Certamente que a pesca na orla do Atlântico não é a mesma, acima e abaixo do Rio Bravo. O Departamento de Pesca do Ministério da Agricultura estipula, para 2003, um bilhão de dólares em exportação de pescado. O superavit esperado é de 100 milhões de dólares, segundo a Secretaria de Comércio Exterior. Até recentemente, nossa balança comercial era deficitária. Agora revertemos, graças à desvalorização da moeda brasileira. É, porém, um valor pequeno se comparado ao de outras indústrias (aço, automobilística). Mas, para a pesca, que era negativa em 300 milhões de dólares (1998), é um marco. É importante ressaltar o tamanho desse mercado: são 600 mil toneladas. Isso daria, em valores atuais, 2 bilhões de dólares. Contudo, o Brasil está participando, hoje, com menos de 10%. Para que aumentemos nossa participação nesse mercado,alguém vai ter que renunciar, seja o Japão, a Espanha, os EUA ou a própria União Européia. Luiz Penteado , diretor de pesca da Conttmaf, fala à AND sobre dificuldades que o setor encontra. Em contraponto, Francisco Osvaldo Alves Barbosa, chefe da Divisão de Fomento à Pesca, do Departamento de Pesca do Ministério da Agricultura, debate alguns desses pontos, nos textos grifados (siga os links).
A atividade pesqueira nacional está atravessando uma fase de transição. Houve um tempo em que a política do governo para o setor foi voltada, especificamente, para os arrendamentos de embarcações estrangeiras e esses arrendamentos já venceram seus prazos. O governo, agora, sinaliza com a nacionalização dessas embarcações. Esse fato novo tem que ser amplamente discutido, entre outros motivos porque essas embarcações são velhas e cujos países de origem estão querendo descartá-las. Há ainda o fato de que, com isso, estaremos sufocando nossa indústria naval que precisa ser incentivada. Significa, também, que não teremos emprego no setor já que essas embarcações vêm tripuladas Mas, se nacionalizadas, é certo, deveriam receber tripulação nacional. Porém, não estamos preparados, apesar de que o papel principal do arrendamento, que está no decreto de autorização de arrendamento, tenha sido a troca de tecnologia, para nos prepararmos, o que não aconteceu. Não houve treinamento, não houve planos.
Outra questão que está sendo questionada é a das quotas brasileiras que estão atribuídas à Espanha porque não temos navios, e não podemos ficar com o que nos é de direito. Se o Brasil não tiver sua produção dentro da atual quota prevista para ele, poderá ter sua produção desviada para o Japão, o que significa perder mercado no âmbito internacional. A questão está sendo discutida no âmbito da ICCAT.
Hoje, o que nos resta desses arrendamentos? A costa brasileira foi varrida. Temos até algumas espécies ameaçadas, precisando de maior controle, o que é o caso do peixe-sapo. É que essas embarcações arrendadas não se contentaram com o mar de 200 milhas e avançaram para as costas brasileiras, competindo com pesqueiros nacionais, que são infinitamente menores e desprotegidos. Houve casos, até, de danificação de nossos barcos de pesca, de abalroamentos, de afundamentos. Uma das razões é que não temos uma guarda costeira e nossa marinha está sem estrutura para dar suporte. O que resta para o Brasil? Sabemos que as empresas que arrendaram as embarcações ganharam suas comissões, e que o pescado foi todo para os países de origem, não passando pela quota, que, sabemos, está sendo questionada.
Nessa transição já surgiram alguns focos de descontentamento, a exemplo da liderança da indústria de Itajaí, grande pólo pesqueiro do país, que possui seus cais aparelhados e entrepostos, e que procura questionar a maneira como essa nacionalização está para ser feita: ela impede que tenhamos um parque industrial, capaz de beneficiar nosso pescado. O fato é que temos trabalhadores capacitados para operar nossas embarcações. Embora, para as mais sofisticadas, tenhamos que passar por um programa de treinamento.
Para a direção de Pesca da Confederação —que congrega os marítimos, fluviais e pescadores, o pessoal dos portos, e aeroviários —, depois de reuniões com o pessoal da indústria pesqueira e de reuniões com o ministro de tutela, o controle da pesca não pode estar, simplesmente, concentrado no poder do diretor de pesca do Ministério da Agricultura, que é uma das pessoas diretamente interessadas por ter empresa de arrendamento, com parentes vinculados à atividade, e é quem autoriza. Querem que as quotas sejam discutidas por região, o que não tem sido feito. Outro ponto delicado é o problema do emprego: vive-se uma situação em que a informalidade está destruindo sistemas nacionais, como o da previdência social. No que diz respeito à pesca nacional, que tem dificuldade em competir com outras embarcações, o país está, também, voltando à informalidade: os tripulantes não são registrados, e não há fiscalização para conter o abuso. O fato é que temos hoje só 10% da tripulação legalizada, registrada, com embarque anotado na Marinha. Tudo o mais é informal. Quando acontece um acidente com uma dessas embarcações, chamadas nacionais, a dificuldade do sindicato dos pescadores é grande para conseguir identificar quem estava a bordo e dar suporte aos familiares. A ponto de ter que ouvir a tripulação que viu a embarcação sair para saber quem é que estaria a bordo. Uma fiscalização efetiva, não nos escritórios mas a bordo, como existia antes, nos ajudaria muito.
