A Nova Democracia publica esta entrevista, concedida por Nilson Dalledone à Larissa de Almeida Pereira, estudante de sétima série do ensino fundamental de uma escola da Zona Leste de São Paulo/capital, por duas razões.
Primeiro, o objetivo é refletir sobre a língua portuguesa, numa atitude oposta ao ensino e ao uso alienado de nosso idioma, no presente momento da história do Brasil. Segundo, evidenciar que crianças podem conseguir produzir trabalhos jornalísticos mais sérios do que a maioria dos órgãos da imprensa monopolista, preocupados que estão em servir às metrópoles, inclusive, dando todo suporte a "mestres" alienados em jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão.
ND – O povo brasileiro tem extrema dificuldade para comunicar-se, para expressar suas idéias. O brasileiro aparenta ser comunicativo, mas não é. A maior parte do povo brasileiro, além de não dominar linguagens adequadas para falar, também não consegue escrever um único parágrafo certo, inclusive, parte dos professores de português, para quem ministro aulas de redação há mais de 20 anos. Mais de um terço da população não consegue ler e entender uma frase sequer. Então, a maior parte da população é analfabeta funcional, isto é, consegue pegar ônibus ou ler placa de rua, assinar o nome, mas não muito mais do que isso. Portanto, a situação é catastrófica. E para agravar o quadro, uma parte importante dos 0,3% da população que tem nível de doutorado, precisou ou precisa de pessoas que façam revisão de seus textos para alcançarem um grau mínimo de legibilidade, isto é, para se tornarem legíveis. Então, a solução desse grave problema é algo distante.
ND – A Língua Portuguesa é o idioma de comunicação oficial de portugueses e brasileiros, dentre outros povos colonizados por Portugal, povos que tiveram suas culturas destruídas por um invasor atroz e implacável com seus oponentes, objeto de sua cobiça. Foi uma língua de grande importância na época em que Portugal, juntamente com a Espanha, era uma grande potência, entre os séculos XV e XVII. Luís de Camões é exatamente dessa época. Os Lusíadas é um canto à expansão colonial do Estado português, em mãos, então, de uma agressiva nobreza e de um capcioso clero, que faziam concessão a comerciantes locais e, principalmente, a estrangeiros, como os holandeses. Depois, com a decadência de Portugal e com a não-ascensão de nenhuma de suas ex-colônias — o Brasil tem uma posição semicolonial no mundo, é um País de quase nenhuma relevância econômica — a língua portuguesa estagnou enquanto veículo da ciência, da técnica, da arte mundial e assim por diante. É falada por um número grande de pessoas, mas quantidade vale pouco. Hoje, usam-se muitas expressões em inglês, o idioma oficial do Império norte-americano, tal como num passado remoto, o latim era o idioma oficial do Império Romano. E leis para bloquear isso têm pouco efeito, porque o poder econômico, político e militar é que decidem quem tem razão. E os neocolonizados até gostam de se submeter, porque se acostumaram com isso… Usam a língua do Império para mostrar que têm status! Mas um dia deixaremos de ser bobos da corte!
ND – Sobre os costumes, no uso do português, cada região do Brasil e de Portugal utiliza o idioma à sua maneira. Mas isso não tem implicado no surgimento de dialetos. No Brasil, um gaúcho entende perfeitamente um nordestino e vice-versa, por exemplo. Por outro lado, é um idioma que, apesar de originário do latim, contém uma grande quantidade de palavras de origem grega, árabe, germânica, francesa, de etnias da América e da África. Isso reflete, na verdade, uma grande mistura de povos e culturas no mundo da Língua Portuguesa. A própria palavra "Portugal" é de origem árabe, porque, por quase 800 anos, a Península Ibérica foi domínio do Império Árabe. Portugueses e espanhóis somente não são quase todos, inclusive, muçulmanos, porque os árabes, em nome de Deus, preferiam receber os impostos… Quem se convertia ao Islamismo não pagava imposto! (risos)
ND – A Língua Portuguesa, em sua parte fundamental, segue a lógica linguística e, numa pequena parte apenas, naquela relacionada à norma culta, isto é, ao jeito das classes dominantes falarem e escreverem, contém exceções. É falso, portanto, que a gramática portuguesa seja difícil. Todas as línguas indo-européias obedecem à mesma lógica. Assim, português, inglês, alemão, italiano, russo, dentre outras, seguem uma mesma gramática básica, diferenciando-se em aspectos secundários. Então, não é verdade, por exemplo, que a gramática inglesa seja mais fácil do que a portuguesa. Lamentavelmente, a maioria dos brasileiros, incluindo parte dos professores de português e inglês, não sabe nem uma nem outra. E só se consegue ensinar aquilo que a gente sabe! Quando o objetivo é dominar um conhecimento até as últimas consequências, é preciso dedicar a vida a isso. Por isso, se quero dominar o português ou o inglês até o fim — se é que existe um fim para isso — dedico minha vida ao seu estudo, até me tornar professor de português ou inglês. Na Inglaterra, nos EUA ou na Austrália existem importantes faculdades onde se estuda o idioma nacional, tal como em Portugal e no Brasil. Isso sem citar muitos outros lugares. Mas existe um obstáculo ao aprendizado do português que poderia ser amenizado. Trata-se da ortografia. Grafa-se o português com base na história da evolução das palavras e com base em sua etimologia, o que implica em considerar os aspectos culturais envolvidos nesse processo. Diferentemente disso, em alemão ou em russo, cada letra, em geral, representa um fonema. Então, o povo costuma dizer que se escreve como se fala. Fica muito mais fácil.
