hoje profundamente embaçadas e distorcidas com a ajuda engajada do monopólio dos meios de comunicação de massa.
O livro é composto por artigos e entrevistas, que totalizam quatorze textos divididos em quatro capítulos. Logo na introdução, a autora de Democracia contra o capitalismo, Ellen Meiksins Wood, coloca em análise a agenda pós-moderna. Sua crítica se volta à "esquerda" contaminada pelo discurso capitalista, que substitui a luta da classe operária pelo mote da "revolução cultural":
"A crítica ao capitalismo saiu de moda. (…) O triunfo da direita reflete-se na esquerda através de um radical encolhimento das aspirações socialistas. Os intelectuais da esquerda, se é que não estão realmente aceitando o capitalismo como o melhor dos mundos possíveis, pouca esperança têm de qualquer outra coisa além de um pouco mais de espaço entre os interstícios do capitalismo" (páginas 20 e 21).
O posfácio, que também poderia ser a introdução, esquadrinha as principais características do pensamento pós-moderno. Assim, John Bellamy Foster afirma que ele é composto por três negações fundamentais: 1 "contra a totalização"; 2 "contra a teleologia"; e 3 "contra o utopismo". Daí vem a rejeição da crítica marxista ao capitalismo, que dá lugar "à abordagem descentralizada, caótica mesmo, da sociedade, que é vista como inerentemente fragmentada".
Seria exatamente esse um dos principais pontos de interseção entre direita e "esquerda" pós-moderna. Uma decreta o fim da história, a outra consente. Está acabada a luta de classes; pois não, senhores. Consequentemente, o refúgio da esquerda zona sul: "ideologia? Quero uma pra viver".
O livro resgata conceitos importantes, como o "imperialismo capitalista", na entrevista de Aijaz Ahmad. O professor indiano explica que hoje a única civilização universal se chama capitalismo, que espalha seus domínios por todos os cantos do planeta com a especial ajuda das infovias — talvez o que pensadores pós-modernos acreditem ser a "revolução cultural", embora não exista nem mesmo sombra de democratização na produção e divulgação de conteúdos. Como registra o professor da UFF, Dênis de Moraes, em entrevista ao Fazendo Media: "Hoje em dia, 20 conglomerados transnacionais de mídia controlam cerca de 3/4 de toda produção simbólica no planeta, o que traz problemas gravíssimos para a diversidade informativa e para a pluralidade cultural".
Mas Aijaz não fica apenas na crítica. Ele oferece diretrizes para a resistência: "Ou construímos uma universalidade anticapitalista — o que quer dizer socialista — , ou aceitamos a universalidade capitalista". Se a repressão é global, pois então que a resistência também tenha o alcance planetário.
Em defesa da História não é um livro de fácil assimilação, sobretudo pela profundidade do conteúdo que apresenta. Mas nem por isso seus autores abrem mão da ironia, como se vê na segunda entrevista de Aijaz Ahmad: "Acho que os intelectuais das grandes metrópoles, tão entusiastas da globalização, deveriam organizar um movimento em prol da abolição de passaportes". Uma colocação óbvia, mas que apesar disso parece invisível: "ora, se o mundo de hoje, dizem, não tem fronteiras, o que estaria faltando?"
O escritor Kenan Malik, no artigo intitulado O espelho da raça, retoma a essência do livro: o combate às distorções do pensamento pós-moderno. Não, amigos, a História não terminou. A luta de classes está aí mesmo, basta sair às ruas e enxergar além das corporações de imprensa. Pra não ir muito longe, o que é o Choque de Ordem de Eduardo Paes, no Rio? Ou a destruição de uma ocupação de sem-teto em Salvador? O que é isso senão a ação do Estado a serviço da classe dominante, a burguesia, contra a classe trabalhadora?
Em vez de enxergar o óbvio, "o discurso pós-estruturalista reduz (ou desconstrói) a sociedade à interação acidental de indivíduos e elimina o sujeito da esfera social", deixando de fora a constatação de que as relações sociais são construções históricas, o que debilita a possibilidade das resistências populares, sobretudo no que diz respeito à sua capacidade de buscar alianças — se não existe totalidade, se cada luta é fragmentada, a união perde o sentido. É o que afirma Kenan na página 125:
"Um entendimento não-essencialista da sociedade é aparentemente aquele que nega quaisquer padrões ou processos unificadores entre os fragmentos diversificados e em constante mudança que constituem a sociedade". Justamente o oposto do chamado que ainda ecoa pelos quatro cantos do mundo, para o desespero dos capitalistas convictos e do esquerdismo pós-moderno: "Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!".