Desde a UnB
A juventude já não pede, exige!
No dia três de abril, cerca de setenta estudantes ocuparam o prédio da reitoria da universidade de Brasília — UnB. Desde a ocupação da reitoria da USP, há apenas um ano, esta é terceira vez que a luta estudantil ganha dimensão nacional, marcando um ciclo quase ininterrupto de ousadas lutas estudantis. A UnB, que foi o baluarte da construção de uma verdadeira universidade nacional volta agora a protagonizar a luta pela democratização das universidades.
José Ricardo Prieto
Foto: Marcello Casal JR/ABr
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Estudantes carregam caixão com imagem do ex-reitor da UnB Timothy Mulholland
Timothy Mulholland, denunciado pelo Ministério Público, teve o apartamento funcional mobiliado com recursos da fundação privada FINATEC, que atua dentro da UnB, no valor de R$ 470.000. Além da mobília de luxo do reitor, foram denunciados também professores e funcionários que recebiam dinheiro e privilégio em bolsas e custeio pessoal em obscuras relações com a FINATEC.
Após a ocupação estudantil, Mulholland ordenou a formação de um cordão de isolamento para impedir a entrada de mais manifestantes na reitoria.
No dia 07 de abril, após realizar assembléia no pátio da Reitoria com cerca de 1.500 estudantes, fica decidido ampliar a ocupação. Tomada a decisão, os estudantes se dirigem ao interior do prédio, os seguranças agem com violência e um estudante é isolado e covardemente agredido por mais de 15 seguranças, fazendo lembrar as cenas do ano de 1964, mas desta vez a segurança privada é derrotada e centenas de estudantes reforçam a ocupação, transformando o ex-gabinete do reitor no centro da luta estudantil no país. No dia seguinte uma carta, assinada por mais de 37 professores, declara apoio a seus alunos e logo depois, em solidariedade, decidem incorporar a luta com os estudantes.
No dia 10, após quase uma semana de ocupação, Timothy pediu afastamento do cargo. No domingo, 13 de abril, durante reunião com o ministro Fernando Haddad, Mulholland e o vice-reitor renunciaram aos cargos. Os estudantes decidiram em assembléia deixar a reitoria em 17 de abril.
Igualmente a Reitoria da UNI-FESP é alvo de denúncias de corrupção pelo uso do cartão corporativo. Na UFMG, em protesto contra a arbitrariedade da reitora, estudantes ocuparam a reitoria. Em Rondônia, frente às crescentes mobilizações estudantis que estouram na universidade, a reitoria desmoralizada, reprime e tenta intimidar estudantes com a presença constante da Policia Federal.
Timothy, um reitor governista
É importante lembrar que o reitor da universidade de Brasília, agora em apuros, era até então ovacionado pelos monopólios de comunicação como modelo de gestor, apesar das denúncias já virem sendo feitas pelo sindicato de docentes da UnB havia mais de dois anos.
A UNE, rechaçada desde o início da ocupação, e que cinicamente diz apoiar os estudantes brasilienses, teve os debates sobre ensino superior do seu "50º Congresso" abertos por Timothy Mulholland. Sua intervenção foi diversas vezes enaltecida pela entidade em artigos publicada em sua página na Internet. Tal divulgação não foi por acaso, mas por corresponder à mesma posição da entidade governista. Timothy é grande defensor do REUNI, do "Universidade Nova", e dos demais projetos governistas.
…o reitor da universidade de Brasília …
era até então ovacionado
pelos monopólios de comunicação
como modelo de gestor,
apesar das denúncias
já virem sendo feitas …
havia mais de dois anos
E por falar em UNE, depois do êxito da luta estudantil na UNB a entidade tenta agora capitalizar o movimento para si, realizando manifestações de solidariedade aos estudantes brasilienses em outras universidades federais no dia 17 de abril. Porém, os estudantes não se iludem com o caráter governista da entidade, lembrando que ela se opôs a todas as principais lutas estudantis dos últimos anos.
O ministro da educação, Fernando Haddad declarou que não interferiria na ocupação da UnB, dizendo "respeitar a autonomia". Porém, o MEC é partícipe da crise que levou à ocupação da reitoria, e de que estas são as mesmas reitorias que ordenaram a ação da Polícia Federal durante toda a luta estudantil contra o REUNI, se arrogando defensores das instituições públicas de ensino.
