Quando os fundamentos da política externa de um país resumem-se à subjugação nacional, à demagogia e ao jogo de cena utilizados para tentar iludir a nação.
Ao decidir, por conta própria e olvidando os protestos de brasileiros e estrangeiros, levar ao Haiti a mesma paz que o USA leva ao Iraque e ao Afeganistão, Luiz Inácio nada mais fez que dar prosseguimento ao servilismo, inaugurado antes mesmo de tomar posse: ouvir e implementar os ditames de Bush.
Em 1965, Castelo Branco, acatando determinações do império, mandou tropas brasileiras para submeter o povo dominicano rebelado.
Mesmo excluindo-se a afirmativa de Luiz Inácio de que o regime militar tinha atitudes corretas, que correlação existe entre estes dois momentos? Alguns dirão: “Nenhuma. Naquele tempo, havia uma ditadura e como tal só tinha contas a prestar a quem a ordenou. Mas, agora, com um governo eleito, e de esquerda, isto não pode acontecer!”
Porém, quem dava as ordens em 1964 e quem as dá nos dias de hoje?
Para o entendimento preciso desta situação trataremos a questão sob o ponto de vista do caráter do Estado e, mais especificamente, do Estado brasileiro.
A burguesia nega de boca e exerce de fato sua ditadura. O fato de existir o Estado significa que existem classes em luta. O Estado é, portanto, o produto da sociedade de classes, onde os dominantes exercem a ditadura sobre os dominados.
Temos dito, em mais de uma oportunidade, que o Brasil é um Estado burguês-latifundiário serviçal do imperialismo. As duas primeiras qualificações indicam que a classe dos burgueses e dos latifundiários exerce uma ditadura sobre o povo brasileiro, ditadura esta que, por sua vez, segue as ordens do imperialismo, principalmente, ianque. Esta submissão coloca o nosso país na condição de uma semicolônia, pois as decisões sobre o seu destino são tomadas pelos países ricos, principalmente o USA, e não por um governo nacional soberano.
Foram estes setores que golpearam o país em 1964, impondo o gerenciamento militar.
A ditadura burguesa assumia, nesta ocasião, a face de ditadura militar. Quando não mais convinha ao imperialismo e seus sócios menores a presença dos militares na gerência do Estado, foi feita a transição para o gerenciamento civil, sem nenhuma alteração fundamental quanto às classes que detinham efetivamente o poder. A farsa eleitoral é montada, então, para dar a impressão de que o povo está escolhendo livremente os seus governantes.
Assim, burguesia, latifúndio e imperialismo continuam mantendo sua ditadura, agora “legitimada” por eleições e pela participação dos oportunistas, guerrilheiros arrependidos e renegados do marxismo no gerenciamento do Estado.
Em vários artigos que circularam na imprensa e na internet, seus autores apontam como justificativa para a atitude de Luiz Inácio uma demonstração de que o Brasil estaria “pronto” para fazer parte, como membro permanente, do conselho de segurança da ONU. Na verdade, quando se trata de justificar a submissão, servem plenamente os argumentos submissos. O fato decisivo é que, mesmo que não estivesse em jogo tal perspectiva, seu comportamento seria o mesmo, pois, na qualidade de gerente dos interesses do império em nosso país, o sr. Luiz Inácio é um simples executor de ordens.
Interventor da América Latina
Dentre as ordens que recebeu e já cumpriu estão a permissão para a propaganda de cigarro em corridas de automóvel, a reforma da Previdência, a manutenção das altas taxas de juros. Recebeu ainda ordens de reformar o Judiciário, a universidade, as leis sindicais e as leis trabalhistas — tudo para facilitar a implantação da Alca. Como preposto oficial do Departamento de Estado para a América do Sul, aplicou o intervencionismo FMI-petista contra nossos irmãos da América Latina, inclusive, com ações militares. Paraguai, Bolívia e Peru já experimentaram, em oportunidades diferentes, a “liderança” brasileira na região.
Outros analistas da situação brasileira como o historiador gaúcho, professor Mário Maestri, têm manifestado a mesma preocupação. No artigo Servindo a um povo de mortalha, escrito para o periódico espanhol La Insignia, assim ele analisa:
“Convocados pelo governo Bush, mais de 1.400 soldados brasileiros, em boa parte gaúchos, abandonam o país para substituir as tropas franco-estadunidenses que destituíram no Haiti para o presidente constitucional Jean-Baptista Aristides. Assim, os marines partirão para o Iraque, onde os exércitos yankees carecem terrivelmente de homens, sob a dura resistência da sofrida, humilhada e indomável população iraquiana.