[inglês e francês]
esses dois idiomas estão
em piores condições do que o nosso
já que usam um modelo ortográfico
que remonta ao ano 1000…
O que faz a gente achar normal
o jeito de se escrever
em inglês ou em francês
é a incrível eficiência do fuzil
que eles usam para nos intimidar
Entretanto, não se deve desanimar por isso. Um dia, o povo trabalhador brasileiro e português terá força político-militar suficiente para fazer uma reforma completa na ortografia, tirando das mãos da burguesia e dos restos da aristocracia, como é o caso dos latifundiários, a decisão sobre isso. Então, os intelectuais que, hoje, servem a esses interesses mesquinhos, terão de servir ao povo e tudo poderá ser muito diferente. É preciso ser paciente. Mas não me venha falar de inglês e francês, porque esses dois idiomas estão em piores condições do que o nosso, nesse aspecto, já que usam um modelo ortográfico que remonta ao ano 1000… (risos) O que faz a gente achar normal o jeito de se escrever em inglês ou em francês é a incrível eficiência do fuzil que eles usam para nos intimidar, se resolvermos reagir… Saber algo certo ou melhor não decide nada!
ND – No momento, a Língua Portuguesa tem um grande número de falantes. No entanto, como consequência da fraqueza do Brasil e de Portugal, no plano econômico, social, político, militar e cultural, fatores interdependentes, nossa posição no mundo é irrelevante. Portugal é um país periférico, porque se atrasou na história, tendo caído nas mãos do colonialismo e, depois, do imperialismo inglês. O Brasil é um país semicolonial, também, irrelevante no plano mundial. Talvez, o nosso novo destino seja, além de produzir grãos e carne para exportação para as metrópoles, a produção de álcool e outros combustíveis não-fósseis, para manter a frota automobilística funcionando. O resultado disso está visível no Nordeste até hoje. O açúcar do Nordeste serviu para enriquecer o País dos outros, como a Holanda que, inclusive, invadiu essa região. Quando deixou de interessar, foram embora e deixaram um presente para nós, isto é, a miséria e a desolação. Veja quanto tem de altura média um holandês saudável e um nordestino e compare o desempenho humano médio de um e de outro! Não precisa ser genial para perceber a diferença… Se não conseguimos sequer garantir nossa soberania, como poderíamos defender nosso idioma? O Estado não investe em Educação adequadamente e parte importante dos recursos investidos ou é roubado pura e simplesmente ou mal utilizado… Compare nossas escolas com as holandesas, por exemplo!!! No Brasil, segundo o IBGE, 53 milhões de pessoas vivem em favelas, cortiços e palafitas. Como exigir que aprendam um português adequado? Lutar por isso é uma coisa. Conseguir é outra!
Nilson Dalledone, Professor Doutor: doutorado em história econômica pela USP e bacharel em língua portuguesa e espanhola, também pela USP, há mais de 20 anos ministra cursos para professores, diretores e candidatos a supervisores da Rede Pública de Ensino, tendo sido, ao mesmo tempo, jornalista, editor internacional e diretor de Editora. Ministra mais de quinze disciplinas diferentes e é palestrante em temáticas diversas. E não deixou o Brasil até o momento, como milhares têm feito!