“A sociedade esquizofrênica pode levar um indivíduo à loucura.” É o que afirma o médico, psiquiatra social, Eros Sucena Martins Teixeira, carioca que há três décadas cuida das questões da psicossíntese, um processo de conscientização da realidade global do indivíduo. Um processo de desalienação mental e social.
Visitado por A Nova Democracia, o especialista afirmou que a loucura pode ser causada, além do fator orgânico, pelo aspecto social, sendo este de suma importância, já que, em quase cem por cento dos casos, aparece como agente desencadeante, ao passo que o orgânico nem sempre está presente. Eros nos mostra que, envolvida nesta questão, estão a fome, o crime e a auto-realização. Todos derivados de uma sociedade de capitalismo alucinante, que fala em patriotismo, social, comunidades, mas o que realmente ensina é o individualismo e a competição exacerbada, inserindo e cobrando metas e realizações impossíveis, como levar vantagem em tudo e ser o melhor, principalmente através dos programas de televisão e propagandas veiculadas nos principais meios de comunicação. Ao mesmo tempo não garantem tais realizações,causando, com isso, frustrações e amarguras profundas, que podem levar à loucura.
O homem adoece socialmente
como consequência direta ou indireta
da exploração do homem pelo homem
É imperdoável, absurdo, o critério atual e internacional adotado para a definição da doença mental e, mais particularmente, para a definição da chamada loucura — critério esse dominado pelos interesses das classes sociais hegemônicas no mundo atual: a burguesia financeira, ou os estamentos burocráticos, dos países do capital financeiro ou de pretensos socialistas.
Esta equivocada definição fundamenta-se, exclusivamente, nas alterações da racionalidade, como deformações, e a “perda da Razão”, desprezando totalmente as importantíssimas alterações sociogênicas da afetividade, como a frieza afetiva, a perversidade, a imoralidade, a hediondez e outros, inversamente considerados como normais no ser humano.
Nem todo adoecer mental vem sendo — social e cientificamente— considerado loucura, pois que o conceito oficial da loucura está intimamente ligado ao estado da consciência, exigindo alguns importantes requisitos para poder ser definida, como o imperfeito funcionamento da consciência, no que diz respeito ao conhecimento, o justo reflexo do mundo objetivo no subjetivo humano. É a perda do equilíbrio, do “senso da realidade”, a “perda do juízo”. Deverá estar o paciente inconsciente, isto é, fora do mundo real. Terá que estar vivendo e vivenciando um mundo de fantasia, irreal, imaginário, alucinado e delirante. Evidentemente que tal estado — o da loucura — implica, inclusive, profundas alterações do afetivo, o que inclui, além do amor e do ódio, o humor.
Podemos abordar o problema da saúde mental sob dois aspectos: o científico e o social. Os organicistas alegam que a doença vem, primariamente, do organismo. Quer dizer, o organismo adoece. Isso é verdadeiro e serve, não só para as doenças mentais, como para as orgânicas. Entretanto, um outro fator, é a cura da causa desencadeante, passando a ser fundamental a preocupação com as causas sociais.
Na formação da personalidade, normal ou patológica, predomina um fator: o homem é forjado pelo social. A dinâmica diretamente geradora e formadora da pessoa humana não está fundamentalmente centrada no indivíduo biológico (no seu potencial para o sentir, o pensar e o agir), mas, sim, em suas relações com o mundo. O social tem uma abrangência muito grande, e não é só a miséria material, apesar de estar intimamente relacionada a ela, mas, também, a miséria humana, como frustrações, amarguras e insucessos.
Os fatores orgânicos— predisposições hereditárias, congenitismo, lesões ou disfunções —, têm imensa importância para a doença mental, mas, fundamentalmente, o homem adoece socialmente, como conseqüência direta ou indireta da exploração do homem pelo homem. Na verdade, nem todos que enfrentem sérios problemas sócio-familiares adoecem mentalmente. Entretanto, vimos constatando que é muito mais difícil o adoecer psíquico sem tais problemas.
Ciência X povo
A ciência, embora não exclusivamente originária dos mecanismos de produção, não pode ser concebida sem a influência dos interesses de ordem ideológica, política e econômica de uma determinada classe social. As ciências psiquiátrica e psicológica, inseridas no sistema industrial contemporâneo, são influenciadas pela ideologia da classe dominante, servindo, indiscriminadamente, como instrumento de alienação da classe operária e do povo em geral.
A Psicologia Industrial e a Psiquiatria, embora fazendo parte de um mesmo sistema, desempenham funções diferentes, porém, integrando-se harmonicamente. A primeira exerce, fundamentalmente, uma função seletiva e discriminadora da força de trabalho humana através da utilização de testes e questionários psicológicos, para selecionar o trabalhador ideal para uma determinada função. A segunda exerce a função corretiva daquela força. Para isso, lança mão do seu arsenal terapêutico.
O Sistema Industrial Capitalista assemelha-se a uma monstruosa máquina faminta de força de trabalho. De um lado encontra-se a boca, devorando incessantemente grandes quantidades de trabalhadores. Aí atuam os psicólogos da indústria. Do outro lado temos a saída, onde são eliminados os mesmos operários, atuando a Psiquiatria ou a medicina em geral.
