A ‘PEC da Emergência Fiscal’ em tempos de pandemia

A ‘PEC da Emergência Fiscal’ em tempos de pandemia

Governo retira do serviço público para dar aos banqueiros

A Proposta de Emenda à Constituição 186/2019 (“PEC da Emergência Fiscal” ou “PEC Emergencial”) foi apresentada ao Senado Federal no dia 05/11 do turbulento 2019. Anunciada pelo reacionário ministro da Economia Paulo Guedes, a proposta integra o “Plano Mais Brasil” em conjunto com a “PEC dos Fundos Públicos” (187/2019) e a “PEC do Pacto Federativo”. Abaixo, transcrevemos a ementa:

“Altera o texto permanente da Constituição e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispondo sobre medidas permanentes e emergenciais de controle do crescimento das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, e dá outras providências.”1 [negrito nosso]

Quais são as ‘despesas obrigatórias’?

Trata-se de todo o montante de verbas necessárias para que o Estado consiga manter suas atividades mais sensíveis em funcionamento (ainda que debilitado). Dentre elas: folha de pagamento dos funcionários públicos; contas de luz, água e internet dos prédios públicos; repasses da previdência; investimentos mínimos na saúde e educação etc. Somam-se a esses serviços as despesas opcionais (discricionárias), como investimentos em infraestrutura de hospitais, escolas, universidades, e outros setores fundamentais para a reprodução da vida social.

É necessário um olhar atento para o recém passado ano de 2016. Foi durante o governo de Michel Temer/MDB que foi estipulado o “Teto de Gastos”, um mecanismo jurídico-político de controle dos gastos públicos que tem por objetivo imediato limitar as despesas obrigatórias, com base nos gastos do ano anterior (gerando destruição dos serviços públicos e piora nas condições dos trabalhadores de tais serviços). Cabe ainda ao governo se entender com a assim chamada “Regra de Ouro”2, aquela que em sua forma impede que o governo tome empréstimos para realizar o pagamento dessas despesas obrigatórias, que são indispensáveis ao funcionamento não só dos serviços públicos fundamentais ao povo, mas da vida social em geral (“regra” essa que tem por objetivo obrigar o governo a concentrar toda sua finança para o pagamento da dívida pública).

Para que o velho Estado supere a condição asfixiante de, por um lado, encontrar-se em aguda crise fiscal resultante da crise geral do capitalismo burocrático e, por outro, impossibilitado de realizar empréstimos para arcar com o pagamento dos seus serviços obrigatórios, o governo aposta na PEC como a panaceia para o mal que consome o sistema, medida que, é certo, lançará às costas das massas o peso dessa empreitada. Em palavras curtas:

“As principais medidas a serem adotadas [pela PEC] são: a proibição da criação de novas despesas obrigatórias, da ampliação e da concessão de novos benefícios tributários (diminuir impostos sobre um produto, por exemplo), assim como da renegociação de dívidas tributárias; proibição da realização de concursos e a criação de cargos públicos, assim como de reajuste de salários já existentes; funcionários públicos não serão promovidos, com exceção de carreira militar ou policial; além disso, a carga horária de funcionários públicos poderá ser diminuída em até 25%, com consequente redução salarial. Em tempo: se o dinheiro arrecadado no ano vigente for maior do que as despesas previstas para o próximo ano, o excedente será reservado para o pagamento das dívidas públicas.”3

Ou seja: destruição dos serviços públicos, precarização das relações de trabalho nesses serviços e, se por acaso ocorrer de haver um excedente, ao invés deste ser aplicado para retornar à situação anterior, será destinado à dívida pública!

 

Reequilíbrio fiscal para quem?

Falemos da dívida pública. Fundos de Investimentos, capital estrangeiro e instituições financeiras constam entre os maiores credores dela. Somados, representam o montante de R$2 trilhões, aproximadamente 62% do total da dívida.4 Quem está representado nessas cifras? Principalmente, os próprios bancos locais e estrangeiros, os maiores credores do velho Estado brasileiro, que, na prática, já receberam seu pagamento e seguem extorquindo a população brasileira com juros e amortizações (uma vez que o dinheiro do Estado é recolhido do povo através de impostos).

Para uma dimensão do cenário, segundo as projeções do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI): “a dívida bruta do país subirá de 89,5% para 98,2% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2019 e 2020, enquanto o déficit nominal (que inclui gastos com juros) passará de 6% para 9,3% do PIB, e o déficit primário (sem despesas financeiras) de 1% para 5,2% do PIB.”5

Tal investigação nos permite descobrir quem serão os maiores beneficiados com tal medida. Por detrás das palavras obscuras sobre “contenção de gastos públicos” e “reequilíbrio fiscal”, aquilo que observamos é uma repulsiva fotografia dos banqueiros ansiando por maiores lucros às custas dos serviços públicos como saúde e educação sucateados e dos servidores pauperizados.

Brincando com fogo

O ano presente parecia caminhar pacificamente para uma tácita aprovação da “PEC Emergencial”. Paulo Guedes, no início do mês de março, considerava a PEC “mais urgente que a reforma administrativa” e estipulava que sua aprovação no Congresso ocorreria serenamente, mais tardar, no início de abril. Estava equivocado.

No afã para implementar a PEC, Paulo Guedes parece não considerar em seus cálculos um elemento concreto que pode custar muito caro aos banqueiros: a luta de classes. Vivemos um momento de crise sanitária global entrelaçada a uma profunda crise econômica mundial, e, particularmente, no caso brasileiro, esse movimento se expressa na falência do capitalismo burocrático para solucionar as questões imediatas da pasta da Saúde.

As massas de funcionários e usuários dos serviços públicos certamente não ficarão inertes. Vivemos tempos históricos que nos trazem a indelével recordação de que nenhuma “regra é de ouro” e, basta uma crise para “tudo aquilo que é sólido se desmanchar no ar”.

 

Notas:

  1. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139702
  2. É a regra disciplinada pelos Art. 2, §3 da Lei Complementar 101/2000, Art. 167, III da Constituição Federal e Art. 6 da Resolução do Senado Federal de 2007.
  3. As informações acima citadas podem ser acessadas, integralmente e com maior profundidade neste endereço virtual: https://www.politize.com.br/pec-emergencial/
  4. http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/943191/Texto_RMD_Fev_20.pdf/4c6c694b-bdd7-4a88-8c16-8f5fbcbe00b8
  5. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/15/fmi-ve-divida-em-982percent-e-deficit-nominal-em-93percent-do-pib-em-2020.ghtml

 

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