O governo Lula da Silva e as tropas brasileiras ferem, diretamente, os direitos nacionais haitianos e, indiretamente, martirizam o povo iraquiano. A ação liberticida decidiu-se sem consulta ao parlamento e discussão democrática da sociedade civil nacional.
A humilhação do Haiti dá-se no ano glorioso de 2004, segundo centenário da mais fulgurante saga libertadora americana, quando, sob a direção dos generais negros Louverture e Jean-Jacques Dessalines, cativos africanos e crioulos semi-desarmados, vergaram os soberbos exércitos franceses, ingleses e espanhóis, pondo fim, por primeira vez na América, à maldita ordem escravista, para fundar nação de homens livres.
Agora, os soldados de país que há mais de um século arrasta a pecha indelével de ter sido a última nação no mundo a abolir a escravidão colonial, prestam-se a desempenhar o triste papel de capitães-do-mato e feitores dos novos senhores franco-saxões, na submissão de povo abatido, mas sempre altaneiro.
Pouco importa que a agressão criminal se dá sob a retórica hipócrita da ONU. A própria Caricom, organização das nações caribenhas, através de seu secretário-geral Edwin Carrington, rejeitou duramente a ocupação e exigiu investigação sobre a intervenção colonial franco-estadunidense.” E a imprensa colonizada divulga a agressão como “ajuda humanitária”, muito embora, não possa negar que a “missão de paz” envolve até a Embrapa, que de Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária foi transformada em veículo de espionagem a serviço do império, utilizando seus satélites para dar a posição de prováveis insurgentes no Haiti.
A demagogia com que o atual governo tenta camuflar sua condição de gerente de uma semicolônia também é revelada por pessoas que há bem pouco ajudaram na eleição de Luiz Inácio. Não citaremos as críticas que elencou Dr. Leonel Brizola, no horário do TRE, bem antes de seu falecimento. Vejamos as afirmações do Prof. Mangabeira Unger, no artigo A centelha na seção Tendências e Debates do Jornal Folha de São Paulo:
“Em nada é mais ostensiva essa demagogia do que na relação com os Estados Unidos: agressiva, no simbolismo espalhafatoso de constrangimentos impostos a visitantes ou no revide inconstitucional contra um jornalista; submissa, na entrega da política econômica aos interesses e aos dogmas dos mercados financeiros e no servilismo com que, no Conselho de Segurança, o Brasil faz a vontade dos americanos, a ponto de enviar nossos soldados para impor ao Haiti um governo de bandidos agradáveis a Washington.”
O mercador da Alca na China
Foram bastante alardeados pela imprensa os 15 acordos firmados entre Brasil e China. Para os que ainda não entenderam o significado de Estado burguês-latifundiário serviçal do imperialismo, as palavras do prof. Unger clareiam alguma coisa. Porém, é preciso ir mais fundo: estudemos cada acordo firmado e em seguida façamos uma análise, sob o ponto de vista de classes, para descobrir quais são os interesses que estão por trás do acordo. Não vai ser difícil visualizar o latifúndio (fantasiado de agronegócio), a grande burguesia e as transnacionais, como a Vale do Rio Doce, que se adonou do minério brasileiro.
Quatro acordos, como exemplos, envolveram a Companhia Vale do Rio Doce e siderúrgicas chinesas, sendo o mais importante o que cria, com a Shanghai Baosteel Group, uma joint ventures para a construção do Pólo Siderúrgico de São Luiz (MA), com vistas a produzir 3,8 milhões de toneladas de aço. Está no acordo também a implementação de linha de transporte marítimo entre os dois países e o desenvolvimento, na China, de projeto de produção de carvão para exportação para o Brasil.
Em outro acordo, a Vale e a Yukuang Group pretendem desenvolver projeto de produção de carvão coque para o mercado chinês, com exportação para o Brasil e para terceiros mercados. A mineradora brasileira fez ainda um acordo para produção, processamento e venda de carvão em parceria com as empresas Yongcheng Coal & Eletricity Group e a Shanghai Baosteel. E para que as pontes, as ferrovias e portos que serão construídos pela China, senão para facilitar a sangria de nossas riquezas, possibilitando super lucros a estes senhores?
