Enxergando a produção artística e literária como uma ferramenta de construção de consciência e forte arma contra a opressão, a associação Guatá foi formada, há seis anos, por inquietos jornalistas e artistas populares, em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Resgatar a memória e identidade da cidade, promover o hábito e o gosto pela leitura, e proporcionar um espaço para o povo se expressar é a luta da Guatá, que conta com projetos e uma revista para viabilizar seus projetos.
— Guatá, em guarani, quer dizer caminhar. No nosso caso, a palavra caminhar tem um significado mais filosófico de experimentar a vida, ser dono dos seus próprios passos, de suas próprias pernas. É uma homenagem aos índios que ainda existem na nossa região. Há anos, aqui foi um território guarani e, apesar de toda a opressão que sofreu desde a chegada dos colonizadores europeus, alguns ainda sobrevivem — fala o jornalista Sílvio Campana, uma das pessoas envolvidas no projeto.
— Já tínhamos um trabalho anterior de resgate da memória e identidade da cidade, que é um lugar muito peculiar, e resolvemos formalizar isso para ter um pouco mais de estrutura, surgindo o Guatá. Assim fazemos exposições que vão desde sarais de poesia, até exposições de fotos que retratam um pouco a diversidade e a nossa história esquecida, por conta de um capitalismo que busca o imediato — constata.
— A nossa ideia é reconstruir a identidade de um povo que se mistura aqui nessa cidade, temos cerca de 72 etnias diferentes nesse lugar. É uma cidade com grandes referências do ponto de vista econômico, fazendo fronteira com o maior mercado varejista da América Latina e com a maior usina hidrelétrica. A expressão ‘mega’ por aqui é comum — comenta.
Sílvio diz que mega também é a miséria em Foz, uma dura realidade do povo oprimido.
— Quanto maior a miséria material, menor a capacidade de dispor da sua própria história, arte, com uma linguagem própria. Por isso, não existe o interesse por parte dos poderosos em eliminá-la. Contudo, acreditamos em uma mudança de pensamento, uma conscientização do povo, se for trabalhado para isso, e com esse objetivo estamos lutando, sabendo que trilhamos um caminho árduo e muito modesto — confidencia.
— Assim, paralelo a esse trabalho de resgate da nossa memória, começamos a desenvolver um outro, que é o incentivo a leitura e a expressão das pessoas, chamado “Tirando de letra”. Esse projeto se desenvolve através de um site e de uma revista, a Revista Escrita, reunindo pessoas que trabalham profissionalmente com a expressão verbal e expressões populares de gente das mais variadas origens — fala Sílvio, que é o editor da revista.
— Esse projeto vai até as escolas públicas de Foz do Iguaçu, onde desenvolve oficinas de leitura, oficinas de produção de textos e, principalmente, de discussão da arte como uma ferramenta de transformação social. Trabalhamos com um povo que tem pouco acesso à leitura, principalmente pela falta de equipamentos públicos que proporcionem isso — continua.
Leitura e expressão verbal do povo
Sílvio diz que a agitação em torno da leitura vem da ideia de que ler é muito importante, entre outras, como aparato de libertação do povo.
— Acreditamos que povo, entre outras coisas, precisa se apropriar da leitura e da capacidade de expressão verbal para se libertar. Essa é a nossa atitude política perante um mundo que não nos interessa, que é o mundo do capitalismo. O que nos interessa é a libertação da sociedade humana nesse viés, nessa forma de viver — declara.
— Partindo do pressuposto de que o mundo que precede a leitura é o mundo das pessoas, então expressar esse mundo significa se libertar também do jugo da opressão, onde só se pode ler o que a classe que domina produz; onde só se pode produzir e expressar aquilo que é o pensamento, a ideologia dominante de uma sociedade capitalista. Nós invertemos essa ordem, porque achamos que as pessoas podem se apropriar dos mecanismos — fala com otimismo.
— Dessa forma, trabalhamos até mesmo com a internet como uma forma ou ferramenta para expressão e libertação do povo. No caso específico da revista, ela é um canal interessante porque mistura autores consagrados com um menino que escreveu pela primeira vez, por exemplo. Ou que fotografou, ou desenhou — continua.
Sílvio diz que, entre outros, o projeto consegue reunir donas de casa, cozinheiras, médicos, professores, estudantes e todos podem se expressar livremente através desse espaço que se chama Revista Escrita.
— Olhando a revista, nota-se que ela tem a dimensão justamente do que é real para nós, do que conseguimos atingir com a nossa capacidade física de ocupação de uma área, um espaço geográfico. E isso não significa influenciar na expressão das pessoas, porque acreditamos que a arte e a literatura tem que ter um viés livre — diz.
— É claro que as propostas, que são as reportagens e os ensaios que temos dentro da revista, que também são publicados, eles carregam a nossa ideologia sobre a questão da arte da sociedade brasileira, mas, as pessoas têm a sua liberdade para falar o que pensam e se expressar da forma que quiserem — afirma.
Esse material é publicado e chega nas mãos das pessoas em locais públicos e escolas, onde se discute sobre o direito à leitura e a expressão.
— Fazemos um trabalho de leitura em praças, para onde levamos vários materiais, livros e folhetos que acreditamos contribuir para uma conscientização e mudança nas pessoas. E para ter uma ideia do quanto é opressor o processo que domina o mundo, as pessoas que chegam pela primeira vez não querem ficar com um livro, nem para olhar, por medo de ter que pagar — conta.
— Isso é o reflexo do capitalismo que vivemos, em que tudo gira em torno da mercadoria, do lucro. As relações estão tão aprofundadas nisso que as pessoas têm medo de se achegar e ler, sem compromisso, uma simples publicação. Mas depois ficam à vontade — conclui.
Para entrar em contato com o Guatá: (45) 3027-2241 www.guata.com.br ou [email protected]