O arrendamento de embarcações estrangeiras é um instrumento que o governo brasileiro vem lançando mão há trinta anos, a fim de reforçar nossa frota pesqueira de alto mar. Para melhor entender: o Brasil tem um compromisso internacional com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar. Essa convenção criou uma zona de 188 milhas que, multiplicadas pela extensão da costa brasileira, resulta em 3,8 milhões de km2. Uma zona chamada de Zona Econômica Exclusiva – ZEE . Como o Brasil tem 8 milhões de km2, os 3,8 milhões de zona econômica exclusiva representam a metade do Brasil. Temos meio Brasil no mar por conta dessa zona econômica exclusiva. Mas, o Brasil não tem embarcações adaptadas para ocupar plenamente essa zona. Então, um dos objetivos é o reforço da frota,
Antes dos arrendamentos, o peixe morria de velho ou era capturado pelos espanhóis, pelos japoneses, pelos chineses, ou coreanos, e pelos EUA. E nós ficávamos olhando para o mar. O Brasil se caracterizava por pescar a sardinha, o camarão, o pargo, as lagostas, a piramutaba, os peixes de fundo da beira d’água. Pescou tanto esses recursos que ficou próximo da exaustão. E nunca saiu em alto mar e ninguém queria que saíssemos. Para quê? Fique aí, brasileiro, que já tem o futebol, o carnaval e sua sardinha. Mas, agora, o Brasil está se lançando à pesca oceânica. É por isso que esse instrumento do arrendamento é uma coisa importante.
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Os navios estrangeiros que devem ser transferidos às empresas pesqueiras brasileiras são navios bons, até porque a atividade precisa ter viabilidade econômica. O governo só faz autorizar a atividade econômica e, se esses navios não fossem viáveis, os empresários que os operam estariam perdendo tempo. A viabilidade deles é condição mesma da existência da atividade e as embarcações que aí estão são embarcações que têm atendido a essa atividade econômica.
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A questão da transferência de tecnologia pode ser assim entendida: nós não temos os barcos pesqueiros, nem temos a tecnologia para pescar nessas águas profundas, oceânicas. A transfe-rência de tecnologia contribuiu, porém, para a geração de empregos, já que cada embarcação dessas que vem para o Brasil leva parte de tripulantes brasileiros. São empregos gerados no mar e empregos gerados em terra. Mas, o Brasil perde. Pode ser verdade que o empresário internacional vem aqui, faz uma associação com empresa brasileira, gera algum emprego, mas ele leva. O ideal seria que nós tivéssemos tecnologia, barcos, recursos humanos capacitados, sem precisar de japoneses, espanhóis, norte-americanos. Sem precisar de ninguém. Mas, não é bem a realidade.
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Os recursos pesqueiros, no Brasil, são calculados assim: há a costa marítima do Brasil de um lado, de outro a africana, horizontalmente, o equador, acima dele, o Atlântico Norte, e, abaixo, o Atlântico Sul. Os recursos pesqueiros que vivem no Atlântico Norte e Sul, em águas profundas, são administrados por uma organização internacional — a Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico — ICCAT, cuja sede fica na Espanha e da qual o Brasil é membro por meio de convenção. Todos os atuns, uma das principais espécies altamente migratórias que existem no Atlântico, são controlados na quantidade de pesca, de barcos, na quantidade de anzóis, nas características do produto, nos requerimentos para cada embarcação.
Atum é uma designação genérica. Aí estão incluídos os atuns albacora pelágio, albacora branca e o espadarte. A ICCAT entendeu que, para essa espécie espadarte, deveria haver uma quota no Atlântico de 15 mil toneladas por ano. Dessa quota, o Brasil dá conta de apenas 4,7 mil toneladas, sendo 4,4 mil no Atlântico Sul e 300 toneladas no Atlântico Norte, de Belém para cima. Essa é a quota que existe, além dela não existe mais quota estabe-lecida. Por enquanto, a tendência é que para o futuro esse “ouro” seja dividido em quotas. E o Brasil, como tem 8 mil quilômetros de costa, pleiteia uma quota proporcional como grande país costeiro que é.
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Houve um arrendamento para uma espécie chamada peixe-sapo. Nós já suspendemos esse arrendamento, já que ele cumpriu o seu papel e a frota brasileira, hoje, está pescando o peixe-sapo.
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Luiz Penteado é Diretor da Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins — FNTTAA.