A jovialidade brasileira do MPB-4

A jovialidade brasileira do MPB-4

Um dos grupos brasileiros em atividade há mais tempo, o MPB-4, desde 1965, viaja, compõe e apresenta um repertório de excelente qualidade, dando voz às composições de Pixinguinha, Noel Rosa, Vinícius de Moraes, João Bosco, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo e muitos outros. Tal como o Quarteto em Cy e Demônios da Garôa (o mais antigo), todos eles, verdadeiros patrimônios culturais. Sem exageros, porque a notícia do desaparecimento ou mesmo do afastamento de um único membro de qualquer grupo desse porte, a rigor, causa um profundo mal-estar nos que têm neles uma referência musical. Infelizmente, alguns grupos famosos já perderam, ao longo dos anos, companheiros (as) de viagem, às vezes, conseguindo recompor o grupo.
E por se constituírem numa variedade de patrimônio cultural de nossa gente, para os que entendem que a sua música é necessária, da mesma forma é intolerável a censura quando se abate sobre nossos mais valorosos artistas. Seja na forma do clássico veto com carimbo das “autoridades constituídas” e dos meganhas que as acompanham para assegurar a validade jurídica da arbitrariedade, ou através de medidas sutis como “desinteresse do mercado” e artifícios econômicos diversos. Os shows e gravações do MPB-4 são infalivelmente notáveis. Outra característica que se junta ao grupo é essa eterna jovialidade, repleta de fino humor e perspicácia, que percorre 38 anos, fazendo ou não bom tempo.

Ruy Alexandre Faria, um experimentado cantor de boleros, como era conhecido em Niterói, tornou-se a primeira voz do conjunto. Formado em direito, abandonou a carreira e um cargo de funcionário público para viver de música. Antes do MPB-4 já teve outros grupos. Aquiles Rique Reis cantava no coro da igreja e fazia o último ano do antigo Clássico, curso que uma dessas contra-reformas do ensino suprimiu. Deixou tudo para se dedicar profissionalmente à música. É a terceira voz do conjunto. Milton Lima dos Santos Filho, o Miltinho, abandonou a vida acadêmica para fazer a voz mais grave e tocar violão. Também é compositor. Antônio José Wagabi Filho, o Magro, largou os estudos de engenharia para cantar e acabou assumindo os arranjos. Estudou piano, trabalhou em diversos conjuntos de dança. Um instrumentista que acrescenta ao piano o vibrafone e o sax.

Não fazíamos
somente música,
mas também teatro

Tudo começou em Niterói, junto aos movimentos estudantis, no CPC — Centro Popular de Cultura. Ruy, Aquiles e Miltinho se juntaram e formaram uma célula musical chamada Conjunto CPC, fazendo arte popular. Esse conjunto foi o embrião do MPB-4. “As nossas apresentações eram diferentes, porque não fazíamos somente música, mas, também, teatro. Minha primeira atuação no CPC foi representar um deputado corrupto em cima de um caminhão na praça pública. Uma experiência maravilhosa”, conta Ruy Faria.

Magro foi o último a chegar. “Ele foi tocar vibrafone em uma festa da faculdade. Naquele dia nós o chamamos e formamos o quarteto. Com todos os integrantes do CPC e mais o Magro, nasceu o MPB-4, dando continuidade aos shows teatrais”, diz Ruy.

Censura

Líder do conjunto por vários anos, Ruy diz que o MPB-4 é o maior orgulho que tem e o define como um grupo que marcou época, com um trabalho fantástico de resistência política, considerando como ponto principal os shows teatrais. Eram atores e cantores no palco, com participação ativa do público, que enchia as casas de espetáculos. Uma temporada do MPB-4 durava um ano e meio, dois anos.

“Fizemos apresentações magníficas. República de Ugunga, República do Peru são shows que ficaram na memória do povo. Nos apresentávamos no palco com texto e música. Fizemos, entre outros, o Jornal Depois de Amanhã, do Aldir Blanc, que imitava os jornais da Globo; MPB-4 ajuda o doutor Sobral a combater o mal, do Millôr Fernandes; MPB-4 no País das Maravilhas, de Carlos Eduardo Novaes. O show Tempo-tempo, que tinha muitos elementos de circo; e o show infantil Adivinha o que é , puro teatro, que ficou em cartaz por uma boa temporada. Um dos melhores trabalhos do MPB-4”, declara.