O mercador da Alca na UE
Na recente cúpula da América Latina e do Caribe com a União Européia (UE), no México, a delegação brasileira liderou a assinatura da Declaração de Guadalajara, cuja peça contém 104 pontos que traduzem muito bem a combinação destes interesses de classes e, ao mesmo tempo, revela sua submissão ao imperialismo. Declarações hipócritas, vazadas e m princípios vazios, genéricos, como só a burguesia e o imperialismo sabem formulá-los, para empulhar as massas. Tomemos apenas o ponto seis, onde se afirma: “Apoiamos plenamente o fortalecimento do sistema internacional para a promoção e proteção dos direitos humanos. Estamos decididos a combater todas as ameaças ao pleno usufruto de todos os direitos humanos e a tomar as medidas necessárias para promover sociedades democráticas, participativas, equitativas, tolerantes e inclusivas.”
Devemos ter sempre em mente que a principal contradição que permeia as relações internacionais, hoje, mais do que nunca, é a que opõe as nações ricas, que nós denominamos de imperialistas, às “nações pobres” ou, melhor falando, exploradas. Este Encontro compreende a América Latina e Caribe (nações exploradas) e a União Européia, cujas maiores expressões são Alemanha, França, Itália e Espanha (nações exploradoras). De repente, saca-se deste evento uma declaração unitária.
É possível que isto aconteça? Como interesses antagônicos podem expressar-se pelas mesmas frases e consignas?
Somente mediante o concurso da traição e, neste caso, traição dos representantes das nações exploradas, vanguardeadas pelos “brasileiros”, foi possível produzir um texto único. Vejamos por partes:
1 Fortalecimento do sistema internacional (chamam de sistema internacional o modo de produção capitalista). A quem interessa fortalecer este sistema internacional, onde cerca de 150 famílias controlam a maior parte da riqueza do mundo, condenando à fome e à miséria a maior parte da humanidade?
2 Promoção e proteção dos direitos humanos. Hoje, o imperialismo e a burguesia matam em nome da defesa dos direitos humanos, porque para eles os direitos humanos são o direito de explorar os trabalhadores para garantir suas propriedades com total segurança. Tudo que se colocar contra esta suprema aspiração está contra os direitos humanos burgueses. Assim, os direitos do povo trabalhador e explorado são antagônicos aos direitos burgueses, porque — como diz o poema Operário em construção — “a marmita do operário é a mesa farta do patrão.” Como então usar essa expressão de forma genérica sem ser chamado de oportunista e traidor?
Isso também se passa com a palavra democracia.
3 Promover sociedades democráticas. Esta frase é inteiramente hipócrita. Os que utilizam a forma genérica, na verdade, desejam e defendem a democracia à moda Bush, Sharon, Tony Blair, Asnar, Berlusconi e todos os demais chupa-sangue do proletariado do mundo inteiro, dos povos e nações oprimidas. Para os que defendem a verdadeira democracia, ela sempre se faz acompanhar por: nova, popular ou proletária.
Estes oportunistas que assumiram a gerência do Estado brasileiro, burguês-latifundiário serviçal do imperialismo, por esta condição de traidores do povo e da nação, não farão sequer meras reformas, muito menos uma revolução, mesmo democrático-burguesa, para garantir a independência nacional e o desenvolvimento do país.
Eles fortalecem o latifúndio, a ponto de afirmarem que os latifundiários não são “tão maus assim”. Na verdade, nunca entenderam o papel do campesinato em todas as revoluções ocorridas até nossos dias; consideram-no até mesmo desprezível. O latifúndio é responsável, não só pela miséria do campo, como das cidades e, como seus interesses são muitíssimos afinados com os da burguesia financeira e, por essa razão, sustentado por eles, compõem o pólo dominante da sociedade brasileira.
O jogo de cena na Uctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento)— quando, no dia do encerramento do encontro, em São Paulo, a OMC divulga que o Brasil obteve ganho de causa em sua questão contra o dunping do algodão praticado pelo Usa, e as declarações de Luiz Inácio em Nova York de que “o Brasil vai ser duro com os grandes” — é cortina de fumaça para encobrir a mais completa capitulação aos interesses imperialistas.
A julgar pelas imposições feitas pela China no episódio da soja, e pelas declarações de Luiz Inácio, também em Nova York, de que o Brasil é um bom negócio, os famosos “negócios da China” estão sendo substituídos pelos “negócios do Brasil”. E haja entreguismo.