As próprias fundações privadas que atuam promiscuamente nas universidades como a FINATEC na UnB, foram legalizadas pela gerência FMI-PT, via medida provisória. Ou seja, apesar de agora para se isentar jogarem aos leões o seu reitor pego em flagrante delito, os fatos atestam que as reitorias das universidades federais, inclusive Thimothy Mulholland são governistas.
O que vem à tona na UnB não é um fato isolado, fruto da corrupção de um dirigente universitário, mas sim a expressão mais escarnecida da crise que vive a universidade brasileira. Timothy é um fiel exemplar da burocracia governista, que gerencia as universidades brasileiras, e nisto reside a importância nacional dos fatos que se passam na UnB.
Sem democracia…
Quando do início da ocupação Timothy afirmara que não deixaria o cargo, "pois fora eleito democraticamente e que a manifestação estudantil é um ato politizado".
Ademais do tom reacionário desta declaração, típica de medíocres burocratas a fim de dar descrédito aos protestos, nosso reitor desta vez parece ter acertado. Trata-se de fato de um ato politizado e consciente dos estudantes brasilienses. O conteúdo político de tal manifestação, seu caráter e o fundo de tanta rebeldia estudantil é coincidentemente a falsidade de sua primeira afirmação. O magnífico reitor não foi eleito democraticamente, não há democracia interna na UnB e nas demais universidades brasileiras.
Na UnB, a pauta de reivindicação dos estudantes novamente vai além de questões de varejo, orçamentárias. Os estudantes exigem além da saída do Reitor e vice, a demissão de toda direção universitária, a dissolução do conselho diretor, a convocação imediata de eleição direta e paritária ou universal para reitor e a convocação de um congresso estatuinte paritário, a abertura das contas de todas as fundações da UnB dentre outras reivindicações.
…Sem autonomia
Diferente da escolha democrática a que se referem Timothy e o sr. Fernando Haddad, a escolha dos reitores é um dos processos mais antidemocráticos de toda América Latina. O governo escolhe com base em uma lista tríplice, após um processo eleitoral que toma a maioria da comunidade acadêmica — os estudantes — como algo simbólico. Igualmente simbólica é a participação no conselho universitário, onde apesar de ser esmagadora maioria, os estudantes têm 1/16 das cadeiras do conselho.
O fato de todas as importantes mobilizações estudantis do ano de 2007 — iniciadas em SP com os decretos de Serra e posteriormente em todo país contra o REUNI (ver AND 36, 37, 38) incluírem invariavelmente em sua pauta de reivindicações, a saída de reitores, o voto paritário (e às vezes universal), bem como convocação de congressos universitários para modificar os estatutos da universidade, demonstra que estas lutas se tornaram lutas por democracia interna, por autonomia.
Foto do blog da ucupação
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Em assembléia, cerca de 1400 estudantes da UnB decidem permanecer na ocupação da reitoria
A evidente contradição entre a vontade da maioria da comunidade acadêmica e o seu poder de decisão fez milhares de estudantes enxergar que a propalada autonomia e democracia universitária não eram nada além de uma farsa. Esta tomada de consciência foi marcada pela furiosa reação contra o movimento estudantil. Neste último ano, não houve uma só luta estudantil que não tenha sofrido intervenção da polícia em socorro das reitorias.
Não é coincidência a maioria destas mobilizações culminarem em ocupações de reitorias e conselhos universitários. Pois ali, através da direção universitária, de suas relações com fundações, com o governo e com a vida acadêmica, se encontra o principal entrave da luta pela democratização.
Caminho burocrático
A universidade brasileira, diferentemente das demais universidades latino americanas nunca foi democratizada, se mantendo como uma instituição terrivelmente antidemocrática, semicolonial e semifeudal, situação aprofundada nós últimos anos.
Ao conceder a autonomia às universidades, o governo do velho Estado tratou de conservar mecanismos para seu controle, mantendo atada a ele toda direção universitária, impedindo que a vontade da maioria da real comunidade acadêmica se reflita no conselho universitário e na direção da instituição, conformando uma burocracia reacionária interna, de reitorias atreladas ao MEC. O corpo de direção em nada representa os interesses da comunidade acadêmica, senão que os interesses do velho Estado de grande burgueses e latifundiários, aplicando todo tipo de medidas anticientíficas e antinacionais contra a universidade pública.