O capitalismo, baseado na exploração do homem pelo homem, recebe seu endosso científico. Esses preceitos, pretensamente científicos, também exercem a função de racionalização tranqüilizadora para aqueles que exploram o trabalho humano e se beneficiam com a manutenção desse sistema social altamente patogênico.
Loucura X fome
A nutrição é um dos aspectos mais importantes no desenvolvimento mental do indivíduo. No homem, o crescimento do encéfalo ocorre desde a segunda metade da gestação até os primeiros anos de vida. A criança, ao nascer, possui 25% do peso encefálico adulto; com 1 ano está com 70%, aos 3 com 80% e, com 4 anos, já se encontra com 90% deste peso.
Considerando que os glicídios, proteínas e lipídios constituem os três componentes básicos da alimentação, constata-se que a sua deficiência no organismo causará um deficit, tanto sob o ponto de vista físico, como intelectual, com alteração no sistema nervoso e, conseqüentemente, no desenvolvimento mental.
De nada adiantará recuperar o indivíduo desnutrido e devolvê-lo a um ambiente desfavorável. O desenvolvimento físico, mental e psicológico, depende, também, de fatores como melhorias do ambiente social, através da elevação do nível econômico dos segmentos da população, que constitui mão-de-obra explorada e oprimida pela minoria, dona dos meios de produção.
Loucura X crime
Será que o sujeito nasce hediondo, perverso e frio ou é a sociedade que o transforma? Será que nasce esquizofrênico, ou é essa sociedade tão dividida, que traz profundas frustrações nas realizações pessoais, que o faz assim?
“O crime é uma loucura!” Muitos concordam com essa exclamação, que, no entanto, é negada dentro da Psiquiatria e Criminologia clássica e oficial, já que, em seus critérios, o agente do ato criminoso está sempre em plena consciência na sua execução. Portanto, para elas: “o homem sabe muito bem o que faz”. Daí a “culpa” e a “responsabilidade” individual e individualizada.
Na verdade, a sociedade cria o criminoso, mas, livra-se de qualquer culpa e responsabilidade, jogando-as para c ima da sua criação e aplicando-lhe castigos. Existe uma grande propaganda em torno do criminoso, mostrando que a sociedade é formidável e as pessoas não prestam, jogando seres humanos contra outros seres humanos.
É interessante que os nossos intelectuais lembrem, ao falar de criminalidade e defender o aumento de número de presídios, que esse é um país de impunidade, onde as cadeias são feitas para o pobre, e, raramente um “colarinho branco” é preso.
A loucura pode vir das competições,
desemprego, desafetos e frustrações,
comuns nos dias de hoje
Não se trata, pois, de “ficar a favor dos que praticam violências, dos criminosos”, como alguns costumam acusar. O que pretendo sugerir, é que se passe a dispensar aos loucos e criminosos, independentemente de como os classifiquemos, um cuidado mais humano e racional, substituindo o processo penal existente por um processo correcional, visando recuperá-los, mas, sem ignorar que quem mais necessita de tratamento são os condutores das sociedades, que os geram e que tão mal os abrigam e cuidam.
Contrários à filosofia do Direito, estão todos os países que não acabaram com a exploração do homem pelo homem e não visam o bem estar de todos. Porque, a sua adoção, ou até discussão, certamente os obrigaria a caminhar mais rapidamente para uma democracia mais ampla.
Realização do indivíduo X realização da sociedade
Como a realização social é difícil, vemos pessoas lutando somente pela sua própria realização, que, se não puder ser legalmente, será pela marginalidade, porque ninguém está querendo se auto-realizar realizando uma sociedade. Isso acontece, principalmente, por causa desse capitalismo alucinante que ensina o individualismo e a competição exacerbada, causando profundas frustrações.
Para se ter uma idéia do caos, vemos casos, muito comuns nos Estados Unidos, de pessoas e até crianças, que saem com revólveres, matando quem encontra pela frente. Vimos, recentemente, um jovem estudante de medicina, que atirou na platéia de um cinema, em São Paulo, causando mortes. E uma jovem rica, também em São Paulo, que matou toda a família.
A própria droga é uma espécie de arma que alguns usam para tentar fugir das frustrações. É claro, que trazendo outras piores. Ela leva a realizações fantasiosas, engana, ilude no sentido de se estar curtindo a vida. Os maus programas de televisão, a serviço do sistema vigente, influenciam as pessoas a competir, sem oferecer um remédio para os seus fracassos.
Os livros de auto-ajuda, principalmente de escritores norte-americanos, estão invadindo as livrarias e “ensinando” como se tornar amigos de todos, ganhar muito dinheiro, casar com a pessoa ideal, e outros. Isso aumenta as decepções, já que não conseguirão essas proezas.
Hoje, as propagandas que aparecem em todos os meios de comunicação, tentam mostrar que a vida é boa e que as pessoas devem viver ao máximo, aproveitar a vida, ser o melhor e tirar proveito de tudo. Mas isso é uma falácia, porque a vida não está boa para a grande maioria, que, muitas vezes, chega a estados de loucura e quando, em crise, dá entrada em um hospital e já não se sabe o que, de fato, a desencadeou.