Nos últimos meses os preços dos minerais nos mercados internacionais sofreram uma séria queda. Esta situação vem afetando o setor de mineração na Bolívia, particularmente o operariado mineiro, porque seus salários foram reduzidos a até menos da metade.
Um caso que exemplifica bem esta situação é o caso do minério de estanho de Huanuni. No ano de 2006, os mineiros que trabalhavam para pequenos e médios empresários independentes, que são denominados de "cooperativistas", quiseram tomar as reservas da Corporação Mineira da Bolívia (COMIBOL). O número de mineiros cooperativistas era o triplo ou o quádruplo do número de mineiros "assalariados" da COMIBOL, e juntos somavam em torno de 6 mil trabalhadores.
Aquela tentativa de tomada das reservas mineiras pelos cooperativistas resultou num cruel enfrentamento de massas contra massas do qual o governo de Evo Morales lavou as mãos para participar da solução, inclusive o vice-presidente Álvaro García Linera mencionou que o governo interviria no problema e que só se comprometiam a enviar os caixões no caso de mortos.
Após o conflito protagonizado entre mineiros "cooperativistas" e mineiros "assalariados" obteve-se um saldo fatal de 16 mortos e dezenas de feridos em Cerro de Posokoni do distrito de Huanuni, local onde são encontradas ricas minas de estanho. Em seguida o governo de Evo Morales lançou uma propaganda exagerada a respeito da atividade mineira em Huanuni, que seria integralmente assumida pelo Estado boliviano, isto é, deixariam de existir os mineiros "cooperativistas" e todos passariam a ser mineiros "assalariados" dependentes do Estado empregador, como aconteceu após a chamada Revolução de 1952.
Alguns anos depois, com a queda dos preços dos minerais, revelou-se o caráter explorador do Estado boliviano e a farsa da criação dos empregos dignos, porque é o Estado que produz e absorve a mais-valia dos agora mineiros "assalariados" para manter suas parasitárias e bem pagas burocracias.
A verdade é que os mineiros "assalariados" de Huanuni, que são mais 6.000, não vinham recebendo um salário pré-determinado, foram contratados como operários sob a modalidade do trabalho pago por produção e não por tempo; desta forma, um grupo de 6 pessoas trabalhando só receberá o referente à quantidade que extraíram e entregaram à administradora da mina de Huanuni.
O governo boliviano utilizou como pretexto a crise mundial para reduzir o chamado pagamento por produção a seus empregados "assalariados" para menos da metade, inclusive em alguns casos recebem como pagamento do mineral entregue a quarta parte que recebiam há seis meses. Como uma medida de resistência individual a semelhante arbitrariedade e exploração, alguns trabalhadores mineiros optaram por extrair o mineral e vendê-lo a um comprador que não seja o Estado, obtendo o triplo da renda, comparando com o que recebe do Estado. No entanto é mantido o mesmo regime de exploração com a modalidade do pagamento por produção. O grau de exploração estatal pretende tirar do trabalhador até o chamado trabalho socialmente necessário, aquela remuneração com a qual o trabalhador mineiro pode garantir minimamente sua alimentação, vestuário e moradia.
Com esta situação, se revela que o Estado boliviano, ao contratar mineiros "assalariados", não só opta por pagar-lhes de uma forma mais exploradora — como assinalava Marx em O Capital sobre o pagamento por produção —, mas paga menos ainda que a mineração privada. Certamente, a mais-valia será destinada a pagar as contas da burocracia parasitária apoiada incondicionalmente pelo Movimiento Al Socialismo — MAS, o partido do governo. Tal burocracia é a maior praga clientelista que permite que o MAS siga no governo e desta vez exige vorazmente mais cotas de empregos dentro do organograma estatal como contrapartida.
A venda de minerais a resgatadores ou intermediários de compra e venda de mineral mostra ser mais conveniente. Esta atitude de resistência cotidiana dos mineiros arruína por completo o maravilhoso negócio dos burocratas introduzidos no Estado. Mas a abjeção estatal por extrair até a última gota de mais-valia do operariado mineiro recorre com certa frequência a efetivos do Exército da Bolívia para que coloquem guaritas ou trancas nas saídas dos locais de mineração, revistando minuciosamente cada veículo que sai do acampamento para evitar que se retire o mineral e que logo seja vendido aos intermediários que compram e vendem diretamente ao mercado de minerais.
De fato, de um tempo para cá os acampamentos mineiros na Bolívia, em especial nos estados de Oruro e Potosí transformaram-se em verdadeiros fortes militares. O motivo dessa segurança extrema, como já foi dito, é garantir o controle dos minerais, cuja extração só é possível através da expropriação da mais-valia produzida pelo operariado mineiro.
Assim os burocratas na Bolívia aprenderam a lição dos capitalistas japoneses de "converter as crises em oportunidades", pois diante da queda dos preços dos minérios no mercado mundial, os burocratas sem escrúpulo algum aplicam exploradores salários por produção, tornando ínfimo o que o trabalhador recebe por extrair o mineral, contudo preserva uma considerável cota de lucros, que se vê plenamente refletida na comparação entre os preços que os jukeadores — quem extraem o mineral de maneira clandestina — obtêm no mercado negro e os salários de fome que recebem os mineiros "assalariados" na produção paga pelo Estado.