Como os militares proibiram
a letra da música,
nós tocávamos
e o público cantava

Fizeram muitos textos com Chico Buarque e Antônio Pedro, que dirigia os espetáculos. “Sempre trabalhamos em parceria com eles. Também fizemos trabalhos fantásticos com o Quarteto em Cy, como Cobra de vidro, que percorreu o Brasil inteiro, e Bate-boca , que ganhou disco de ouro”, diz, acrescentando que a maioria dos espetáculos tinha muito humor.

Bons tempos, hein?, de Millôr Fernandes, é outro trabalho de repercussão de que Ruy se orgulha. “Era um texto sobre política. Maravilhoso. Acredito, inclusive, que o MPB-4 sedimentou a sua presença na música brasileira pela resistência política”, confidencia.

Ruy lembra do tempo em que eram perseguidos pelos militares durante o período de ditadura. “Eles proibiam quase todos os nossos shows. Inclusive negociavam palavras conosco. Íamos à Brasília negociar palavras e muitas vezes eles cortavam assim mesmo. Em certa ocasião, proibiram um número instrumental que apresentávamos. Era Fuga, do Villa Lobos, tocada no violão. Não falávamos uma palavra, mas eles alegaram que não podíamos continuar por causa do nome Fuga”, conta rindo.

Empurram goela abaixo do
brasileiro o que querem vender

“Nós éramos muito marcados e eles faziam uma tremenda pressão financeira contra nós, porque não tínhamos patrocinadores e pegávamos empréstimos em banco para montar um show. Por isso, se não conseguíssemos fazer com que fosse realizado, não havia como recuperar o dinheiro. Ficávamos desesperados quando proibiam”, fala. Ruy diz que um dia fecharam o teatro Glória durante uma apresentação do MPB-4. “Sempre trabalhamos no limite. Nunca nos autocensuramos, abolindo somente o que eles proibiam. Desta forma, eles proibiram que cantássemos Apesar de você no nosso show. Então, passamos a dar um acorde e fazer o lá, lá, lá, sem a letra, coisa que eles também proibiram. Como não podíamos cantar e nem fazer o lá, lá, lá, passamos a tocar e o público cantava, aí eles entraram e fecharam o teatro”, recorda.

Mídia

desenho de Elifas Andreato

O MPB-4 resiste, assim como a música brasileira, de uma forma geral. Hoje, já não fazem mais shows teatrais, porque uma parte do grupo prefere somente musicais, com poucos textos. Mas, continua a sua caminhada de shows e discos. “Há dois anos, fizemos um sucesso estrondoso com o show Vinícius, a arte do encontro, com a participação do Quarteto em Cy. Depois veio o projeto MPB-4 e a música brasileira e o show Nas asas do tempo”, diz Ruy.

Ruy diz que o MPB-4 nunca esteve na condição de receber a atenção dos grandes meios de difusão. Recebeu, sim, a atenção do povo. “Nós temos uma carreira de porte médio, mesmo sem contar com um forte apelo da mídia. Mas, resistimos, assim como a música brasileira de forma geral, porque ela é muito forte”.

“A música brasileira é uma das mais ricas e mais fantásticas do mundo, e isso todo o mundo sabe. Ela é fortíssima e, eu acho, uma das mais importantes do mundo. A mais versátil, com uma gama maior de ritmos e letras. Uma música insuperável”, elogia.

Para ele, o problema é que os grandes meios de comunicação e as grandes gravadoras, sempre elegeram o modismo e embarcaram nele. “Nós passamos por vários desses modismos. Teve uma época que era sambão jóia, depois música sertaneja, mais tarde pagode, depois axé. Enfim, eles inventam, e é cada hora uma coisa”, explica. Ruy chama atenção para o fato de que não ouvimos a música brasileira tocar nas rádios e mesmo assim ela não morre. “Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Quarteto em Cy, MPB-4 e muitos outros, não tocam nas grandes rádios, outros tocam, mas, raramente. Isso porque elas elegem o que acham que vai vender, os seus modismos do momento, e só colocam aquilo. É um horror”, declara.

O MPB-4 resiste,
assim como a música brasileira
de uma forma geral

“Quem manda mesmo são os donos de gravadoras, das rádios e das grandes boates das noites, que querem vender e empurram ‘goela’ abaixo da população brasileira aquilo que eles elegeram como bom. Vez ou outra, uma coisa boa sobressai e desperta a atenção da mídia, mas passa, e os modismos voltam”, acrescenta.

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