Esta crescente burocratização das universidades foi impulsionada pela corporativização governista petista, com a ocupação dos principais quadros da direção universitária com grupos e quadros do governo (destacadamente do PT, algo que o PSDB não conseguiu realizar). Controle incrementado também pelos cortes sucessivos de verbas, somados a incentivos às fundações (segundo denúncias, algumas ligadas diretamente ao PT como a FINATEC) que conduziram ao loteamento de setores inteiros da universidade, deixando-as dependente destes recursos, corrompendo e formando grupos que se atrelam a estas corporações.
As verbas públicas vêm sendo cada vez mais condicionadas a aplicação de planos definidos pelo MEC.
A crise universitária é fruto, não da escolha equivocada de seus dirigentes, como no início tentou fazer crer os monopólios de comunicação, mas sim da falta deste direito.
Caminho democrático
Os acontecimentos dos últimos anos (como a ocupação da reitoria da UFPR, que exigira a saída do reitor e democracia interna), mas particularmente do ano passado, demonstram que todas as lutas contra as medidas antiuniversidade pública do governo apontam para a luta pela democratização da universidade, agudizando cada vez mais as tensões entre a vitalidade das mobilizações democráticas de estudantes e professores, contra a senilidade da estrutura antidemocrática da universidade semicolonial-semifeudal.
As reivindicações estudantis retomam as bandeiras históricas sintetizadas pelos estudantes argentinos de Córdoba em 1918, problemas que se encontram na base da crise universitária e que podem ser assim resumidos:
1Autonomia: liberdade (esta será sempre relativa no velho Estado) para que o povo defenda seus direitos na universidade. A autonomia de pô-la a serviço do povo desde o acesso a ela, sua vinculação com a luta de classes e a produção científica em seu interior. Autonomia de gestão financeira, impedimento de ações policiais nos campi (esta foi uma conquista de Córdoba em 1918), autonomia sobre currículos, escolha de dirigentes. Autonomia para que o velho Estado não interfira na universidade.
2O co-governo, ou "terço estudantil" não se reduz à conquista de cadeiras no conselho universitário, é a expressão da democracia interna, da participação dos estudantes (principalmente) em todas as decisões importantes da universidade, em um governo interno de estudantes professores e funcionários.
3Liberdade de cátedra: a universidade como um espaço eminentemente ideológico, só pode desenvolver a liberdade de cátedra, ou seja, a liberdade para por a produção científica e sua difusão a serviço do povo em um relativo ambiente de liberdade de idéias.
Sem autonomia, não pode haver liberdade de produção do conhecimento. A democratização, a conquista efetiva da autonomia, só pode ser conquistada impulsionando a luta pela democracia interna na universidade, pelo co-governo, contra as fundações privadas, contra mestres e dirigentes reacionários. Nenhuma decisão importante pode passar sem o crivo dos estudantes.
Estas conquistas, como atesta o movimento iniciado em Córdoba, não podem, e não se darão, em seções ordinárias de conselhos universitários, tampouco como petições e plebiscitos, mas sim com a derrota do governo frente às mobilizações estudantis dentro de cada universidade. Na imposição da vontade da maioria, em seções extraordinárias de democracia interna tão bem protagonizadas pelas ocupações de reitorias, conselhos universitários e greves, que dão lastro a convocação de congressos universitários apoiados na mobilização das massas.
Se todos estudantes acompanham com ansiedade os acontecimentos na UnB, com mais ansiedade devem acompanhar o governo e seus reitores. O que está em jogo na UnB não é apenas o destino do Reitor, mas o destino da universidade brasileira. Esta luta tampouco se resumirá à ocupação, mas somente escreve um novo capítulo, cada vez mais audacioso e profundo, que, a exemplo da USP em 2007, transformará a solidariedade no despertar de ações concretas pelo país, cobrando um antigo acerto de contas do movimento estudantil brasileiro.
"La juventud ya no pide. Exige que se le reconozca el derecho a exteriorizar ese pensamiento propio de los cuerpos universitarios por medio de sus representantes. Está cansada de soportar a los tiranos". Manifesto estudantil da reforma universitária de Córdoba, Argentina, em 1918.
"A juventude já não pede. Exige que seja reconhecido seu direito a exteriorizar esse pensamento próprio dos corpos universitário por meio de seus representantes. Está cansada de suportar os tiranos."